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III


Espírito e matéria


Não há efeito sem causa; nada procede do nada. Esses são axiomas, isto é, verdades incontestáveis. Ora, como se constata em cada um de nós a existência de forças e de poderes que não podem ser considerados como materiais, há a necessidade, para explicar sua causa, de se chegar a uma outra fonte além da matéria, a esse princípio que chamamos alma ou espírito.


Quando, descendo ao fundo de nós mesmos, querendo aprender a nos conhecer, a analisar nossas faculdades; quando, afastando de nossa alma a borra que a vida acumula, o espesso envelope de preconceitos, erros e sofismas que têm revestido nossa inteligência; penetrando nos recessos mais íntimos de nosso ser, encontramo-nos face a face com esses princípios augustos sem os quais não haveria grandeza para a humanidade: o amor ao bem, o sentimento de justiça e de progresso. Esses princípios, que se encontram em diversos graus, tanto entre os ignorantes quanto entre os homens de gênio, não podem vir da matéria, desprovida que está de tais atributos. E se a matéria não possui essas qualidades, como poderia formar, sozinha, os seres que delas são dotados? O senso do belo e do verdadeiro, a admiração que sentimos pelas grandes e generosas obras, não poderia ter a mesma origem que a carne de nossos membros ou o sangue de nossas veias. Está lá, na sua maior parte, como os reflexos de uma luz sublime e pura que brilha em cada um de nós, da mesma forma que o sol se reflete sobre as águas, quer estejam perturbadas ou límpidas.


Em vão se pretende que tudo seja matéria. E apesar de que ainda que nos ressintamos de poderosos impulsos de amor e de bondade, já conseguimos amar a virtude, o devotamento, o heroísmo; o sentimento da beleza moral está gravado em nós; a harmonia das coisas e das leis nos penetra, nos arrebata. E, com tudo isso, nada nos distinguiria da matéria? Sentimos, amamos, possuímos consciência, vontade e razão e procederíamos de uma causa que não encerra essas qualidades em nenhum grau, de uma causa que não sente, não ama nem conhece nada, que é cega e muda? Superiores à força que nos produziu, seríamos mais perfeitos e melhores que ela!


Uma tal maneira de ver não suporta um exame. O homem participa de duas naturezas. Por seu corpo, por seus órgãos, deriva da matéria; por suas faculdades intelectuais e morais, é espírito.


Dizendo ainda mais exatamente, relativamente ao corpo humano, os órgãos que compõem essa admirável máquina são semelhantes a rodas incapazes de agir sem um motor, sem uma vontade que as coloque em ação. Esse motor é a alma. Um terceiro elemento religa os dois outros, transmitindo aos órgãos as ordens do pensamento. Esse elemento é o perispírito, matéria etérea que escapa aos nossos sentidos. Envolve a alma, acompanha-a após a morte nas suas peregrinações infinitas, depurando-se, progredindo com ela, constituindo um corpo diáfano, vaporoso. Voltaremos, mais adiante, a comentar sobre a existência desse perispírito, chamado também de duplo fluídico (1).


O espírito jaz na matéria como um prisioneiro em sua cela; os sentidos são as aberturas pelas quais se comunica com o mundo exterior. Mas, enquanto a matéria, cedo ou tarde, declina, periclita e se desagrega, o espírito aumenta em poder, fortifica-se pela educação e experiência. Suas aspirações se engrandecem, se estendem para além do túmulo; sua necessidade de saber, de conhecer e de viver não tem limites. Tudo mostra que o ser humano pertence apenas temporariamente à matéria. O corpo não é senão uma vestimenta emprestada, uma forma passageira, um instrumento com a ajuda do qual a alma prossegue, nesse mundo, sua obra de depuração e de progresso. A vida espiritual é a vida normal, verdadeira, sem fim.



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