VI

AS LEIS UNIVERSAIS

    


Repitamos: todas as obras científicas produzidas há meio século nos demonstram a existência e a ação das leis naturais. Essas leis estão ligadas por uma outra, superior, que as abrange inteiramente, regularizando-as e elevando-as à unidade, à ordem e à harmonia. E por essas leis, sábias e profundas, ordenadoras e organizadoras do Universo, que a Inteligência Suprema se revela.


Certos sábios objetam, na verdade, que as leis universais são cegas. Mas, de que forma leis cegas poderiam dirigir a marcha dos mundos no Espaço, regular todos os fenômenos, todas as manifestações da vida, e isso com precisão admirável? Se as leis são cegas, diremos, evidentemente devem agir ao acaso. Mas o acaso é a falta de direção e a ausência de toda inteligência atuante. E, pois, o acaso inconciliável com a noção de ordem e de harmonia.


A idéia da Lei nos parece, portanto, inseparável da idéia da Inteligência, porque é obra de um pensamento. Somente este pode dispor e ordenar todas as coisas no Universo. E o pensamento não se pode produzir sem a existência de um ser que seja o seu gerador.


Não há lei possível fora e sem o concurso da inteligência e da vontade que a dirige. De outra forma, a lei seria cega, como opinam os materialistas; iria ao acaso, à mercê da corrente. Seria exatamente qual um homem que dissesse seguir certa estrada sem o socorro da vista: cairia em qualquer fosso, depois de dar alguns passos. Assim nos é permitido afirmar que uma lei — cega — não seria mais lei.


Acabamos de ver que as pesquisas da Ciência demonstram a existência das leis universais. Todos os dias essa ciência se adianta, não raro a contra agosto, é verdade; mas, enfim, avança, pouco a pouco, para a grande unidade que entrevemos no fundo das coisas.


Não há, sem excetuar mesmos os próprios positivistas e os materialistas, quem não seja arrastado por esse movimento de idéias. Encaminham-se, sem disso se aperceberem, para a percepção grandiosa que reúne todas as forças, todas as leis do Universo. Com efeito, poder-se-ia provar que Auguste Comte, Littré, o Dr. Robinet, toda a escola positivista, em suma, se entrega a respeito destes assuntos às mais flagrantes contradições. Rejeitam a idéia do absoluto, a de uma causa geradora, e proclamam e até provam que “a Matéria é a manifestação sensível de um princípio universal”. Na opinião deles, “todas as ciências se superpõem e acabam reunindo-se em uma generalidade suprema que põe o selo põem sua unidade”. Segundo Burnouf, “a Ciência está prestes a chegar a uma teoria, cuja fórmula geral confirmaria a unidade da substância, a invariabilidade da vida e sua união indissolúvel com o pensamento”.


Ora, que vem a ser essa trilogia da substância, da vida, do pensamento, essa “generalidade suprema, essa lei universal, esse princípio único”, que preside a todos os fenômenos da Natureza, a todas as metamorfoses, a todos os atos da vida, a todas as inspirações do Espírito? Que é, pois, um centro no qual se resume e se confunde tudo ­ que é tudo que vive tudo que pensa? Que é, senão o absoluto, senão o próprio Deus?! É verdade que se obstinam a recusar a inteligência e a consciência a esse absoluto, a essa causa suprema; mas ficará sempre por explicar de que modo uma causa inteligente — cega inconsciente — pôde produzir todas as magnificências do Cosmos, todos os esplendores da inteligência, da luz, da vida, sem saber que o fazia. Como — sem consciência, nem vontade, sem reflexão, nem julgamento —, pôde produzir seres que refletem, querem, julgam, dotados de consciência e de razão?!


Tudo vem de Deus e remonta a Ele. Um fluido mais sutil que o éter emana do pensamento criador. Esse fluido muito quintessenciado para ser apreendido pela nossa compreensão, em consequência de combinações sucessivas, tornou-se o éter. Do éter saíram todas as formas graduadas da matéria e da vida. Chegadas ao ponto extremo da descida, a substancia e a vida remonta o ciclo imenso das evoluções.


Já o vimos, a ordem e a majestade do Universo não se revelam somente no movimento dos astros, na marcha dos mundos; revelam-se também, de modo Imponente, na evolução e desenvolvimento da vida na superfície desses mundos. Hoje, pode-se estabelecer que a vida se desenvolva se transforma e se apura segundo um plano preconcebido; se aperfeiçoa a medida que percorre sua órbita imensa. Começa-se a compreender que tudo está regulado em vista de um fim, e esse fim é a progressão do ser; é o crescimento, contínuo, e a realização de formas sempre perfeitas, de beleza, de sabedoria, de moralidade.


Pode-se observar em torno de nós essa lei majestosa do progresso, através de todo o lento trabalho da Natureza; desde as formas inferiores, desde os infinitamente pequenos, os infusórios que flutuam nas águas, elevando-se, de grau em grau, na escala das espécies, até o homem. O instinto torna-se sensibilidade, inteligência, consciência, razão. Sabemos também que essa ascensão não pára aí. Graças aos ensinamentos do Além, aprendemos que prossegue, através dos mundos invisíveis, sob formas cada vez mais sutis, e prossegue, de potência em potência, de glória em glória, até ao Infinito, até Deus. E essa ascensão grandiosa da vida só se explica pela existência de uma causa inteligente, de uma energia incessante, que penetra e envolve toda a Natureza: é quem rege e estimula essa evolução colossal da vida para o Bem, para o Belo, para o Perfeito!


O mesmo acontece no domínio moral. Nossas existências se sucedem e se desenrolam através dos séculos. Os acontecimentos se seguem sem que vejamos o laço que os liga. Mas a justiça imanente paira sobre todas as coisas: fixa a nossa sorte, segundo uma Lei, segundo um princípio infalível. Pensamento, palavras, ações, tudo se encadeia, tudo está ligado por uma série de causas e efeitos que formam a trama de nossos destinos  (XX)  . Insistamos neste ponto: é graças à revelação dos Espíritos que a Lei de Justiça nos apareceu com esse caráter imponente, com suas vastas consequências e o encadeamento prodigioso das coisas que domina e rege.


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Quando estudamos o problema da vida futura, quando examinamos a situação do Espírito depois da morte — e é esse o objeto capital das pesquisas psíquicas —, encontramo-nos em presença de um fato considerável, pleno de consequências morais. Verifica-se um estado de coisas que é regulado por uma lei de equilíbrio e de harmonia.


Logo que a Alma transpõe a morte, desde que despertam no mundo dos Espíritos, o quadro de suas vidas passadas se desenrola, pouco a pouco, à sua vista. Ela se mira em um espelho que reflete fielmente todos os atos passados, para acusar ou glorificar. Nada de distração, nada de fuga possível. O Espírito obrigado a contemplar-se, primeiramente, para se reconhecer ou para sofrer, e, mais tarde, para se preparar. Daí, para a maior parte, o remorso, a vergonha e a amargura!


Os ensinamentos de Além­Túmulo nos fazem saber que nada se perde, nem o bem, nem o mal; e sim que tudo se inscreve se repara, se resgata, por meio de outras existências terrestres, difíceis e dolorosas.


Aprendemos igualmente que nenhum esforço é perdido e que nenhum sofrimento é inútil. O dever não é palavra vã, e o Bem reina sem partilha acima de tudo. Cada um constrói dia por dia, hora por hora, muitas vezes sem o saber, seu próprio futuro. A sorte que nos cabe na vida atual foi preparada pelas nossas ações anteriores; da mesma forma edificamos no presente as condições da existência futura. Daí para o sábio a resignação ao que lhe é inevitável na vida presente; daí também o estimulante poderoso para agir, devotar-se, preparando para si próprio um destino melhor.


Quanto isso conhece não se encherão de medo, pensando no que está reservado à sociedade atual, cujos pensamentos, tendências e atos são muitas vezes inspirados pelo egoísmo ou por paixões más? À sociedade atual, que acumula, assim, acima dela, sombrias nuvens fluídicas que trazem a tempestade em seu dorso?


Como não estremecermos em presença de tantos desfalecimentos morais, diante de tantas corrupções ostensivas? Como não estremecer, verificando que o sentimento do bem encontra tão pouco lugar em certas consciências? Como não estremecer, enfim, ao constatar, no fundo de tantas Almas, o amor desenfreado pelos gozos, a cupidez ou o ódio?! E se sentimos isso, como hesitar na afirmativa, à face de todos, para fazer conhecida de toda essa Lei de justiça que os ensinamentos do Além nos mostram tão grande, tão importante; essa Lei que se executa por si mesma, sem tribunal e sem julgamento, mas à qual não escapa, no entanto, nenhum de nossos atos; Lei que nos revela uma Inteligência diretora do mundo moral; Lei viva, razão consciente do Universo, fonte de toda a vida, de todas as leis, de toda a perfeição!


Eis o que é Deus. Quando esta idéia de Deus tiver penetrado no ensino, e, daí, nos espíritos e nas consciências, compreender-se-á que o espírito de justiça não é mais do que o instrumento admirável pelo qual a causa suprema leva tudo à ordem e à harmonia, e sentir-se-á que essa idéia de Deus é indispensável às sociedades modernas, que se abatem e perecem moralmente, porque, não compreendendo Deus, não se podem regenerar. Então, todos os pensamentos e todas as consciências se voltarão para esse foco moral, para essa fonte de eterna justiça — que é Deus, e ver-se-á transformar a face do mundo.


A justiça não é somente de origem social, qual a revolução de 1789 procurou estabelecer. Ela vem de mais alto: é de origem divina. Se os homens são iguais diante da lei humana é porque são iguais diante da Lei eterna.


E assim é porque saímos todos da mesma fonte de inteligência e de consciência; somos todos os irmãos, solidários uns com os outros, unidos em nossos destinos imortais ­ porque a solidariedade e a fraternidade dos seres só são possíveis quando estes se sentem ligados a um mesmo centro comum.


Somos filhos de um mesmo Pai, porque a alma humana é emanação da Alma Divina, uma centelha do Pensamento Eterno.


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Tudo nos fala de Deus, o visível e o invisível. A inteligência o discerne; a razão e a inteligência o proclamam.


Mas o homem não é somente razão e consciência: é também amor. O que caracteriza o ser humano, acima de tudo, é o sentimento, é o coração. O sentimento é privilégio da Alma; por ele a Alma se liga ao que é bom belo e grande, a tudo que merece sua confiança e pode ser sustentáculo na dúvida, consolação na desgraça. Ora, todos esses modos de sentir e de conceber nos revelam igualmente Deus, porque a bondade, a beleza e a verdade só se acham no ser humano em estado parcial, limitado, incompleto. A bondade, a beleza e a verdade só podem existir sob a condição de encontrar seu princípio, plenitude e origem em um ser que as possua no estado superior, no estado infinito.


A idéia de Deus impõe-se por todas as faculdades do nosso Espírito, ao mesmo tempo em que fala aos nossos olhos por todos os esplendores do Universo. A Inteligência suprema se revela a causa eterna, na qual todos os seres vêm haurir a força, a luz e a vida. Aí está o Espírito Divino, o Espírito Potente, que se venera sob tantas denominações; mas, sob todos esses nomes, é sempre o centro, a lei viva, a razão pela quais os seres e os mundos se sentem viver, se conhecem, se renovam e elevam.


Deus nos fala por todas as vozes do Infinito. E fala não em uma Bíblia escrita há séculos, mas em uma bíblia que se escreve todos os dias, com esses característicos majestosos, que se chamam oceanos, montanhas e astros do céu; por todas as harmonias, doces e graves, que sobem do imo da Terra ou descem dos espaços etéreos. Fala ainda no santuário do ser, nas horas de silêncio e de meditação. Quando os ruídos discordantes da vida material se calam, então a voz interior, a grande voz desperta e se faz ouvir. Essa voz sai da profundeza da consciência e nos fala dos deveres, do progresso, da ascensão da criatura. Há em nós uma espécie de retiro íntimo, uma fonte profunda de onde podem jorrar ondas de vida, de amor, de virtude, de luz. Ali se manifesta esse reflexo, esse gérmen divino, escondido em toda Alma humana.


Por isso a Alma humana se constitui o mais belo testemunho que se eleva em favor da existência de Deus; é uma irradiação da Alma Divina. Contém, em estado de embrião, todas as potências, e seu papel, seu destino consiste em valorizá­las no curso de inúmeras existências, em suas transmigrações através dos tempos e dos mundos.


O ser humano, dotado de razão, é responsável, é suscetível de se conhecer e tem o dever de se governar. Como disse João Evangelista: “A razão humana é essa verdadeira luz que esclarece todo homem que vem ao mundo” (João, 1:9). A razão humana, dissemos, é uma centelha de Razão Divina.


E subindo à sua origem, é comunicando com a Razão Absoluta, Eterna, que a Alma humana descobre a Verdade e compreende a Ordem e a Lei universais. Assim direi a todos: Homens, filhos da luz, ó meus irmãos! Lembremo-nos da nossa origem; lembremo-nos do fim, durante a viagem da vida! Desprendamo-nos das coisas que passam! Liguemo-nos às que permanecem!


Não há dois princípios no mundo: o Bem e o Mal. O Mal é feito de contraste, qual a noite o é do dia. Não tem existência própria. O Mal é o estado de inferioridade e de ignorância do ser em caminho de evolução. Os primeiros degraus da escada imensa representam o que se chama o mal; mas, à medida que o ser se eleva, realiza o bem em si e em torno de si — o mal vai atenuando­se, e depois se desvanece. O mal é a ausência do bem. Se parece dominar ainda em nosso planeta, é porque este é um dos primeiros anéis da cadeia, morada de Almas elementares que estréiam na rude senda do conhecimento, ou, então, de Almas culpadas, em rumo de reparação. Nos mundos mais adiantados, o Bem se expande e, de grau em grau, acaba reinando sem partilha.


O Bem é indefinível por si mesmo. Defini-lo seria minorá-lo. É preciso considerá-lo, não em sua natureza, mas em suas manifestações.


Acima das essências, das formas e das idéias, paira o princípio do Belo e do Bem, último termo que sou capaz de atingir pelo pensamento, sem o abranger, todavia. Reside em nossa pequenez a impossibilidade de apreender a existência última das coisas; mas, a sensibilidade, a inteligência e o conhecimento são outros tantos pontos de apoio, que permitem à Alma desprender-se do seu estado de inferioridade e de incerteza, e convencer-se de que tudo no Universo, as forças e os seres, tudo é regido pelo Bem e pelo Belo. A ordem e a majestade do mundo, ordem física e ordem moral, justiça, liberdade, moralidade, tudo repousa sobre leis eternas; não há leis eternas sem um Princípio superior, sem uma Razão primeira, causa de toda a Lei. Também o ser humano, tanto quanto a sociedade, não pode engrandecer¬ se e progredir sem a idéia de Deus, isto é, sem justiça, sem liberdade, sem respeito de si mesmo, sem amor; porque Deus, representando a perfeição, é á última palavra, a suprema garantia de tudo quanto constitui a beleza, a grandeza da vida, de tudo que faz a potência e a harmonia do Universo!


    

Nota(s)  Capítulo VI

    


XX


Vide Leon Denis, O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR.