II

UNIDADE SUBSTANCIAL DO UNIVERSO

    


O Universo é uno, posto que triplo na aparência. Espírito, Força e Matéria não parecem ser mais que os modos, os três estados de uma substância imutável em seu princípio, variável ao infinito em suas manifestações.


O Universo vive e respira, animado por duas correntes poderosas: a absorção e a difusão.


Por essa expansão, por esse sopro imenso, Deus, o Ser dos seres, a Alma do Universo, cria. Por seu amor, atrai a si. As vibrações do seu pensamento e da sua vontade, fontes primeiras de todas as forças cósmicas, movem o Universo e geram a Vida.


A Matéria, dissemos, é um modo, uma forma transitória da substância universal. Ela escapa à análise e desaparece sob a objetiva dos microscópios, para se transmudar em radiações sutis. Não tem existência própria; as filosofias, que a tomam por base, repousam sobre uma aparência, uma espécie de ilusão.  (VI)


A unidade do Universo, por muito tempo negado ou incompreendido, começa a ser entrevista pela Ciência. Há quatro lustros, W. Crookes, no curso de estudos sobre a materialização dos Espíritos, descobria o quarto estado da Matéria, o estado radiante, e essa descoberta, por suas consequências, ia destruir todas as velhas teorias clássicas sobre o assunto.


Estas estabeleciam distinção entre a Matéria e a Força. Sabemos agora que ambas se confundem. Sob a ação do calor, a matéria mais grosseira se transforma em fluidos; os fluidos, por sua vez, se reduzem a um elemento mais sutil, que escapa aos nossos sentidos. Toda matéria pode ser transformada em força e toda força se condensa em matéria, percorrendo assim um círculo incessante.  (VII)


As experiências de Crookes prosseguiram e foram confirmadas por uma legião de investigadores. O mais célebre, Roentgen, denominou raios X as irradiações emanadas das ampolas de vidro; têm eles a propriedade de atravessar a maior parte dos corpos opacos e permitem perceber e fotografar o invisível aos nossos olhos.


Pouco depois, o Sr. Becquerel demonstrava as propriedades que têm certos metais de emitir irradiações obscuras, que penetram a matéria mais densa, quais os raios Roentgen, e impressionam as placas fotográficas através das lâminas metálicas. O radium, descoberto pelo Sr. Curie, produz calor e luz, de maneira contínua, sem se esgotar de modo sensível. Os corpos submetidos à sua ação se tornam por sua vez irradiantes. Posto que a quantidade de energia irradiada por esse metal seja considerável, a perda de substância material que lhe corresponde é quase nula. W. Crookes calculou que um século seria necessário para a dissociação de um grama de radium  (VIII). Mais ainda. As engenhosas descobertas de G. Le Bon  (IX)   provaram que as irradiações são uma propriedade geral de todos os corpos. A matéria pode dissociar¬ se indefinidamente; ela é energia concretizada. Assim, a teoria do átomo indivisível, que há dois milênios servia de base à Física e à Química, desmorona-se, e, com ela, as distinções clássicas entre o ponderável e o imponderável  (X)  . A soberania da Matéria, que se dizia absoluta, eterna, teve fim.


É preciso, pois, reconhecer que o Universo não é tal como parecia a nossos fracos sentidos. O mundo físico constitui ínfima parte dele. Fora do círculo de nossas percepções, existe uma infinidade de forças e de formas sutis que a Ciência ignorou até hoje. O domínio do invisível é muito mais vasto e mais rico que o do mundo visível. Em sua análise dos elementos que constituem o Universo, a Ciência tem errado durante séculos, e agora lhe é necessário destruir o que tão penosamente edificou. O dogma científico da unidade irredutível do átomo, desmoronando-se, arrasta todas as teorias materialistas. A existência dos fluidos, afirmada pelos Espíritos há meio século – o que lhes valeu tantos sarcasmos da parte dos sábios oficiais –, está estabelecida, doravante, pela experimentação, de maneira rigorosa.


Os seres vivos, por sua parte, emitem irradiações de naturezas diferentes. Eflúvios humanos, variando de forma e de intensidade sob a ação da vontade, impregnam placas com misteriosa luz. Esses influxos querem nervosos, quer psíquicos, conhecidos desde muito pelos magnetizadores e espíritas, mas negados pela Ciência, são autenticados hoje pelos fisiologistas, no grau de realidade irrecusável. Por esse caminho é encontrado o princípio da telepatia. As volições do pensamento, as projeções da vontade, transmitem-se através do Espaço, quais as vibrações do som e as ondulações da luz, e vão impressionar organismos em simpatia com o do emitente. As Almas em afinidade de pensamento e de sentimento podem trocar seus eflúvios, em todas as distâncias, de igual maneira que os astros permutam, através dos abismos do Espaço, seus raios trêmulos. Descobrimos ainda aí o segredo das ardentes simpatias ou das invencíveis repulsões que certos homens sentem uns pelos outros, à primeira vista.


A maior parte dos problemas psicológicos: sugestão, comunicação à distância, ações e reações ocultas, visão através de obstáculos, encontram aí a sua explicação. Estamos ainda na aurora do verdadeiro conhecimento; mas o campo das pesquisas se acha largamente aberto, e a Ciência vai marchar, de conquista em conquista, em senda rica de surpresas. O mundo invisível se revela a própria base do Universo, a fonte eterna das energias físicas e vitais que animam o Cosmos.


Rui assim o principal argumento daqueles que negam a possibilidade da existência dos Espíritos, dos que não podiam conceber a vida invisível, por falta de um substrato, de uma substância que escapa aos nossos sentidos. Ora, nós encontramos, conjuntamente, no mundo dos imponderáveis, os elementos constitutivos da vida desses seres e as forças que lhes são necessárias para manifestar sua existência.


Os fenômenos espíritas, de toda ordem, explicam-se pelo fato de que um dispêndio considerável de energia pode produzir-se sem dispêndio aparente de matéria. Os transportes, a desagregação e a reconstituição espontâneos de objetos, em câmaras fechadas; os casos de levitação; a passagem dos Espíritos através dos corpos sólidos; aparições e materializações, que provocaram tanta admiração e suscitaram tantos sarcasmos; tudo isso se torna fácil de compreender, desde que se conheça o jogo das forças e dos elementos em ação nesses fenômenos. De tal dissociação de matéria, de que fala G. Le Bon, e que o homem é ainda impotente para produzir, os Espíritos possuem, de há muito, as regras e as leis. A aplicação dos raios X não explica também o fenômeno da dupla vista dos médiuns e o da fotografia espírita? Com efeito, se as placas podem ser influenciadas por certos raios obscuros, por diversas irradiações de matéria imponderável, que penetram os corpos opacos, maior e mais forte razão existe para que os fluidos quintessenciados do envoltório dos Espíritos possam, em determinadas condições, impressionar a retina dos videntes, aparelho mais delicado e mais complexo que a placa de vidro.


E assim que o Espiritismo se fortalece cada dia, pela aquisição de argumentos tirados das descobertas da Ciência, e que acabarão por abalar os mais endurecidos cépticos.


*


A grande querela secular que dividia as escolas filosóficas reduz-se, pois, a uma questão de palavras. Nas experiências em que a W. Crookes coube tomar a iniciativa, a matéria funde-se, o átomo desaparece; em seu lugar surge a energia. A substância é um Proteu que reveste mil formas inesperadas. Os gases, que se consideravam permanentes, se liquefazem; o ar se decompõe em elementos muito mais numerosos do que a ciência de ontem ensinava; a radioatividade, isto é, a aptidão dos corpos à desagregação, emitindo eflúvios análogos aos raios catódicos, revela¬-se qual um fato universal. Uma revolução se dá nos domínios da Física e da Química. Por toda parte, em nosso redor, vemos expandirem-se fontes de energia, imensos reservatórios de forças, muito superiores em potência a tudo quanto até hoje se conhecia. A Ciência se encaminha, pouco a pouco, para a grande síntese unitária, que é a lei fundamental da Natureza. Seus mais recentes descobrimentos têm alcance incalculável, no sentido de demonstrar, experimentalmente, o grande princípio constitutivo do Universo: unidade das forças, unidade das leis. O encadeamento prodigioso das forças e dos seres ¬ precisa-se, completa-se. Verifica-se existir continuidade absoluta, não só entre todos os estados da Matéria, mas ainda entre estes e os diferentes estados da força  (XI)  .


A energia parece ser a substância única, universal. No estado compacto, ela reveste as aparências a que chamamos ­ matéria sólida, líquida, gasosa; sob um modo mais sutil, constitui os fenômenos de luz, calor, eletricidade, magnetismo, afinidade química. Estudando a ação da vontade, sobre os eflúvios e as irradiações, poderíamos, talvez, entrever o ponto, o vértice em que a força se torna inteligente, em que a Lei se manifesta em que o Pensamento se transforma em vida  (XII)  .


E isso porque tudo se liga e encadeia no Universo. Tudo é regulado pela lei do número, da medida, da harmonia. As manifestações mais elevadas de energia confinam com a inteligência. A força se transforma em atração; a atração se faz amor. Tudo se resume em um poder único e primordial, motor eterno e universal, ao qual se dão nomes diversos e é apenas o Pensamento, a Vontade divina. Suas vibrações animam o Infinito! Todos os seres, todos os mundos se banham no oceano das irradiações que emanam do inesgotável foco.


Consciente de sua ignorância e de sua fraqueza, o homem fica confundido diante dessa unidade formidável que abrange todas as coisas e com ela conduz a vida das Humanidades. Ao mesmo tempo, entretanto, o estudo do Universo lhe abre fontes profundas de gozos e de emoções. Apesar de nossa enfermidade intelectual, o pouco que entreve das leis. Universais nos arrebatam; na Potência ordenadora das leis e dos mundos, pressentimos Deus, e, por isso, adquirimos a certeza de que o Bom, o Belo, a Harmonia perfeita, reina acima de tudo.


    

Nota(s)  Capítulo II

    


VI


“A matéria, diz W. Crookes, é um modo do movimento”. (Proc. Roy. Soe, nº 205, pág. 472)


    


VII


“Toda matéria, diz Crookes, tornará a passar pelo estado etéreo de onde veio”. (Discurso no Congresso de Química, de Berlim, 1901)


    


VIII


Vide G. Le Bon, REVUE SCIENTIFIQUE, 24 de outubro de 1903, pág. 518.


    


IX


Vide REVUE SCIENTIFIQUE, 17, 24 e 31 de outubro de 1903.


    


X


Desde séculos, afirmava-se e defendia-se a teoria dos átomos, sem que a conhecessem perfeitamente. Berthelot a qualifica de “romance engenhoso e sutil”. (Berthelot – La synthese Chimique, 1876, p. 164) Por ai se vê, diz Le Bon, que certos dogmas científicos não têm mais consistência que as divindades dos antigos tempos.


    


XI


“Os produtos da dissociação dos átomos – diz G. Le Bom –, constituem uma substancia intermediária por suas propriedades entre os corpos ponderáveis e o éter imponderável, isto é, entre dois mundos profundamente separados até aqui.” (REVUE SCIENTIFIQUE, 17 de outubro de 1903). “As observações precedentes – diz ainda esse eminente químico –, parecem provar que os diversos corpos simples derivam de matéria única. Essa matéria primitiva seria produzida por uma condensação do éter.” (REVUE SCIENTIFIQUE, 24 de outubro de 1901)


    


XII


Ver nota complementar nº 2, no fim deste volume.