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Capítulo III



Mediunidades diversas


Capítulo III


– Os médiuns escreventes

– Algumas comunicações notáveis

– Fábulas, versos e música

– Incorporação ou encarnação

– Um caixeiro

– A filha do juiz Edmonds

– Anestesia durante o transe

– As objeções

– O Sr. Binet

– As experiências do Sr. Janet

– Mediunidade vidente

– Mediunidade auditiva

– Escrita direta e psicografia

– Experiências de Wallace

– Oxon – Zöllner

– O Dr. Gibier

– Na América do Norte

– Observações.


Já vimos, no histórico, como os próprios Espíritos indicaram um meio de comunicação mais rápido que pela mesa. Esse meio é o de tomar um lápis e deixar a mão completamente passiva; se o experimentador é médium, no fim de algum tempo sua mão traçará automaticamente sinais, linhas e, finalmente, caracteres que podem ser lidos e que constituem a mensagem espiritual.


Eis como a mediunidade escrevente se desenvolveu no Dr. B. Cyriax, diretor do Neu Spiritualistische Blätter, de Berlim. Essa narrativa foi extraída de sua obra Wie ich ein Spiritualist geworden bin.


O autor conta que, resolvido a estudar o fenômeno, desejava fazer pesquisas em sua própria casa, no seio de sua família, a fim de estar plenamente convencido de que nenhuma fraude produzir-se-ia.


Durante dezenove sessões, nenhum resultado obteve; foi somente na vigésima que movimentos da mesa vieram animá-lo a prosseguir esse inquérito, que ele estava a ponto de abandonar.


Cedamos-lhe a palavra:


“Nessa vigésima sessão, senti, de repente, uma sensação muito particular: ora de calor, ora de frio; percebi, em seguida, uma espécie de corrente de ar frio que passava pelo meu rosto e pelas minhas mãos; depois, pareceu-me que meu braço esquerdo estava, como se costuma dizer, dormente; mas a impressão era completamente diferente da de fadiga, que eu sentia nas outras sessões e que podia fazer cessar, quer mudando de posição, quer mexendo os braços, as mãos ou os dedos. Nessa ocasião, meu braço estava, por assim dizer, paralisado e minha vontade era impotente para fazê-lo mover, e muito menos aos meus dedos; tive, em seguida, o sentimento de que alguém punha meu braço em movimento, e tal foi à rapidez com que ele se agitou que não consegui retê-lo.


“Como esses movimentos eram análogos aos que fazemos para escrever, minha esposa foi buscar papel e um lápis e colocou-os na mesa; de um salto, minha mão esquerda apodera-se do lápis e, durantealguns minutos, traça sinais no ar com incrível rapidez, de sorte que meus dois vizinhos eram forçados a inclinar-se para trás a fim de não serem atingidos; após isso, minha mão abaixa-se bruscamente para o papel, fere-o violentamente, e quebra a ponta do lápis. Nesse momento, com a mão repousada docemente na mesa, compreendi perfeitamente que a minha vontade tinha sido inteiramente neutra nos movimentos executados; compreendi também que eu não a dominava na fase atual de repouso. O fato é que não pude reter meus gestos e que, no momento do repouso, não me foi possível mover o braço, que estava insensível e como se não me pertencesse.


“Logo que o lápis, aparado de novo, foi posto outra vez ao meu alcance, minha mão tomou-o e começou a estragar algumas folhas de papel, cobrindo-as de traços grossos e de rasgões; depois acalmou-se e, com profundo espanto nosso, pôs-se a fazer exercícios de escrita, tais como costumam fazer as crianças: primeiro traços, pauzinhos; depois N, M, A, C, etc.; e finalmente o O, sobre o qual fiquei muito tempo, até que a força que animava o meu braço conseguiu fazê-lo mover em círculo, sempre o mesmo, com grande rapidez. Depois disso, a força, como que exausta, deixou de agitar-me o braço; senti uma nova corrente de ar frio passar através e sobre minha mão e, em pouco tempo, toda a fadiga e toda a dor havia desaparecido.


“A calma restabeleceu-se e levantamos a sessão, felizes por havermos verificado a manifestação de uma força independente da nossa própria vontade, e à qual nos era impossível resistir. Que essa força fosse magnética ou espírita, ou tivesse origem na atividade inconsciente do cérebro, eis uma questão reservada para outra ocasião.


“Embora fosse medíocre o resultado obtido, não ficamos tranqüilos enquanto não tentamos outras experiências. No dia seguinte, à noite, empenhamo-nos outra vez na questão; desta vez, a espera não foi longa.


“Apenas tinham decorrido cinco minutos, já eu sentia ar frio, e a mesma sensação era experimentada pelos meus companheiros; em seguida, sobrevieram os movimentos bruscos e, muitas vezes, dolorosos da mão esquerda, que batia, sem interrupção, durante alguns minutos, na superfície da mesa, com pancadas precipitadas e com tal violência que acreditei dever estar escoriado; surpreso, não descobri ferimento algum, e todo o vestígio de dor desaparecera como por encanto.


“Desse dia em diante, minha mediunidade desenvolveu-se mais rapidamente e, seguindo os conselhos de meus amigos da Américado Norte, a reunião era composta de duas damas e um cavalheiro. Comecei a escrever com a mão esquerda, primeiro como exercício; depois, vieram comunicações de diferentes Espíritos e, certa noite, desenhei uma cesta de flores.


“Devo dizer que sou muito desajeitado da mão esquerda no estado normal, não sabendo sequer servir-me dela para comer, quanto mais para escrever; no que diz respeito ao desenho, entendo muito pouco dessa arte, mesmo com a mão direita.


“Adquiri a mais absoluta convicção de que a força que escrevia e desenhava por meu intermédio era independente de mim, e que devia residir em outra inteligência que não a minha, porque, durante essas manifestações, eu conservava toda a minha lucidez; não sentia nenhum inconveniente, salvo no que era concernente ao meu braço esquerdo, pois, durante toda a sessão, parecia não me pertencer e dava-me a impressão de que era usado por alguma outra pessoa, sem minha participação e contra a minha vontade.


“Meu espírito era tão alheio a isso que, enquanto minha mão escrevia, eu podia perfeitamente conversar com as outras pessoas presentes. Um colega, que, em certa ocasião, assistia à sessão, querendo reter o movimento de minha mão, e tendo para isso colocado suas mãos de modo que a minha suportasse todo o peso de seu corpo, nenhum resultado tirou; minha mão prosseguiu seu trabalho com força e regularidade, enquanto eu apenas sentia o peso das mãos colocadas sobre a minha.”


Reproduzimos inteiramente as declarações do Dr. Cyriax, por serem originais; elas mostram bem as fases diversas pelas quais passam o maior número de experimentadores e, além de tudo, apresenta a vantagem de ser relatada por um homem competente, que só pôde ser levado a acreditar nos Espíritos pelos fenômenos produzidos em si próprio.


Eis ainda uma outra experiência de William Crookes, sobre a escrita automática:30


“Em minha presença, diversos fenômenos produziram-se ao mesmo tempo, e o médium não os conhecia a todos. Aconteceu que a jovem Fox escrevia automaticamente uma comunicação para um dos assistentes, enquanto outra comunicação, sobre outro assunto, lhe era dada para uma pessoa diferente, por meio do alfabeto e por pancadas. Durante todo esse tempo, o médium conversava com uma terceira pessoa, sem o menor embaraço, sobre assunto completamente diferente dos outros.”


Algumas comunicações


O caráter automático da escrita, obtida nas condições acima indicadas, é, sem dúvida, muito importante para julgar-se da boa-fé do médium; mas convém não esquecer que, neste caso, como em todos os outros, o verdadeiro característico da mediunidade está nas provas de identidade fornecidas pelo Espírito que se manifesta. Quando esse invisível fala de acontecimentos dos quais só ele e vós tendes sido testemunhas, tereis já uma probabilidade de ser ele perfeitamente a personalidade que conhecestes na Terra. Neste caso, convém não recear fazer-lhe perguntas múltiplas e reiteradas, até que vossa convicção seja plena e completa.


Pode acontecer que, sem se obterem nomes conhecidos do evocador, tenha a comunicação um caráter comprobativo; isto sucede quando ela revela ser de uma inteligência notoriamente superior à do médium ou quando é escrita com uma espontaneidade ou presteza tais que não se pode atribuí-la ao médium.


Mas essas comunicações são, às vezes, verdadeiras farsas literárias. Vamos ver diferentes exemplos desses casos:


Eis primeiramente uma fábula que o Sr. Timoléon Jaubert, antigo vice-presidente do Tribunal Civil de Carcassonne, obteve por intermédio da mesa; ela foi extraída de sua obra Les Deux Commandements du Christ, e obteve o prêmio nos Jogos florais de Toulouse:



La Chenille et le Papillon


D'un bosquet de jasmin, labourant les contours,

Tremblante, une chenille, au déclin de ses jours,

Se disait: “Je suis bien malade;

”Je ne digère plus les feuilles de salade;

”A peine si le chou tente mon appétit,

Je me meurs petit à petit.”

C'est triste de mourir... Mieux vaudrait ne pas naltre

“Sans murmure, il faut se soumettre.

”A d'autres, après moí, de tracer leur sillon.”

“Mais tu ne mourras pas, lui dit un papillon;

”Naguère, il m'en souvient, sur la même charmille,

”Avec toi, j'ai rampé; je suis de ta famille.

”Si tu traines ce corps lourd, débile et poudreux,

”L'avenir te réserve un destin plus heureux.

”Espère!... Du sommeil le passage est rapide;

”Tout comme je le fus, tu seras chrysalide;

”Comme moi tu pourras, brillante de couleurs,

“Respirer le parfum des fleurs.”

La vieille répondit: “Imposture! imposture!

”Rien ne saurait changer les lois de la nature;

”L'aubépine jamais ne deviendra jasmin.

”A mes anneaux brisés, à des ressorts si frêles,

”Quel habile ouvrier viendrait fixer des ai1es?

Jeune fou, passe ton chemin.”

“– Chenílle, bien touché! le possible a ses bornes,”

Reprit un escargot triomphant sous ses cornes.

– Un crapaud applaudit. – De son dard un frelon

Insulta le beau papillon.


- - - - - - - - - -


Non, ce n'est pas toujours la vérité qui brille.

Niez l’âme des morts, aveugles obstinés.

Prenez garde!... Vous raisonnez

A peu près comme la chenille.


Eis uma outra poesia obtida por uma senhora, com o auxílio da escrita automática; foi ditada no momento em que apareceu a novela intitulada Spirite, de Théophile Gautier:


Me volei revenu. Pourtant, j'avais, Madame,

Juré sur mes grands Dieux de ne jamais rimer.

C'est un triste métier que de faire imprimer

Les ceuvres d'un auteur réduit à l’état d'âme.

J'avais fui loin de vous, mais un esprit charmant

Risque en parlant de nous d'exciter le sourire!

Je pense qu'il en sait bien plus qu'il n'en veut dire,

Et qu'il a, quelque part, trouvé son revenant.

Un revenant! vraiment cela parait étrange,

Moimême j'en ai ri quand j'étais icibas,

Mais, lorsque j'affirmais que je n'y croyais pas,

J'aurais, comme un sauveur, accueilli mon bon ange.

Que je l’aurais aimé, lorsque, le front jauni,

Appuyé sur ma main, la nuit, dans la fenétre,

Mon esprit, en pleurant, sondait le grand peutêtre,

En parcourant au loin les champs de l’Infini!

Amis, qu'espérez-vous d'un siècle sans croyance?

Quand vous aurez pressé votre fruit le plus beau,

L'homme trébuchera toujours sur un tombeau,

Si, pour le soutenir, il n'a plus l’espérance.

Mais ces vers, diraton, ils ne sont pas de lui.

Que m'importe, après tout, le blàme du vulgaire:

Lorsque j'étais vivant, il ne m'occupait guère,

A plus forte raison, en riraisje aujourd'hul.


A. de Musset.


Esses versos, publicados pela Revue Spirite, produziram sensação, mormente no mundo das letras, porque era difícil, fosse qual fosse o médium, não reconhecer a verve do poeta.


Albéric Second, a quem eles foram enviados, escreveu, em 7 de junho de 1866, no Grand Journal, que então dirigia, o seguinte:


“Era difícil deixar de interrogar Théophile Gautier sobre os versos em questão e, justamente, tendo tido o prazer de encontrá-lo em casa da Sra. Binskz-Korsakoff, cedi à minha bem natural tentação.


“Eis sua resposta: Uma senhora que jamais fizera uma simples composição em sua vida enviou-me esses versos, que o Espírito Alfred de Musset ditou por seu intermédio.


“Tenho lido páginas atribuídas a Balzac e à Sra. de Girardin, canções atribuídas a Béranger, máximas atribuídas a Rochefoucauld que são verdadeiras aberrações.


“Antes de ler os versos de Alfred de Musset, cuja remessa me tinha sido anunciada, supus que seriam do mesmo jaez, mas, feita a leitura, tive de modificar a minha opinião.


“Posto de parte o autor do Spectacle dans un fauteuil, não conheço ninguém, absolutamente ninguém que seja capaz de escrever esses versos.


Confesso que a origem dessa poesia é um mistério que não posso decifrar.”


A crítica de Théophile Gautier, quando se refere aos mortos ilustres, aos quais se atribui às vezes uma linguagem ridícula nas comunicações, é perfeitamente justificável.


Sucede encontrarem-se, em certos grupos de investigadores pouco esclarecidos, médiuns que, com ufania, produzem elucubrações em versos de dezessete pés atribuídas a Victor Hugo, sem dúvida para agradar aos decadentes, obras literárias onde Bossuet estropia a língua francesa com um impudor notável, onde Lamennais, Chateaubriand, de Maistre falam como teria podido fazer um seu porteiro de outrora; comunicações de santos, e mesmo de Jesus e da Virgem Maria, que, com uma ênfase grotesca, prodigalizam conselhos morais de uma banalidade incoerente.


É preciso não se ficar admirado com essas anomalias, mas concluir que houve uma grosseira mistificação; ela, evidentemente, existe, mas não do lado dos médiuns, porque os Espíritos que ditam essas comunicações sabem a que pessoas se dirigem; são, portanto, estes os verdadeiros culpados. Mas o investigador imparcial não se deterá ante esses resultados, senão para constatar que os Espíritos são, com exceção do corpo, entes humanos, isto é, a sua esfera intelectual é tão elevada como a que tinham na Terra, pois o número dos mistificadores e dos imbecis não diminui na erraticidade.


Tornaremos a este assunto na parte terceira desta obra. Em seu livro Choses de l'Autre Monde, Eugène Nus fornece uma prova evidente da inteligência do fenômeno, porque ele e seus amigos pediram à mesa para formular suas definições em frases de doze palavras.


“Nossa tripeça não se embaraçava com tão pouca coisa, diz ele. Desafio todas as academias literárias a formularem rapidamente, instantaneamente, sem preparativo e sem reflexão alguma, definições circunscritas em doze palavras, tão completas e, muitas vezes, tão elegantes como as improvisadas pela nossa mesa, à qual, no máximo, concedíamos, e a muito custo, a faculdade de formar uma palavra composta por meio de um traço de união.”


Eis algumas dessas definições:


• Infinito – Abstração puramente ideal, acima e abaixo do que é concebido pelos sentidos.


• Física – Conhecimento das forças materiais que produzem a vida e o organismo dos mundos.


• Química – Estudo das diversas propriedades da matéria no estado simples e composto.


• Matemática – Propriedade das forças e dos números imanentes das leis da ordem universal.


• Harmonia – Equilíbrio perfeito do todo com as partes e das partes entre si.


• Teologia – Dissertação dos dogmas fundamentais nos quais repousa a concepção duma religião humana.


• Força divina – Força universal que liga os mundos e abraça todas as outras forças.


• Coração – Espontaneidade do sentimento nos nossos atos, nas idéias e em sua expressão


• Espírito – Suntuosidade do pensamento. Galanteria harmoniosa das relações, das comparações e das analogias.


• Imaginação – Fonte dos desejos, idealização do real por um justo sentimento do belo.


Limitamos aí, com bastante pesar nosso, essas citações, porque queremos falar de uma produção nova e curiosa da mesa; ela ditou música. Eis como foi conseguida:


“Uma pancada significava dó, duas ré, três mi, quatro fá, e assim por diante.


“Ordinariamente, a tripeça começava por dizer-nos de quantas notas se compunha a melodia, quase sempre trinta e duas – seu número favorito para a frase musical –, assim como de doze para a frase falada.


“Preenchida essa formalidade, ela ditava consecutivamente as notas, que escrevíamos em cifras; depois, dividia os compassos, designando, uma após outra, a quantidade de notas que cada compasso devia conter; feito isto, dava-nos o valor da semibreve, da colcheia e, sucessivamente, o valor de cada nota que indicava, marcando o compasso com o pé da tripeça sobre o soalho.


“Vinha, em seguida, a indicação dos acidentes, dos sustenidos, dos bemóis, em tal ou tal nota do compasso; depois, o tom; e, enfim, o título do trecho; porém, quanto a este, o Espírito tinha o cuidado de não o revelar senão depois de tudo completo.


“Findo o ditado, Bureau executava a melodia em um órgão que tínhamos alugado para esse fim.


“A tripeça, sobre a qual as nossas mãos se mantinham colocadas, indicava o movimento, batendo o compasso e retificando os erros, quando eles existiam; em seguida, o nosso amigo metia o trecho em um bolso e compunha o acompanhamento, que submetia, em seguida, à aprovação da tripeça, sempre animada, bem entendido, pelo fluido das nossas mãos.


“Terminada a audição, se a inteligência estava satisfeita com o trabalho do seu cooperador, manifestava sua aprovação dando várias pancadas no soalho; se não estava, erguia a tripeça e a deixava imóvel: sinal habitual para indicar um erro; então, Bureau recomeçava e a tripeça assinalava, levantando-se, os acordes que lhe desagradavam. Quando era o acompanhamento inteiro que a inteligência rejeitava, ela deixava executá-lo ainda uma vez até ao fim, sem dar nenhum sinal, e levantava-se em seguida. Compreendia-se, então, que tal trecho devia ser recomeçado, e obtinha-se a música.”


Os leitores encontrarão as melodias, assim obtidas, no livro já citado.


Às vezes, os Espíritos escrevem eles mesmos a música, em lugar de ditá-la.


Eis o que conta Crookes de suas experiências a esse respeito, em companhia do célebre médium Home:


“Entre os notáveis fenômenos que se produzem sob a influência de Home, os mais frisantes e os que melhor se prestam ao exame científico são: 1º- a alteração do peso dos corpos; 2º- a execução de árias por instrumentos de música (geralmente pelo acordeom, devido à sua facilidade de transporte), sem intervenção direta do homem e em condições que tornam impossível todo contacto ou manejo das chaves.


“Somente depois de eu ter sido freqüentes vezes testemunha desses fatos e de tê-los investigado com toda a profundeza e rigor foi que me convenci da sua realidade.”


O Sr. Crookes construiu uma gaiola, cuja altura foi calculada de forma a poder ser introduzida debaixo da mesa do refeitório.


O acordeom foi comprado pelo sábio químico e Home não o viu nem o tocou antes da experiência. Continuemos a nossa citação:


“Os investigadores presentes, na ocasião dessa experiência, eram: um eminente físico, altamente colocado na Sociedade Real de Londres, a quem eu chamarei Dr. A. B., um doutor em direito, meu conhecido, a quem chamarei C. D.,32 meu irmão e o meu ajudante.


“O Sr. Home sentou-se ao lado da mesa, numa cadeira; defronte dele, por baixo da mesa, estava a gaiola acima mencionada; suas pernas achavam-se uma de cada lado da mesma gaiola. Sentei-me perto dele, à sua esquerda; um observador foi também colocado à sua direita; o resto dos assistentes sentou-se distante da mesa, como lhes convinha...


“Com a minha mão, tirei a gaiola de sob a mesa, justamente o bastante para permitir que aí se introduzisse o acordeom com suas teclas viradas para baixo. Em seguida, empurrou-se a gaiola para baixo da mesa, tanto quanto permitiu o braço do Sr. Home, mas sem ocultar sua mão àqueles que estavam perto de si.


“Dentro em pouco, quem estava de seu lado viu o acordeom balançar-se de um modo curioso; em seguida, sons foram emitidos e, enfim, produziram-se, sucessivamente, diversas notas.


“Enquanto isso se passava, meu ajudante introduziu-se debaixo da mesa e disse-nos que o acordeom abria-se e fechava; verificou-se, ao mesmo tempo, que a mão do Sr. Home, que sustinha o acordeom, estava completamente invisível, e que a outra repousava sobre a mesa.


“O Sr. Home tinha ainda o instrumento na gaiola acima descrita. Seus pés estavam seguros pelos que se assentavam perto dele; sua outra mão repousava na mesa e ouvimos notas distintas e separadas soar sucessivamente, sendo, em seguida, executada uma simples ária. Como tal resultado não poderia ser produzido senão pelas diferentes teclas do instrumento, postas em ação de um modo harmonioso, todos os que estavam presentes consideraram a experiência como decisiva.”


Vamos expor agora uma fase ainda desconhecida do fenômeno.


Incorporação ou encarnação


A mediunidade, pela pena, abrevia e simplifica as comunicações com os Espíritos; porém, há outro modo ainda mais expedito, por meio do qual o Espírito se apodera dos órgãos do médium e conversa por sua boca, como o poderia fazer se ele próprio estivesse encarnado. Os ingleses e norte-americanos dizem que, nesse caso, o médium está em transe.


Essas manifestações são as mais fáceis de dissimular; mas, nesse caso ainda, só convém admitir o fenômeno como real quando o médium dá provas certas de que um ser desencarnado se manifesta por seu intermédio. Essas provas podem ser de diferentes naturezas; vamos referir três exemplos dessa mediunidade e ver-se-á, por essas narrações, como elas trazem um irresistível cunho de evidência.


Eis o que conta o Sr. Sergent Cox, jurisconsulto eminente, escritor distintíssimo, bom juiz, diz Wallace, em matéria de estilo:


Um caixeiro


“Vi um caixeiro, sem educação, sustentar, quando estava em transe, conversação com uma plêiade de filósofos sobre a razão e a presciência, a vontade e a fatalidade, e fazer-lhes frente com vantagem.


“Propus-lhe as mais difíceis questões de psicologia e recebi respostas sempre sensatas, sempre cheias de energia e, invariavelmente, em linguagem escolhida e elegante. Entretanto, um quarto de hora depois, quando ele ficou em seu estado normal, era incapaz de responder às mais simples questões sobre assunto filosófico, e sempre costumava procurar muito para encontrar uma linguagem suficiente a fim de explicar as idéias mais vulgares.”


Nessa experiência, a desproporção entre o estado normal e o transe é tão manifesta que, incontestavelmente, há uma ação estranha agindo sobre o sensitivo. Eis um segundo exemplo em que a ação dos Espíritos é ainda mais bem apreciada e absolutamente inegável.


Wallace, referindo-se aos trabalhos do juiz Edmonds sobre o Espiritismo, escreveu:


A filha do juiz Edmonds


“Temos ainda a acrescentar um relatório que será, talvez, para muitas pessoas a prova mais convincente de todas as experiências desse magistrado. Sua própria filha tornou-se médium e pôs-se a falar línguas estrangeiras que lhe eram totalmente desconhecidas. Ele exprime-se do seguinte modo sobre o assunto:


“Ela não dominava outro idioma além do seu, salvo ligeiro conhecimento de francês, aprendido na escola. Não obstante isso, tem conversado freqüentemente em nove ou dez línguas diferentes, muitas vezes durante uma hora, com a segurança e a facilidade de uma pessoa falando sua própria língua. Não é raro que estrangeiros se entretenham, por seu intermédio, com seus amigos espirituais e em seu próprio idioma. Cumpre-nos dizer como se passou tal fato em uma dessas circunstâncias.


“Uma noite, em que doze ou catorze pessoas se achavam em meu pequeno salão, o Sr. E.D. Green, artista desta cidade, foi introduzido em companhia de um cavalheiro que se apresentou como sendo Evan Gelides, natural da Grécia. Pouco depois, um Espírito falou-lhe em língua inglesa, por intermédio de Laura, e tantas coisas lhe disse que ele reconheceu estar por seu intermédio em relação com um amigo que falecera em sua casa, alguns anos antes, mas de quem ninguém tinha ouvido falar. Nessa ocasião, por intermédio de Laura, o Espírito disse algumas palavras e pronunciou diversas máximas gregas, até que, enfim, o Sr. E. perguntou se ele poderia ser compreendido quando falasse grego. O resto da conversação foi, durante mais de uma hora, da parte do Sr. E., inteiramente em língua grega; Laura também falava em grego e, algumas vezes, em inglês. Em certos momentos, Laura não compreendia a idéia sobre a qual ela ou o Sr. Gelides falavam; mas, em outras ocasiões, a compreendia, posto que falasse em grego e ela própria se servisse de termos gregos.


“Vários outros casos são conhecidos e está averiguado que essa jovem tem falado as línguas espanhola, francesa, grega, italiana, portuguesa, latina, húngara, hindu, assim como outras que eram desconhecidas de todas as pessoas presentes.


“Isto não é de forma alguma um caso isolado: apóia-se numa autoridade e em testemunho absolutamente irrecusável. Um pai deve saber ou não se a sua própria filha aprendeu a falar corretamente oito idiomas além da sua língua natal.


“Os que tomaram parte na conversação devem saber se as línguas de que se trata eram faladas ou não; em muitos casos, por exemplo, quando se conversava nos dialetos espanhóis ou indianos, o juiz Edmonds reconhecia-os. O fenômeno produzido faz parte do Espiritismo, porque essas línguas eram faladas em nome e por conta de pessoas falecidas e porque estava no caráter delas o assunto de que se tratava. Esse fenômeno, que há dezesseis anos foi dado à publicidade, deveria merecer uma discussão ou uma explicação por parte daqueles que fazem profissão de esclarecer o público sobre os assuntos espíritas.”


Anestesia durante o transe


Eis uma observação médica do Dr. Gibier 33 a respeito do célebre médium Slade:


“Tínhamos de operar Slade com o fim de extirpar-lhe um cisto sebáceo do couro cabeludo. Por ser ele muito sensível à dor e, além disso, de uma pusilanimidade excessiva, não podíamos recorrer ao bisturi para operá-lo. Lançamos mão de cáusticos cujo princípio básico era o óxido de potássio. A aplicação do medicamento foi, desde o começo, muito dolorosa para Slade e, depois de alguns minutos, o seu sofrimento pareceu-nos intolerável; o paciente suava excessivamente; todos os seus membros agitavam-se com estremecimento. Sugerimos-lhe a idéia de chamar Ovasso, 34 o qual não se fez esperar, caindo logo Slade em estado de êxtase, de transe, e, com a voz modificada, entreteve-se alegremente conosco e com o Sr. A. F., que assistia à operação em meu gabinete de trabalho. A dor tinha de tornar-se cada vez mais intensa, pois a potassa mordia as camadas sensíveis do derma, mas Slade não parecia ocupar-se com isso, como se fosse um outro o paciente. No começo da operação, dava o seu pulso oitenta e cinco pulsações por minuto; três minutos depois, tinha esse número baixado a sessenta; a pele, que pouco antes era quente, resfriara quase subitamente, e Slade-Ovasso ria-se e conversava conosco.


“Beliscamos-lhe com força a parte dorsal da mão, e o paciente, que se sobressalta ao menor contacto, tão grande é a sua hiperestesia no estado normal, nem deu mostras, nesse momento, de aperceber-se da pequena tortura que lhe infligíamos.


“Ao cabo de um quarto de hora, tiramos o cáustico; Slade teve uma nova convulsão e tornou ao seu estado normal depois de nos ter apertado a mão e dito, como quem se despede, good-bye. A dor então reapareceu, mas muito suportável, e Slade queixou-se de sofrer principalmente na parte em que o tínhamos beliscado.


“É forçoso confessar que tudo isso é bastante estranho. Objetarão que tudo foi uma simulação? Mas, como explicar as modificações da temperatura e das pulsações do coração? Isso não pode ser simulado.


“Ainda uma nova observação sobre esse ponto: Dissemos acima que Slade tinha tido dois ataques de hemiplegia, da qual ainda não está curado. Fizemos, sem comunicar-lhe o nosso intento, o exame comparado de sua força no dinamômetro. Depois de havermos verificado que, em suas mãos, o dinamômetro marcava 27 quilos à direita e 35 à esquerda, aproveitamo-nos de um acesso de transe, que se seguiu, em conseqüência dos esforços que ele tinha feito, apertando o instrumento, e verificamos, de uma vez, que o dinamômetro marcava à direita 55 em vez de 27 quilos, e à esquerda 60 em vez de 35, e, em outra ocasião, à direita 63 e à esquerda 50.


“Nenhuma das três pessoas presentes pôde fazer chegar à mesma indicação a agulha do dinamoscópio.”


Como é fácil de verificar, a encarnação ou incorporação é um fenômeno que não se pode simular, se os investigadores souberem tomar as precauções necessárias.


Nos casos supramencionados, a intervenção dos Espíritos é absolutamente manifesta.


As objeções


Depois de havermos mostrado que os Espíritos dão, muitas vezes, ensinamentos ignorados por qualquer dos assistentes, mas, em seguida, reconhecidos como escrupulosamente exatos, o leitor talvez julgue que nada se pode objetar a esse fenômeno. Pois bem! Apareceram incrédulos que tentaram demonstrar que a escrita automática era perfeitamente explicável; porém, esqueceram-se de citar os casos embaraçosos; passaram por eles em silêncio e triunfaram facilmente, declarando que também podem obter a escrita automática por meio de indivíduos hipnotizados.


Além disso, os nossos críticos abstêm-se de sair desse terreno tão estreito, circunscrito à escrita automática; tudo o mais deixa para eles de existir.


Ouçamos o que diz o Sr. Binet:


“Quanto às mesas que giram, há muito já está demonstrado que isso se opera somente sob o impulso das mãos!!!”


As mais exatas experiências têm justamente demonstrado o contrário e, para prova disso, convidamos o Sr. Binet a ler o relatório da Comissão da Sociedade Dialética e das experiências supracitadas. Entretanto, não podemos acusar de má-fé o autor, porque ele está convencido do fato da escrita automática e da sinceridade dos médiuns:


“Por muito tempo se acreditou que esses movimentos deviam simplesmente ser atribuídos ao embuste e, realmente, há casos em que nada seria mais fácil que uma simulação. Fazendo ligeira pressão sobre uma mesa, o pé desta poderá levantar-se e, assim, um médium escreverá perfeitamente, afirmando que não sabe o que fez. Devemos, porém, abandonar essa grosseira explicação, porque há um número considerável de pessoas dignas de fé que afirmam ter sido os autores do fenômeno, ter posto a mão sobre as mesas que giravam, ter segurado as penas que escreviam, sem que a sua própria vontade para isso influísse.”


Retenhamos a sua seguinte declaração:


“Eis aí provas bastantes para uma doutrina que, como o Espiritismo, está revolucionando o mundo inteiro e fazendo milhares de crentes. Os que pedem provas materiais de fenômenos que não compreendem correm o risco de ignorar o que todo o mundo sabe e de sustentar opiniões contrárias à verdade mais evidente.”


Na opinião do Sr. Binet, qual é, então, a causa dessa escrita singular? A desagregação mental. Mas, que é essa desagregação? Eis o que ele diz a esse respeito:


“O estudo acurado dos fenômenos indica que a escrita automática procede de um pensamento diverso do pensamento consciente do médium. Tem ele, em certos momentos, dois pensamentos que se ignoram um ao outro e que não se comunicam senão pelos movimen-tos automáticos da escrita; ou, melhor, há duas personalidades coexistentes, pois o pensamento que dirige a escrita automática não é isolado e sem nexo; ele tem caráter próprio e mesmo um nome, que é o do Espírito cuja presença foi invocada.”


Não disputaremos com o Sr. Binet acerca da segunda personalidade coexistente com a primeira, apesar de sua realidade não estar demonstrada nos médiuns. Diremos simplesmente que essa segunda personalidade, se existe, é formada de uma certa parte do fundo psíquico do médium ou, por outra, que essa segunda personalidade não pode ter conhecimentos diversos ou superiores aos do médium; mas, então, como pôde, no caso Wheatcroft, já citado, o marido da Sra. N... ver o capitão que acabava de ser morto na Índia, naquela mesma tarde, ferido no peito? Onde foi essa segunda personalidade colher tal conhecimento?


Foi também essa segunda personalidade quem descobriu a palavra oculta sob o dedo de William Crookes? Se assim é, como pôde ler essa palavra?


A explicação do Sr. Binet seria aceitável se o médium só citasse fatos por ele conhecidos; ora, é o contrário que diariamente acontece; por conseqüência, a hipótese de uma dupla personalidade, agindo independentemente da primeira, podendo existir em certos histéricos, é manifestamente incapaz de explicar os fatos espíritas.


Um outro observador, o Sr. Pierre Janet, professor de filosofia e doutor em letras, quis também ocupar-se conosco e tentou estudar o fenômeno experimentalmente, por um método seu.


Esquecemos de dizer que o Sr. Binet, do mesmo modo que o Sr. Janet, estabeleceu um paralelo entre os médiuns e os histéricos. Segundo eles, não é raro ver-se médiuns caírem em crise durante as sessões, como o fazem os indivíduos histéricos quando submetidos às práticas hipnóticas. Tínhamos curiosidade de ver esses senhores apresentarem tais provas, porque, nos quinze anos de nossas experiências, nunca conseguimos verificar esse caso. Talvez esses observadores chamem crises às incorporações, mas, então, observaremos que estes são fenômenos totalmente diversos e que os médiuns mecânicos não são ordinariamente médiuns de incorporação ou vice-versa.


Suponhamos, por momentos, que um médium esteja em estado de êxtase; esse médium está geralmente bem de saúde: anda durante todo o dia, trata das suas ocupações; em uma palavra, nada denota nele uma enfermidade qualquer; não será forçar a analogia, além dos limites permitidos, compará-lo a um enfermo sobre o qual no hospital operam os hipnotizadores?


Outra afirmação para causar surpresa é aquela que afirma serem os sonâmbulos geralmente bons médiuns e vice-versa; aqui também faltam as provas. Mas, supondo-se mesmo todos esses pontos bem comprovados, esses cientistas não conseguirão explicar por que um médium escreve sobre assuntos que não conhece. 35


As experiências do Sr. Janet


Esse psicologista recorda um estudo do Sr. Camille Chaigneau, publicado na Revue Spirite (1879), sobre a Sra. Hugo d'Alezy. Eis um ligeiro resumo dessa narrativa:


A Sra. d'Alezy é médium escrevente mecânica, e por sua pena manifestam-se diferentes personalidades que se fazem conhecer com os nomes de Filipe, Gustavo, Eliane, etc. Essas personagens são reconhecidas não só por suas assinaturas, como também por conservarem sempre seus estilos particulares. Apenas a médium adormece magneticamente, as mesmas personalidades manifestam-se e, então, pode-se conversar com Filipe, Gustavo, Eliane, etc., conservando cada manifestante o seu caráter, seja quando escreve, seja quando conversa.


Para nós, aí está uma prova evidente da comunicação dos Espíritos; o Sr. Janet, porém, não vê nisso senão puro fenômeno de sugestão, complicado com uma lembrança inconsciente ao despertar.


Para justificar a sua teoria, ele recorda que o Sr. Richet descreveu também as mudanças de personalidades ou objetivação dos tipos.36 Disseram a uma mulher adormecida: “Sois um general.” Imediatamente ela toma uma atitude marcial, dá ordens, passa em revista, etc.


Disseram-lhe, depois, que ela era um sacerdote. Instantaneamente seu rosto se transformou; ela tomou uma atitude concentrada e melíflua, falando mansamente, dando bons conselhos, sorrindo beatamente, etc. Do mesmo modo sucedeu com outras sugestões.


O Sr. Janet crê que as personagens Filipe, Gustavo, Eliane, etc. são sugestões e, como em alguns dos seus sensitivos verificou durante a vigília a persistência do simples sonambulismo, pretende então, e isso conduz-nos ao caso do Sr. Binet, que, quando a Sra. d'Alezy escreve automaticamente, é simplesmente uma das personalidades produzidas durante o sonambulismo que persiste, inconsciente, durante o estado normal, e que se manifesta pela escrita automática. A fim de bem demonstrar que assim é, o Sr. Janet imagina a seguinte experiência:


“Enquanto Lúcia se acha no estado sonambúlico, sugiro-lhe o pensamento de que ela não é mais ela própria, porém, sim, um rapaz de sete anos, chamado José. Sem desfazer a alucinação, desperto-a bruscamente, e ei-la sem se lembrar de coisa alguma, parecendo achar-se em seu estado normal; algum tempo depois, entrego-lhe um lápis e procuro distraí-la falando-lhe de outras coisas. Sua mão escreve lenta e penosamente, sem que ela se aperceba disso, e, quando lhe tomei o papel, nele li a seguinte carta: “Caro avô, hoje, no dia de Ano-Bom, desejo que gozes de perfeita saúde e te prometo ter muito juízo. Teu neto, José.” Não estávamos no dia de Ano-Bom, e não sei por que ela escreveu isso (talvez porque, em seu pensamento, uma carta de um menino de sete anos despertava-lhe a idéia das festas do Ano-Bom); não é, porém, manifesto que a alucinação se conservou na segunda personalidade?


“Em outro dia, fi-la cair novamente em sonambulismo, com o fim de observar transformações de caráter e de aproveitar-me da sua erudição literária. Transformei-a na Agnès, de Molière, e fiz com que ela representasse o papel da ingênua; pedi-lhe, então, que escrevesse uma carta sobre um assunto por mim indicado; mas, antes que começasse, despertei-a. A carta foi por ela escrita inconscientemente depois de acordada, manifestando o mesmo caráter e sendo assinada com o nome de Agnès. Ainda um exemplo: Transformei-a, desta vez, em Napoleão, e em seguida, despertei-a: a mão escreveu depois, automaticamente, uma ordem a um general qualquer para dispor as tropas para uma grande batalha e assinou, com grandes rabiscos, Napoleão. Pergunto ainda: que diferença existe entre a história da Sra. Hugo d'Alezy e a de Lúcia? Até que me provem o contrário, estou disposto a crer que os dois fenômenos são absolutamente idênticos e que, por conseqüência, devem ser explicados do mesmo modo pela desagregação da percepção pessoal e pela formação de várias personalidades que ora se sucedem e ora se desenvolvem simultaneamente.”


Para responder à interrogação do Sr. Janet, diremos:


A vossa experiência em nada se assemelha à experiência espírita supracitada; eis por quê:


1º – A escrita automática de Lúcia dá-se logo depois do seu despertar, quando se acha ainda sob o império da sugestão que lhe impusestes, porém, ela, em tal estado, nunca tem espontaneamente a escrita automática de José, Agnès ou Napoleão. O fenômeno é simplesmente devido ao cumprimento da vossa vontade, manifestada durante o estado de semi-sonambulismo que sucede ao do sono. Na Sra. Hugo d'Alezy, ao contrário, as comunicações são obtidas com longos intervalos, sem sugestão de espécie alguma por parte de seres humanos e sem prévio sono.


2º – Para que a vossa experiência possa comparar-se a um fenômeno espírita, é preciso que o vosso sensitivo, por si mesmo, sem qualquer intervenção estranha, escreva automaticamente as comunicações e que cada uma das personalidades, assim manifestadas, conserve o seu estilo, de modo a distinguir-se bastante dos outros.


3º – Talvez digais que o fenômeno espírita é devido a uma auto-sugestão. Este caso não é idêntico ao de Lúcia, pois seria preciso mostrar como é que o médium, apesar de conversar com os assistentes e de gozar de todas as suas faculdades, está sonambulizado; mas, mesmo nessa hipótese, não se compreende como o fenômeno pode operar-se, porque, se a segunda personalidade conhece a pessoa normal, a recíproca não é verdadeira. Não existe ponto de contacto entre uma e outra. Como se operará então essa auto-sugestão?


4º – Finalmente, a suposição de estar o médium em fase sonambúlica qualquer não explica de modo algum as conversações em língua estrangeira ou as comunicações obtidas em um idioma totalmente desconhecido do médium.


É preciso estar-se evidentemente sob o domínio de idéias preconcebidas, para igualar uma escrita automática, feita por uma pessoa histérica sugestionada, a uma comunicação obtida por um médium, pois os espíritas não reconhecem o caráter mediúnico senão nas pessoas que, escrevendo, revelam coisas que lhes são desconhecidas. É o critério por excelência, e tanto é assim que o Sr. Janet não poderá dizer que ele fez o seu sensitivo escrever ou falar em uma língua por este ignorada; enquanto não nos mostrar que o hipnotismo desenvolve nele faculdades novas, temos o direito de recusar completamente as suas experiências, como explicação da mediunidade.


Outro sábio, o Sr. Myers, um dos fundadores da Society for Psychical Research, estudou também a escrita mecânica. Resulta de seus trabalhos, publicados nos Proceedings, sob os títulos: Multiplex personnality e Automatic Writing, que esse gênero de escrita procede de uma ação do hemisfério direito do cérebro. “A escrita automática parece – diz ele – uma ação obscura do hemisfério menos utilizado; no caso de Luís V, é a alternância do hemisfério direito e do esquerdo que produz as variações motrizes e sensoriais.”


Não nos demoraremos na refutação dessa teoria, porque, do mesmo modo que as outras, não explica todos os fatos; o fato de ser o hemisfério direito ou esquerdo o agente nessa experiência nada nos adianta sobre a natureza das personalidades que revelam fatos desconhecidos e que falam línguas estranhas.


Os sábios, que não observaram senão ínfima parte dos fenômenos espíritas, são verdadeiramente extravagantes em suas críticas; figurasse-lhes que seus colegas não tiveram provavelmente as mesmas dúvidas, não recorreram a todas as causas possíveis antes de chega-rem à crença nos Espíritos. Foi, entretanto, o que se deu, notavelmente com Varley, com Oxon, Hare e o juiz Edmonds. Eis uma citação deste último sobre o assunto:


“Uma questão levantava-se ainda. Tudo isso (trata-se dos ditados e fenômenos inteligentes da mesa) não poderá ser o produto de uma operação misteriosa, um simples efeito do reflexo da inteligência de alguma das pessoas presentes? A resposta a isso pode ser colhida em grande número de fatos, a princípio desconhecidos, porém que, mais tarde, foram reconhecidos como verdadeiros, tais como o seguinte:


“Quando, no último inverno, parti para a América Central, os meus amigos da cidade receberam muitas vezes informações espirituais sobre as localidades em que eu me achava, assim como sobre o estado da minha saúde; e, quando voltei, comparando-as com as minhas notas de viagem, reconheci que aquelas eram invariavelmente verdadeiras. Do mesmo modo, vi pensamentos expressos sobre assuntos que não me ocupavam então o espírito e completamente diferentes das minhas idéias. Isso sucedeu muitas vezes comigo e com outros, como que para estabelecer plenamente o fato da não interferência dos nossos pensamentos nas comunicações.”


Desta observação imparcial podemos concluir que certos sábios apenas estudaram superficialmente os fenômenos espíritas, e que a prova da existência da alma depois da morte ressalta do exame aprofundado dos fatos. Esta conclusão vai-se acentuando à medida que nos aprofundamos no assunto espírita, como vamos verificar.


A mediunidade vidente


Em todas as manifestações até aqui registradas por nós, os Espíritos merecem sempre o qualificativo de invisíveis. Sua ação foi indiretamente constatada, mas não se pôde ainda vê-los. Eis agora fatos provando que, em certos casos, pode-se diretamente verificar a sua existência pelo testemunho dos sentidos.


A Society for Psychical Research reuniu considerável número de documentos a respeito das aparições. Os espíritas possuem também grande porção desses testemunhos, mas, para dar maior valor à nossa demonstração, citaremos alguns fatos colhidos, tanto nos Proceedings da Sociedade acima mencionada, como no livro Phantasms of the Living, nos quais a ação dos Espíritos é manifesta.


Os Srs. Myers, Gurney e Podmore, que publicaram essa obra, abrangendo a narração de 700 casos, dão a essas visões o nome de Alucinações Telepáticas ou verídicas. Sem quererem saber se essas aparições são reais, objetivas ou internas, subjetivas e produzidas por uma ação espiritual ainda desconhecida, operada sem a intervenção dos sentidos, eles estabelecem a realidade dos fatos com um rigor verdadeiramente científico. Pela leitura dessas narrativas, fica-se convencido de que esses sábios verificaram tudo quanto era possível para estabelecer a autenticidade desses fenômenos.


Citemos um exemplo dessas curiosas manifestações. 37


O Sr. M. F. G. D. Boston, residente, neste momento, em São Luís, achava-se em seu gabinete de trabalho, quando viu o fantasma de sua única irmã, falecida nove anos antes. Era meio-dia e, enquanto ele escrevia, ela conservou-se junto de si, com tal aparência de vida que ele acreditou ser realmente sua irmã e chamou-a por seu nome.


M. F. G. D. Boston pôde examinar-lhe todos os detalhes do vestuário e do porte e notar, particularmente, um traço ou arranhadura, de um vermelho vivo, no lado direito do rosto.


Essa visão impressionou-o tanto que ele tomou o primeiro trem para ir ver seus pais e contar-lhes o que havia visto. Seu pai buscou ridicularizar essa crença no sobrenatural; mas, ao ouvir falar na arranhadura, sua mãe ia quase desmaiando, e disse-lhe, vertendo lágrimas: “Fui eu quem, depois da sua morte, por um descuido, fiz essa arranhadura no rosto da minha querida filha, arranhadura essa que eu cuidadosamente ocultei com pó, não comunicando tal fato a pessoa alguma, de modo que ninguém podia sabê-lo.”


Pedimos aos contraditores das manifestações dos Espíritos que nos expliquem essa aparição. Temos curiosidade de saber que papel desempenhou o hemisfério direito na formação da segunda personalidade.


Poderíamos ainda citar vários casos; mas os leitores poderão recorrer à tradução francesa dos Phantasms of the Living, publicada sob o título: Les Hallucinations Télépathiques.


A mediunidade auditiva


Vamos agora observar que os Espíritos não se limitam às aparições e a escrever por intermédio dos médiuns; muitas vezes conversam e fazem-se ouvir distintamente. Eis um caso, tirado também dos Phantasms of the Living, onde todos os atestados que o certificam estão expostos profusamente:


Um jovem Vigário de Yorkshire, de dezenove anos de idade, achava-se em Inver-caxde, na Nova Zelândia. No navio que para aí o levou, ele encontrara um rapaz, a quem conhecia como marinheiro, e então ajustou para ir com este e alguns outros fazer uma excursão à ilha de Ruapuke, demorando-se nela um ou dois dias a fim de pescar e caçar. Todos deviam seguir às quatro horas da manhã seguinte, de modo a poderem transpor os recifes com o auxílio da maré; e os marinheiros prometeram vir a tempo chamar o Vigário, que se recolheu cedo ao leito, com a firme intenção de fazer a viagem.


Ao subir a escada, o Vigário acreditou ouvir uma voz que lhe dizia: “Não partais com esses homens.” Ninguém ali se achava; contudo, ele perguntou: “Por quê?” A voz, que parecia vir do interior do quarto, respondeu-lhe com firmeza: “Não deveis ir”, palavras que ainda lhe foram repetidas depois de uma segunda pergunta: “Então – perguntou –, como poderei esquivar-me, quando me vierem buscar?” Distintamente, e ainda com mais força, a voz respondeu: “Fecha a porta a chave.” Chegando ao seu quarto, descobriu que a porta tinha uma forte fechadura, que não se recordava de haver visto anteriormente; ainda que resolvido a fazer a sua excursão (era seu hábito entregar-se ao acaso), sentiu-se abalado com o pressentimento de um perigo misterioso, e, depois de muitas hesitações, fechou a porta com a chave e foi deitar-se.


No dia seguinte, às três horas, a porta foi violentamente abala-da a pontapés; apesar de estar acordado, ele não disse palavra e, afinal, sentiu que os marinheiros retiraram-se enraivecidos e praguejando. Às nove horas da manhã, levantando-se para almoçar, o hoteleiro perguntou ao Vigário se sabia o que acabava de suceder; contou-lhe que o barco que partira para Ruapuke tinha soçobrado de encontro aos recifes, afogando-se todos os passageiros; alguns dos cadáveres foram lançados à praia no mesmo dia e os outros nos dois dias seguintes. O narrador termina assim: “Se eu tivesse ido com eles, desprezando o aviso que recebera, sem dúvida alguma teria perecido com os meus companheiros de caça e pesca.”


Não se acredite que isso seja um exemplo isolado: poderíamos citar muitos outros igualmente notáveis, mas os estreitos limites desta obra forçam-nos a dizer aos leitores que recorram ao Phantasms of the Living, ao Proceedings da Society for Psychical Research e às obras espíritas, que os apresentam em grande número. 38


A escrita direta ou psicografia


Se os espíritas tivessem o poder de inventar demonstrações para uso dos incrédulos, naturalmente não teriam imaginado provas tão concludentes como as que os próprios Espíritos forneceram. Vejamos, com efeito, como se responde imediatamente à crítica por fatos que derrocam as teorias laboriosamente arquitetadas pelos sábios.


Aos movimentos nascentes e inconscientes a mesa opõe a levitação sem contacto. A teoria da transmissão do pensamento fica aniquilada pela revelação de fatos a princípio desconhecidos de todos os assistentes, porém cuja realidade se verifica em seguida. À segunda personalidade dos histéricos contrapõem-se fenômenos em língua estrangeira. Entretanto, vamos observar uma variante da escrita automática, mas desta vez feita diretamente pelos Espíritos. Essa ausência de intervenção humana atira para muito longe, ao campo das hipóteses improváveis, as teorias do hemisfério direito e da multiplex personnality do Sr. Myers, assim como as das personalidades histéricas elaboradas pelos doutos Srs. Janet e Binet.


Já o dissemos, o Barão de Guldenstubbé foi o primeiro que obteve, na França, a escrita direta. Eis como ele relata o fato: 39


“Em um belo dia (1 de agosto de 1856), veio-lhe o pensamento de experimentar se os Espíritos podiam escrever diretamente, sem o auxílio de um médium. Conhecendo a escrita direta misteriosa do Decálogo, segundo Moisés, a escrita igualmente direta e misteriosa na sala do festim do Rei Baltasar, segundo Daniel, e tendo também ouvido falar dos mistérios modernos de Straford, na América, onde se acharam certos caracteres ilegíveis e estranhos traçados num pedaço de papel e que não pareciam provir dos médiuns; o autor quis certificar-se da realidade de um fenômeno cujo alcance seria imenso, se fosse verdadeiro.


“Colocou, portanto, uma folha de papel em branco e um lápis aparado dentro de uma caixinha fechada a chave, guardando sempre essa chave consigo e a ninguém dando parte da sua experiência. Durante doze dias esperou inutilmente, sem observar o menor traço de lápis no papel; mas, a 13 de agosto de 1856, o seu espanto foi grande quando notou certos caracteres misteriosos no papel; apenas sucedeu tal fato, ele repetiu por dez vezes a experiência no mesmo dia, para sempre memorável, colocando, no fim de cada meia hora, uma nova folha de papel em branco na caixinha. A experiência foi coroada de êxito completo.


“No dia imediato, 14 de agosto, fez de novo umas vinte experiências, deixando a caixinha aberta e não a perdendo de vista; viu, então, que caracteres e palavras na língua estônia formavam-se ou eram gravados no papel, sem que o lápis se movesse. Desde então, vendo a inutilidade do lápis, cessou de pô-lo sobre o papel e, colocando simplesmente uma folha de papel dentro de uma gaveta, em sua casa, obteve também comunicações.” 40


O Barão de Guldenstubbé repetiu a experiência em presença do Conde d’Ourches e este obteve uma comunicação de sua mãe, cuja assinatura e letra foram reconhecidas como autênticas, quando comparadas com as dos autógrafos que o Conde possuía.


Esses primeiros ensaios foram seguidos de muitos outros e o autor adquiriu a certeza de não ser ele quem escrevia em estado sonambúlico, como julgou a princípio.


Wallace


Na Inglaterra, Wallace constatou a escrita direta, em casa da Sra. Marshall, médium. 41


“Tendo sido a mesa previamente examinada, uma folha de papel de carta foi, em segredo, marcada por mim e colocada com um lápis de chumbo sob o pé central do móvel, conservando todos os assistentes as suas mãos sobre a mesa. Passados alguns minutos, ouviram-se alguns ruídos e, retirado o papel, achei nele traçada, com leves caracteres, a palavra William. Em outra ocasião, um amigo provinciano, totalmente estranho ao médium e cujo nome não tinha sido mencionado, acompanhava-me; quando se recebeu o que foi dado como uma comunicação de seu filho, um papel foi colocado embaixo da mesa e, depois de poucos minutos, nele achamos escrito Charley T. Dood, exatamente o seu nome. Em tal caso, é certo que não havia maquinismo algum sob o móvel e só nos resta perguntar se era possível que a Sra. Marshall tirasse as suas botinas, segurasse o papel e o lápis com os dedos do pé, escrevesse um nome que lhe era preciso adivinhar e recalcasse as botinas, sem afastar as mãos de cima da mesa e sem dar indício do trabalho que executava, operando desse modo.”


Oxon

O Sr. Oxon estudou por muito tempo essas manifestações. Leiamos o seu testemunho:


“Há cinco anos que estou familiarizado com o fenômeno da psicografia. Observei-o em grande número de casos, seja com psiquistas conhecidos do público, seja com senhoras ou cavalheiros que possuíam o dom de produzi-lo.


“No curso das minhas observações, vi psicografias obtidas dentro de caixas fechadas – escrita direta –, num papel escrupulosamente marcado e colocado embaixo da mesa, na sombra, num papel seguro debaixo do meu cotovelo ou coberto pela minha mão, num papel encerrado em um invólucro lacrado e sobre lousas presas umas às outras.”


O eminente professor da Faculdade de Oxford confirma a observação do Barão de Guldenstubbé, no que se refere ao emprego do lápis, que não é sempre utilizado pelos Espíritos.


“Achava-me na casa de um amigo íntimo, com mais três pessoas. O papel, cuidadosamente marcado com as minhas iniciais, foi posto no chão com um lápis preto comum. Um de nós, sentindo o lápis junto de seus sapatos, assentou o pé sobre ele e assim o conservou preso até ao fim da sessão Entretanto, a escrita apareceu no papel e procuramos saber como isso se fizera, certos de que o lápis não fora utilizado. O papel continha os sinais e não havia sido afastado do lugar. Repetimos a experiência na mesma semana, e secretamente concebi um meio de esclarecer a coisa. Levei um lápis verde brilhante e, sem que os outros o vissem, coloquei-o em substituição ao lápis preto, conservando meu pé sobre ele durante todo o tempo. Quando examinamos o papel, vimos que a escrita, composta de ligeiras garatujas, era de uma cor verde. O lápis tinha, pois, sido utilizado de um modo para mim desconhecido. Creio que esse caso é freqüente e que as escritas são produzidas por alguma outra substância que não seja a do lápis.”


Zöllner


Eis duas observações de Zöllner sobre o mesmo assunto:


“Na tarde seguinte (sexta-feira, 16 de novembro de 1877), coloquei uma mesa de jogo e quatro cadeiras em uma sala onde Slade ainda não havia entrado. Depois que Fechner, o professor Braune, Slade (o médium) e eu colocamos nossas mãos entrelaçadas sobre a mesa, ouviram-se pancadas no móvel. Eu tinha comprado uma lousa, que marcamos: um fragmento de lápis foi sobre ela colocado, e Slade pôs a lousa parcialmente sob a beira da mesa; minha faca foi subitamente projetada à altura de um pé e depois caiu sobre a mesa... Repetindo-se a experiência, verificamos que o fragmento de lápis, cuja posição havia sido assinalada, estava no mesmo lugar. A lousa dupla, depois de bem limpa e munida internamente de um pedaço de lápis, foi, então, por Slade sustentada sobre a cabeça do professor Braune. Ouviu-se o ruído do lápis e, quando se abriu a lousa, nela foram encontradas diversas linhas de escrita.”


Vimos que, em casa de Zöllner, um forte biombo de madeira foi despedaçado pelos Espíritos. O ilustre astrônomo perguntou a Slade o que isso significava: “Slade respondeu que esse fenômeno às vezes se dava em sua presença. Enquanto este falava, conservando-se de pé, colocou um pedaço de lápis na superfície polida da mesa; cobriu-o com uma lousa e, quando Slade a virou, aí se puderam ler as seguintes palavras em inglês: “Não era nossa intenção causar-vos prejuízo; perdoai-nos o que sucedeu.” A produção da escrita, nessas condições, fez-se enquanto as duas mãos de Slade estavam imóveis.”


O Dr. Gibier


O estudo da escrita direta foi recomeçado na França por um sábio, o Dr. Gibier, 42e aí encontramos o mesmo médium Slade servindo de intermediário dos Espíritos. Eis o testemunho do Dr. Gibier:


“Vimos, por mais de cem vezes, caracteres, desenhos, linhas e mesmo frases inteiras produzirem-se, por meio de leve contacto de mãos, em lousas que Slade segura-va, e mesmo entre duas lousas com as quais ele não tinha contacto algum, e que tínhamos comprado em uma papelaria de Paris e marcado com a nossa assinatura.


“Em todas as nossas experiências de escrita, examinamos atentamente as lousas antes da operação e, na maioria dos casos, estas eram de nossa propriedade. Quando a escrita se produzia numa única lousa, era, geralmente, sob a superfície da mesa, junto à qual nos achávamos; não perdíamos de vista nem a lousa nem os dedos de Slade, e nós mesmos éramos, muitas vezes, que sobre ela colocáva-mos o lápis; nunca, porém, conseguimos ver este mover-se. Víamos a lousa ondular ligeiramente, como que sob a pressão do escrevente invisível, mas, desde que olhávamos para o espaço que a separava da parte inferior da mesa, o lápis caía sobre a lousa e o ruído da escrita cessava; logo, porém, que a lousa era aplicada contra a mesa, ouvía-mos de novo o ranger do lápis traçando a escrita.”


Citemos um dos fatos observados por esse doutor:


“Esta experiência efetuou-se em minha casa, na sala de jantar, onde Slade entrava pela primeira vez, a 27 de maio de 1886, às vinte e uma horas. Achavam-se ao todo presentes cinco pessoas, sendo duas da minha família, um amigo, Slade e eu.


“Tomando uma das minhas lousas, bem limpa de um e outro lado, perguntei a Slade se ele poderia obter uma palavra que eu escrevesse sem conhecimento seu. À vista de sua resposta afirmativa, escrevi na minha lousa, evitando completamente a vista de Slade, e este, sem olhar para ela, colocou-a sob o beiral da mesa, de modo a deixar que, em parte, ela fosse visível, vendo nós, portanto, toda a mão direita de Slade, enquanto a esquerda estava juntamente com as nossas sobre a mesa. Dez segundos não se tinham ainda passado, e a lousa me foi restituída com estas palavras: Louis is not here (Luís não está aqui). No lado oposto eu tinha escrito a palavra Luís.”


Na América


O que o Dr. Gibier não viu, isto é, o lápis escrever por si só, o professor Elliott Coues verificou com grande admiração: 43


“Há pouco tempo ainda, disse ele, ser-me-ia difícil acreditar que eu pudesse ser o autor de tal história. Entretanto, eu não poderia ser infiel às minhas convicções sem destruir a minha integridade intelectual, e não posso calar-me diante de tais fatos, sem dar motivo a que me acusem de covardia moral.”


Esse professor conta que, achando-se na cidade de São Francisco, em outubro de 1891, foi, em companhia de sua mulher, na sexta-feira, 6 de outubro, à casa de um médium, a Sra. Mena Francis.


“Logo que ela despachou um visitante que nos tinha precedido, fez-nos entrar em um quarto dos fundos, exposto à claridade, onde o sol entrava abundantemente por uma única janela, junto à qual nos assentamos. A Sra. Francis tomou uma cadeira baixa e confortável; minha mulher assentou-se em frente dela, e eu perto, entre as duas damas, à direita da médium; diante de nós achava-se uma pequena mesa de jogo com uma coberta ordinária, de pano. Sobre essa mesa, estavam duas lousas delgadas, sem moldura, com 4 polegadas de comprimento e 6 de largura, um copo com água e uma esponja para limpar a lousa. A Sra. Francis convidou-nos a examinar à vontade a mesa e seus acessórios. Nós o fizemos, e vimos que as coisas achavam-se como acabo de dizer. Tomou uma das lousas, pôs sobre ela um pedaço de lápis, de cerca de um terço de polegada de comprimento, e fê-la docemente passar para baixo da mesa, fora da nossa vista, agarrando-a por um canto com a mão, como o faria qualquer pessoa que segurasse uma lousa ou outro objeto semelhante. A outra mão da médium achava-se sobre a mesa. Balançou-se um pouco na sua cadeira, enquanto os nossos olhos nela se fixavam, e perguntou com voz calma: – “Os queridos Espíritos quererão escrever?”


“Estas palavras impressionaram desagradavelmente a minha consciência científica, porque, se havia coisa em que eu não acreditasse era realmente nos Espíritos. Entretanto, não dei isso a perceber, e bem depressa ouvimos um ruído debaixo da mesa, semelhante ao de um lápis que escrevia.


“Era, com efeito, o que se estava passando; e podem julgar do meu assombro, quando a Sra. Francis, como o ruído continuasse, retirou lentamente a lousa de debaixo da mesa e, então, ali, a descoberto, em plena vista, pude ver distintamente o lápis escrever por si só e acabar a última ou as duas últimas palavras de uma comunicação em muitas linhas, cobrindo quase toda a lousa. Minha mulher não viu isso, exatamente porque a mesa lhe interceptava a vista. É porém verdadeira a descrição que faço. Para abreviar a minha narrativa, direi que o mesmo fato repetiu-se, pelo menos durante uma hora. Muitas vezes, as frases foram escritas por esse meio, e tanto eu quanto minha mulher observamos que algumas eram produzidas sem ninguém tocar no lápis. Muitas vezes a Sra. Francis fez variar a experiência, conservando a lousa erguida no ar, acima da mesa, coberta por um lenço ou por um livro aberto, a fim de abrigá-la dos raios do sol, porém a escrita e o ruído produziam-se do mesmo modo.


“Posso garantir que as palavras não eram escritas ao acaso, pois formavam respostas claras e inteligentes às diversas perguntas que se formularam, constituindo, de certo modo, uma conversação ininterrupta e racional. Essas respostas referiam-se também, em parte, a pessoas, lugares e coisas acerca das quais, francamente falando, a Sra. Francis achava-se numa ignorância completa. Além disso, essas respostas eram dadas como séries de comunicações vindas de Espíritos de pessoas vivas ou mortas; elas vinham, realmente, e a Sra. Francis assim o acreditava. Entre essas personagens, a Sr. Coues e eu verificamos que algumas eram nossas conhecidas, quando vivas, etc.”


Como se vê, os fatos verificam-se uns pelos outros; sucedem-se por toda parte e, apesar das observações mais minuciosas, não podem ser explorados nem pelo embuste nem pela trapaça.


Observações


Até hoje, e veremos que sempre assim foi, as inteligências que se manifestam dizem ser as almas daqueles que viveram na Terra. Seja por meio da mesa, seja pela escrita, pela incorporação ou pela psicografia, a inteligência que se manifesta diz, invariavelmente, que foi um habitante do nosso mundo. Por que, pois, certos homens se obstinam em contestar essa afirmação?


Supondo-se que os espíritas estejam em erro atribuindo essas manifestações aos Espíritos, não será digno de nota que esse fenômeno se realize na América, na Inglaterra, na Alemanha, na França ou na Itália, que se apresente por toda parte como tendo a mesma causa, quaisquer que sejam os médiuns e os evocadores?


Donde procederá essa unanimidade, se os Espíritos não existem? Geralmente, admite-se que efeitos semelhantes tenham causas semelhantes; por conseqüência, julgamos estar com a verdade atribuindo os fenômenos àqueles que se dizem seus autores, e isso é melhor que formularmos hipóteses, apoiando-nos sobre fatos não demonstrados e que nem mesmo têm o mérito de explicar todos os casos.


Vimos o Conde d'Ourches obter, pela escrita direta, uma comunicação de sua mãe; o talhe era semelhante aos autógrafos deixados pela Condessa. Que objeção apresentarão a esse fato? Que dirão, para darem uma explicação plausível, quando virem a escrita produzir-se sem o concurso do lápis? Sempre, e por toda parte, a inteligência manifesta-se com caracteres que não podem ser postos em dúvida! Quantos investigadores cuja consciência científica, de início desagradavelmente impressionada por um apelo feito aos Espíritos, são depois abalados e transformados quando esses Espíritos lhes dão testemunhos da sua presença! Prossigamos, pois, na nossa exposição, tratando de fenômenos ainda mais ostensivos, mais evidentes e tão afirmados e verificados como os precedentes, pois estamos certos de que, se a crença nos Espíritos não se produzir com esses fatos, nunca será possível estabelecer-se a convicção com o testemunho de outrem.


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