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Parte Primeira



Histórico


Capítulo I


A Antigüidade


– O Espiritismo é tão velho quanto o mundo

– Provas tiradas dos Vedas

– A iniciação antiga

– Fenômenos de evocação entre os egípcios e entre os hebreus

– Na Grécia: as pitonisas

– As mesas giratórias entre os romanos

– As feiticeiras da Idade Média

– Perpetuidade da tradição através dos séculos.



As crenças na imortalidade da alma e nas comunicações entre os vivos e os mortos eram gerais entre os povos da Antigüidade.


Mas, ao contrário do que acontece hoje, as práticas pelas quais se conseguia entrar em relação com as almas desencarnadas eram o apanágio exclusivo dos padres, que tinham cuidadosamente monopolizado essas cerimônias, não só para fazerem delas uma renda lucrativa e manterem o povo em absoluta ignorância quanto ao verdadeiro estado da alma depois da morte, como também para revestirem, a seus olhos, um caráter sagrado, pois que só eles podiam revelar os segredos da morte.


Encontramos nos mais antigos arquivos religiosos a prova do que avançamos.


Os anais de todas as nações mostram que, desde épocas remotíssimas da História, a evocação dos Espíritos era praticada por certos homens que tinham feito disso uma especialidade.


O mais antigo código religioso que se conhece, os Vedas, aparecido milhares de anos antes de Jesus-Cristo, afirma a existência dos Espíritos. Eis como o grande legislador Manu se exprime a respeito: “Os Espíritos dos antepassados, no estado invisível, acompanham certos brâmanes, convidados para as cerimônias em comemoração dos mortos, sob uma forma aérea; seguem-nos e tomam lugar ao seu lado quando eles se assentam.” 1


Um outro autor hindu declara: “Muito tempo antes de se despojarem do envoltório mortal, as almas que só praticaram o bem como as que habitam o corpo dos sannyassis e dos vanaprastha (anacoretas e cenobitas) adquirem a faculdade de conversar com as almas que as precederam no Swarga; é sinal que, para essas almas, a série de suas transmigrações sobre a Terra terminou.”2


Desde tempos imemoriais, os padres iniciados nos mistérios preparam indivíduos chamados faquires para a evocação dos Espíritos e para a obtenção dos mais notáveis fenômenos do magnetismo. Louis Jacolliot, em sua obra Le Spiritisme dans le monde, expõe amplamente a teoria dos hindus sobre os Pitris, isto é, Espíritos que vivem no Espaço depois da morte do corpo. Resulta das investigações desse autor que o segredo da evocação era reservado àqueles que pudessem ter quarenta anos de noviciado e obediência passiva.


A iniciação comportava três graus: No primeiro, eram formados todos os brâmanes do culto vulgar e os ecônomos dos pagodes encarregados de explorar a credulidade da multidão.


Ensinava-se-lhes a comentar os três primeiros livros dos Vedas, a dirigir as cerimônias e a cumprir os sacrifícios; os brâmanes do primeiro grau estavam em comunicação constante com o povo: eram seus diretores imediatos. O segundo grau era composto dos exorcistas, adivinhos, profetas evocadores de Espíritos que, em certos momentos difíceis, eram encarregados de atuar sobre a imaginação das massas, por meio de fenômenos sobrenaturais.


Eles liam e comentavam o Atharva-Veda, repositório de conjurações mágicas.


No terceiro grau, os brâmanes não tinham mais relações diretas com a multidão; o estudo de todas as forças físicas e naturais do Universo era a sua única ocupação e, quando se manifestavam exteriormente, faziam-no sempre por meio de fenômenos aterrorizadores, e de longe.


Desde tempos imemoriais, o povo da China entrega-se à evocação dos Espíritos dos avoengos. O missionário Huc refere grande número de experiências, cujo fim era a comunicação dos vivos com os mortos, sendo que, em nossos dias, essas práticas estão ainda em uso em todas as classes da sociedade. Com o tempo e em conseqüência das guerras que forçaram parte da população hindu a emigrar, o segredo das evocações espalhou-se em toda a Ásia, encontrando-se ainda entre os egípcios e entre os hebreus a tradição que veio da Índia.


Todos os historiadores estão de acordo em atribuir aos padres do antigo Egito poderes que pareciam sobrenaturais e misteriosos. Os magos dos faraós realizavam esses prodígios que são referidos na Bíblia; mas, deixando de parte o que pode haver de legendário nessas narrações, é bem certo que eles evocavam os mortos, pois Moisés, seu discípulo, proibiu formalmente que os hebreus se entregassem a essas práticas: “Que entre nós ninguém use de sortilégio e de encantamentos, nem interrogue os mortos para saber a verdade.” 3


A despeito dessa proibição, vemos Saul ir consultar a pitonisa de Endor e, por seu intermédio, comunicar-se com a sombra de Samuel. É o que em nossos dias denomina-se materialização. Veremos, mais adiante, como se podem obter essas manifestações superiores.


Apesar da proibição de Moisés, houve sempre investigadores que foram tentados por essas evocações misteriosas; instituíam uma doutrina secreta a que chamavam Cabala, mas cercando-se de precauções e fazendo o adepto jurar inviolável segredo para o vulgo. “Qualquer pessoa que – diz o Tamuld –, sendo instruída nesse segredo (a evocação dos mortos), o guarda com vigilância em um coração puro pode contar com o amor de Deus e o favor dos homens; seu nome inspira respeito, sua ciência não teme o olvido, e torna-se ele herdeiro de dois mundos: aquele em que vivemos agora e o mundo futuro.”


Na Grécia, a crença nas evocações era geral. Todos os templos possuíam mulheres chamadas pitonisas, encarregadas de proferir oráculos, evocando os deuses; mas, às vezes, o consultante queria, ele próprio, ver e falar à sombra desejada e, como na Judéia, conseguia-se pô-lo em comunicação com o ser ao qual desejava interrogar.


Homero, na Odisséia, descreve, minuciosamente, por meio de que cerimônias Ulisses pôde conversar com a sombra do divino Tirésias. Este caso não é isolado; tais práticas eram freqüentemente empregadas por aqueles que desejavam entrar em relação com as almas dos parentes ou amigos que tinham perdido. Apolônio de Tiana, sábio filósofo pitagórico e taumaturgo de grande poder, possuía vastos conhecimentos referentes às ciências ocultas; em sua vida há abundância de fatos extraordinários; ele acreditava firmemente nos Espíritos e em suas comunicações com os encarnados. As sibilas romanas, evocando os mortos, interrogando os Espíritos, são continuamente consultadas pelos generais, e nenhuma empresa importante foi decidida sem se receber previamente aviso dessas sacerdotisas.


Na Itália sucede o mesmo que na Índia, no Egito e entre os hebreus. O privilégio de evocar os Espíritos, primitivamente reservado aos membros da classe sacerdotal, espalhou-se pouco a pouco entre o povo e, se crermos em Tertuliano, o Espiritismo era exercido entre os antigos pelos mesmos meios que, hoje, entre nós.


“Se é dado – diz ele – aos magos fazer aparecer fantasmas, evocar as almas dos mortos, poder forçar a boca das crianças a proferir oráculos; se eles realizam grande número de milagres, se explicam sonhos, se têm às suas ordens Espíritos mensageiros e demônios, em virtude dos quais as mesas que profetizam são um fato vulgar, com que redobrado zelo esses Espíritos poderosos não se esforçarão por fazer em próprio proveito o que eles fazem em serviço de outrem?”4


Em apoio das afirmações de Tertuliano, pode-se citar uma passagem de Amiano Marcelino sobre Patrício e Hilário, levados perante o tribunal romano por crime de magia, acusação esta de que eles se defenderam referindo “que tinham fabricado, com pedaços de loureiro, uma mesinha (mensulam) sobre a qual colocaram uma bacia circular feita de vários metais, tendo um alfabeto gravado nas bordas. Em seguida, um homem vestido de linho, depois de ter recitado uma fórmula e feito uma evocação ao deus da profecia, tinha suspendido por cima da bacia um anel preso a um fio de linho muito fino e consagrado por meios misteriosos. O anel, saltando sucessivamente, mas sem confusão, sobre várias letras gravadas, e parando sobre cada uma, formava versos perfeitamente regulares, em resposta às questões propostas”.


Hilário acrescentou:


“Um dia, ele tinha perguntado quem sucederia ao imperador atual, e o anel, designando as letras, deu a sílaba: Theo. Nada mais inquiriram, persuadidos de que se tratava da palavra Theodoro.”


Os fatos, diz Amiano Marcelino, desmentiram os magos, mais tarde, porém não a predição, porque esta foi Theodósio. A interdição de evocar os mortos, que vemos estabelecida por Moisés, foi geral na antigüidade.


O poder teocrático e o poder civil estavam muito intimamente ligados para que esta prescrição fosse severamente observada. Não convinha que as almas dos mortos viessem contradizer o ensinamento oficial dos padres e lançar a perturbação entre os homens, fazendo-os conhecer a verdade.


A Igreja Católica, mais do que qualquer outra, tinha necessidade de combater essas práticas, para si detestáveis, e, portanto, durante a Idade Média, milhares de vítimas foram queimadas sem piedade, sob o nome de feiticeiros e mágicos, por terem evocado os Espíritos. Que sombria época essa em que os Bondin, os Delancre, os Del-Rio assanhavam-se sobre as carnes palpitantes das vítimas para aí encontrarem o vestígio do diabo! Quantos miseráveis alucinados pereceram no meio das torturas, cuja narração causa arrepios de horror e desgosto, e isto para maior glória de um Deus de amor e de misericórdia!


A heróica e casta figura de Joana d'Arc, a grande lorena, mostra como as comunicações com os Espíritos podem dar resultados tão grandiosos quão inesperados. A história dessa pastora expulsando o estrangeiro de seu país, guiada pelas potências espirituais, pareceria maravilhosa ficção, se a História não a tivesse recolhido sob seu pálio inatacável.


Apesar de todas as perseguições, a tradição conservou-se; é possível segui-la na História com os nomes de Paracelso, Cornelius Agripa, Swedenborg, Jacob Bœhm, Martinez Pascalis, Conde de Saint-Germain, Saint-Martin, etc. Às vezes, as manifestações eram públicas e atingiam desenvolvimento extraordinário. Não é sem terror que se lêem as narrações relativas aos possessos de Loudun, os fatos estranhos atribuídos aos convulsionários de Cevenas e aos visionários do cemitério de Saint-Médard, mas essa demonstração levar-nos-ia muito longe.


É suficiente termos demonstrado que, em todos os tempos, a evocação dos mortos foi praticada universalmente e que todos esses fenômenos, na realidade, são tão velhos quanto o mundo.


Chegamos agora, por conseguinte, ao estudo do movimento espírita contemporâneo e vamos mostrar a importância considerável que ele conquistou em nossa época.



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