Capítulo 10: A Vida Imortal


 


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O estudo do Universo conduz-nos ao estudo da alma, à investigação do princípio que nos anima e dirige-nos os atos.


Já o dissemos: a inteligência não pode provir da matéria. A Fisiologia ensina-nos que as diferentes partes do corpo humano renovam-se em um lapso de tempo que não vai além de alguns meses. Sob a ação de duas grandes correntes vitais, produz-se em nós uma troca perpétua de moléculas. Aquelas que desaparecem do organismo são substituídas, uma a uma, por outras, provenientes da alimentação. Desde as substâncias moles do cérebro até as partes mais duras da estrutura óssea, tudo em nosso ser físico está submetido a continuas mutações. O corpo dissolve-se e, numerosas vezes durante a vida, reforma-se. Entretanto, apesar dessas transformações constantes, através das modificações do corpo material, ficamos sempre a mesma pessoa. A matéria do cérebro pode renovar-se, mas o pensamento é sempre idêntico a si mesmo e com ele subsiste a memória, a recordação de um passado de que não participou o corpo atual. Há, pois, em nós um princípio distinto da matéria, uma força indivisível que persiste e se mantém entre essas perpétuas substituições.


Sabemos que, por si mesma, não pode a matéria organizar-se e produzir a vida. Desprovida de unidade, ela desagrega-se e divide-se ao infinito. Em nós, ao contrário, todas as faculdades, todas as potências intelectuais e morais grupam-se em uma unidade central que as abraça, liga e esclarece, e esta unidade é a consciência, a personalidade, o Eu, ou, por outra, a Alma.


A alma é o princípio da vida, a causa da sensação; é a força invisível, indissolúvel que rege o nosso organismo e mantém o acordo entre todas as partes do nosso ser.(lxxix) Nada de comum têm as faculdades da alma com a matéria. A inteligência, a razão, o discernimento, a vontade, não poderiam ser confundidos com o sangue das nossas veias ou com a carne do nosso corpo. O mesmo sucede com a consciência, esse privilégio que temos para medir os nossos atos, para discernir o bem do mal. Essa linguagem íntima, que se dirige a todo homem, ao mais humilde ou ao mais elevado, essa voz cujos murmúrios podem perturbar o estrondo das maiores glórias nada tem de material.


Correntes contrárias agitam-se em nós. Os apetites, os desejos ardentes chocam-se de encontro à razão e ao sentimento do dever. Ora, se mais não fôssemos do que matéria, não conheceríamos essas lutas, esses combates; e entregar-nos-íamos, sem mágoa, sem remorsos, às nossas tendências naturais. Mas, ao contrário, a nossa vontade está em conflito freqüente com os nossos instintos. Por meio dela podemos escapar às influências da matéria, domá-la, transformá-la em instrumento dócil. Não se têm visto homens nascidos nas mais precárias condições vencerem todos os obstáculos, a pobreza, as enfermidades, os defeitos e chegarem à primeira classe por seus esforços enérgicos e perseverantes? Não se vê a superioridade da alma sobre o corpo afirmar-se, de maneira ainda mais positiva, no espetáculo dos grandes sacrifícios e das dedicações históricas? Ninguém ignora como os mártires do dever, da verdade revelada prematuramente, como todos aqueles que, pelo bem da Humanidade, têm sido perseguidos, supliciados, levados ao patíbulo, puderam, no meio das torturas, às portas da morte, dominar a matéria e, em nome de uma grande causa, impor silêncio aos gritos da carne dilacerada!


Se mais não houvesse em nós que matéria, não veríamos, quando o corpo está mergulhado no sono, o Espírito continuar a viver e agir sem auxílio algum dos nossos cinco sentidos, e assim mostrar que uma atividade incessante é a condição própria da sua natureza. A lucidez magnética, a visão a distância sem o socorro dos olhos, a previsão de fatos, a penetração do pensamento são outras tantas provas evidentes da existência da alma.


Assim, pois, fraco ou poderoso, ignorante ou esclarecido, somos um Espírito; regemos este corpo que mais não é, sob nossa direção, do que um servidor, um simples instrumento. Esse Espírito que somos é livre e perfectível, por conseguinte, responsável. Pode, à vontade, melhorar-se, transformar-se e inclinar-se para o bem.


Confuso em uns, luminoso em outros, um ideal esclarece o caminho. Quanto mais elevado é esse ideal, tanto mais úteis e gloriosas são as obras que inspira. Feliz a alma que, em sua marcha, é sustentada por um nobre entusiasmo: amor da verdade e da Justiça, amor da pátria e da Humanidade! Sua ascensão será rápida, sua passagem por este mundo deixará traços profundos, sulcos de onde colherá uma messe bendita.


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Estabelecida a existência da alma, o problema da imortalidade impõe-se desde logo. É essa uma questão da maior importância, porque a imortalidade é a única sanção que se oferece à lei moral, a única concepção que satisfaz as nossas idéias de Justiça e responde às mais altas esperanças da Humanidade.


Se como entidade espiritual nos mantemos e persistimos através do perpétuo renovamento das moléculas e transformações do nosso corpo material, a desassociação e o desaparecimento final também não poderiam atingir-nos em nossa existência.


Vimos que coisa alguma se aniquila no Universo. Quando a Química nos ensina que nenhum átomo se perde, quando a Física nos demonstra que nenhuma força se dissipa, como acreditar que esta unidade prodigiosa em que se resumem todas as potências intelectuais, que este eu consciente, em que a vida se desprende das cadeias da fatalidade, possa dissolver-se e aniquilar-se? Não só a lógica e a moral, mas também os próprios fatos – como estabeleceremos adiante –, fatos de ordem sensível, simultaneamente fisiológicos e psíquicos, tudo concorre, mostrando a persistência do ser consciente depois da morte, para nos provar que além do túmulo a alma se encontra qual ela própria se fez por seus atos e trabalhos, no curso da existência terrestre.


Se a morte fosse a última palavra de todas as coisas, se os nossos destinos se limitassem a esta vida fugitiva, teríamos aspirações para um estado melhor, de que nada, na Terra, nada do que é matéria pode dar-nos a idéia? Teríamos essa sede de conhecer, de saber, que coisa alguma pode saciar? Se tudo cessasse no túmulo, por que essas necessidades, esses sonhos, essas tendências inexplicáveis? Esse grito poderoso do ser humano, que retumba através dos séculos, essas esperanças infinitas, esses impulsos irresistíveis para o progresso e para a luz mais não seriam, pois, que atributos de uma sombra passageira, de uma agregação de moléculas apenas formadas e logo esvaídas? Que será então a vida terrestre, tão curta que, mesmo em sua maior duração, não nos permite atingir os limites da Ciência; tão cheia de impotência, de amargor, de desilusão, que nela nada nos satisfaz inteiramente; onde, depois de acreditar termos conseguido o objeto de nossos desejos insaciáveis, nos deixamos arrastar para um alvo, sempre cada vez mais longínquo, mais inacessível? A persistência que temos em perseguir, apesar das decepções, um ideal que não é deste mundo, uma felicidade que nos foge sempre, é uma indicação firme de que há mais alguma coisa além da vida presente. A Natureza não poderia dar ao ser aspirações e esperanças irrealizáveis. As necessidades infinitas da alma reclamam forçosamente uma vida sem limites.


 


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