Capítulo 55: Questões Sociais


 


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As questões sociais preocupam vivamente a nossa época. Vê-se, não sem espanto, que os progressos da civilização, o aumento enorme dos agentes produtivos e da riqueza e o desenvolvimento da instrução não têm podido extinguir o pauperismo nem curar os males do maior número. Entretanto, os sentimentos generosos e humanitários não desapareceram. No coração dos povos aninham-se instintivas aspirações para a justiça e bem assim anseios vagos de uma vida melhor. Compreende-se geralmente que é necessária uma divisão mais eqüitativa dos bens da Terra. Daí mil teorias, mil sistemas diversos, tendentes a melhorar a situação das classes pobres, a assegurar a cada um os meios do estritamente necessário. Mas, a aplicação desses sistemas exige da parte de uns muita paciência e habilidade; da parte de outros, um espírito de abnegação que lhes é absolutamente essencial. Em vez dessa mútua benevolência que, aproximando os homens, lhes permitiria estudar em comum e resolver os mais graves problemas, é com violência e ameaças nos lábios que o proletário reclama seu lugar no banquete social; é com acrimônia que o rico se confina no seu egoísmo e recusa abandonar aos famintos as menores migalhas da sua fortuna. Assim, um abismo abre-se; as desavenças, as cobiças, os furores acumulam-se dia a dia.


O estado de guerra ou de paz armada que pesa sobre o mundo alimenta esses sentimentos hostis. Os governos e as nações dão funestos exemplos e assumem grandes responsabilidades, desenvolvendo instintos belicosos em detrimento das obras pacíficas e fecundas. A paixão pela guerra traz tantas ruínas morais quantos destroços materiais. Desperta, atiça as paixões brutais e inspira o desprezo pela vida. Após todas as grandes lutas que têm ensangüentado a Terra, pode-se observar um rebaixamento sensível do nível moral, um recuo para a barbaria. Como se poderiam reconciliar umas classes com outras, apaziguar as más paixões, resolver os problemas difíceis da vida comum, quando tudo nos convida à luta e quando as forças vivas das nações são canalizadas para a destruição? Essa política homicida é uma vergonha para a civilização e os povos devem, antes de tudo, esforçar-se para lhe pôr um termo, reclamando sonoramente o direito de viver na paz e no trabalho.


Entre os sistemas preconizados pelos socialistas, a fim de obterem uma organização prática do trabalho e uma criteriosa distribuição dos bens materiais, os mais conhecidos são a cooperação e a associação operária; alguns há que vão até ao comunismo. Mas, até à época presente, a aplicação parcial desses sistemas só tem produzido resultados insignificantes. É verdade que, para viverem associados, para participarem duma obra em que se unam e se fundam interesses numerosos, seriam precisas qualidades raras.


A causa do mal e o seu remédio estão, muitas vezes, onde não são procurados e por isso é em vão que muitos se têm esforçado por criar combinações engenhosas. Sistemas sucedem a sistemas, instituições dão lugar a instituições, mas o homem permanece desgraçado, porque se conserva mau. A causa do mal está em nós, em nossas paixões e em nossos erros. Eis o que se deve transformar. Para melhorar a sociedade é preciso melhorar o individuo; é necessário o conhecimento das leis superiores de progresso e de solidariedade, a revelação da nossa natureza e dos nossos destinos, e isso somente pode ser obtido pela filosofia dos Espíritos.


Talvez haja quem não admita essa idéia. Acreditar que o Espiritismo possa influenciar a vida dos povos e facilitar a solução dos problemas sociais é ainda muito incompreensível para as idéias da época. Mas, por pouco que se reflita, seremos forçados a reconhecer que as crenças têm uma influência considerável sobre a forma das sociedades.


Na Idade Média a sociedade era a imagem fiel das concepções católicas. A sociedade moderna, sob a inspiração do materialismo, vê apenas no Universo a concorrência vital, a luta dos seres, luta ardente, na qual todos os apetites estão em liberdade. Tende a fazer do mundo atual a máquina formidável e cega que tritura as existências e onde o indivíduo não passa de partícula ínfima e transitória, saída do nada para, em breve, a ele voltar.


Mas, quanta mudança nesse ponto de vista, logo que o novo ideal vem esclarecer-nos o ser e regular-nos a conduta! Convencido de que esta vida é um meio de depuração e de progresso, que não está isolada de outras existências, ricos ou pobres, todos ligarão menos importância aos interesses do presente. Em virtude de estar estabelecido que cada ser humano deve renascer muitas vezes sobre este mundo, passar por todas as condições sociais, sendo as existências obscuras e dolorosas então as mais numerosas e a riqueza mal empregada acarretando gravosas responsabilidades, todo homem compreenderá que, trabalhando em benefício da sorte dos humildes, dos pequenos e dos deserdados trabalhará para si próprio, pois lhe será preciso voltar à Terra e haverá nove probabilidades sobre dez de renascer pobre.


Graças a essa revelação, a fraternidade e a solidariedade impõem-se; os privilégios, os favores e os títulos perdem sua razão de ser. A nobreza dos atos e dos pensamentos substitui a dos pergaminhos.


Assim concebida, a questão social mudaria de aspecto; as concessões entre classes tornar-se-iam fáceis e veríamos cessar todo o antagonismo entre o capital e o trabalho. Conhecida a verdade, compreender-se-ia que os interesses de uns são os interesses de todos e que ninguém deve estar sob a pressão de outros. Daí a justiça distributiva, sob cuja ação não mais haveria ódios nem rivalidades selvagens, porém, sim, uma confiança mútua, a estima e a afeição recíprocas; em uma palavra, a realização da lei de fraternidade, que se tornará a única regra entre os homens. Tal é o remédio que o ensino dos Espíritos traz à sociedade. Se algumas parcelas da verdade, ocultas sob dogmas obscuros e incompreensíveis, puderam, outrora, suscitar tantas ações generosas, que não se deverá esperar de uma concepção do mundo e da vida apoiada em fatos, pela qual o homem se sente ligado a todos os seres, destinado, como eles, a elevar-se progressivamente para a perfeição, sob o impulso de leis sábias e profundas!


Esse ideal confortará as almas, conduzindo-as, pela fé, ao entusiasmo, e fará germinar por toda parte obras de devotamento, de solidariedade, de amor, que, contribuindo para a edificação de uma nova sociedade, sobrepujarão os atos mais sublimes da antiguidade.


A questão social não abrange somente as relações das classes entre si, abrange também a mulher de todas as ordens, a mulher, essa grande sacrificada, à qual seria eqüitativo restituir-se os direitos naturais, uma situação digna, para que a família se torne mais forte, mais moralizada e mais unida. A mulher é a alma do lar, é quem representa os elementos dóceis e pacíficos na Humanidade. Libertada do jugo da superstição, se ela pudesse fazer ouvir sua voz nos conselhos dos povos, se a sua influência pudesse fazer-se sentir, veríamos, em breve, desaparecer o flagelo da guerra.


A filosofia dos Espíritos, ensinando-nos que o corpo não passa de uma forma tomada por empréstimo, que o princípio da vida reside na alma e que a alma não tem sexo, estabelece a igualdade absoluta entre o homem e a mulher, sob o ponto de vista dos méritos. Os espíritas conferem à mulher uma grande parte nas suas reuniões e nos seus trabalhos. Nesse meio ela ocupa uma situação preponderante, porque é de entre elas que saem os melhores médiuns. A delicadeza do seu sistema nervoso torna-a mais apta a exercer essa missão.


Os Espíritos afirmam que, encarnando de preferência no sexo feminino, se elevam mais rapidamente de vidas em vidas para a perfeição, pois, como mulher, adquirem mais facilmente estas virtudes soberanas: a paciência, a doçura, a bondade. Se a razão parece predominar no homem, na mulher o coração é mais vasto e mais profundo.


A situação da mulher na sociedade é, geralmente, escurecida e, muitas vezes, escravizada; por isso, ela é mais elevada na vida espiritual, porque, quanto mais um ser é humilhado e sacrificado neste mundo, tanto maior mérito conquista perante a justiça eterna.


Esse argumento, contudo, não pode ser invocado por aqueles que pretendem manter em tutela a mulher. Seria absurdo tirar pretexto dos gozos futuros para perpetuar as iniqüidades sociais. Nosso dever é trabalhar na medida das nossas forças, para realizar na Terra os desígnios da Providência.


Ora, a educação e o engrandecimento da mulher, a extinção do pauperismo, da ignorância e da guerra, a fusão das classes na solidariedade, o aperfeiçoamento humano, todas essas reformas fazem parte do plano divino, que não é outra coisa senão a própria lei de progresso.


Entretanto, não percamos de vista uma coisa: a indefectível lei não pode conceder ao ente humano senão a felicidade individualmente merecida. A pobreza, sobre mundos como o nosso, não poderia desaparecer completamente, porque é condição necessária ao Espírito que deve purificar-se pelo trabalho e pelo sofrimento. A pobreza é a escola da paciência e da resignação, assim como a riqueza é a prova da caridade e da abnegação.


Nossas instituições podem mudar de forma; não nos libertarão, porém, dos males inerentes à nossa natureza atrasada. A felicidade dos homens não depende das mudanças políticas, das revoluções nem de nenhuma modificação exterior da sociedade. Enquanto esta estiver corrompida, as suas instituições igualmente o estarão, sejam quais forem as alterações operadas pelos acontecimentos. O único remédio consiste nessa transformação moral, cujos meios os ensinos superiores fornecem-nos. Que a Humanidade consagre a essa tarefa um pouco do ardor apaixonado que dispensa à política; que arranque do seu coração todo o germe do mal, e os grandes problemas sociais serão dentro em pouco resolvidos.


 


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