Capítulo 45: Orgulho, Riqueza e Pobreza


 


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De todos os males, o orgulho é o mais temível, pois deixa em sua passagem o germe de quase todos os vícios. É uma hidra monstruosa, sempre a procriar e cuja prole é bastante numerosa. Desde que penetra as almas, como se fossem praças conquistadas, ele de tudo se assenhoreia, instala-se à vontade e fortifica-se até se tornar inexpugnável.


Ai de quem se deixou apanhar pelo orgulho! Melhor fora ter deixado arrancar do próprio peito o coração do que deixá-lo insinuar-se. Não poderá libertar-se desse tirano senão a preço de terríveis lutas, depois de dolorosas provações e de muitas existências obscuras, depois de bastantes insultos e humilhações, porque nisso somente é que está o remédio eficaz para os males que o orgulho engendra.


Esse cancro é o maior flagelo da Humanidade. Dele procedem todos os transtornos da vida social, as rivalidades das classes e dos povos, as intrigas, o ódio, a guerra. Inspirador de loucas ambições, o orgulho tem coberto de sangue e ruínas este mundo e é, ainda, ele que origina os nossos padecimentos de além-túmulo, pois seus efeitos ultrapassam a morte e alcançam nossos destinos longínquos. O orgulho não nos desvia somente do amor de nossos semelhantes, pois também nos estorva todo aperfeiçoamento, engodando-nos com a superestima ao nosso valor ou cegando-nos sobre os nossos defeitos. Só o exame rigoroso de nossos atos e pensamentos pode induzir-nos a frutuosa reforma. E como se submeterá o orgulhoso a esse exame? De todos os homens ele é quem menos se conhece. Enfatuado e presumido, coisa alguma pode desenganá-lo, porque evita o quanto serviria para esclarecê-lo, aborrece-o a contradição e só se compraz no convívio dos aduladores.


Assim como o verme estraga um belo fruto, assim o orgulho corrompe as obras mais meritórias. Não raro as torna nocivas a quem as pratica, pois todo o bem realizado com ostentação e com secreto desejo de aplausos e lauréis depõe contra o próprio autor. Na vida espiritual, as intenções, as causas ocultas que nos inspiraram reaparecem como testemunhas; acabrunham o orgulhoso e fazem desaparecer-lhe os ilusórios méritos.


O orgulho encobre-nos toda a verdade. Para estudar frutuosamente o Universo e suas leis, é necessário, antes de tudo, a simplicidade, a sinceridade, a inteireza do coração e do espírito, virtudes estas desconhecidas ao orgulhoso. É-lhe insuportável que tantos entes e tantas coisas o tornem subalterno. Para si, nada existe além daquilo que está ao seu alcance; tampouco admite que seu saber e sua compreensão sejam limitados.


O homem simples, humilde em sentimentos, rico em qualidades morais, embora seja inferior em faculdades, apossar-se-á mais depressa da verdade do que o soberbo ou presunçoso da ciência terrestre que se revolta contra a lei que o rebaixa e derrui o seu prestígio.


O ensino dos Espíritos patenteia-nos a triste situação dos orgulhosos na vida de além-túmulo. Os humildes e pequenos deste mundo acham-se aí exaltados; os soberbos e os vaidosos aí são apoucados e humilhados. É que uns levaram consigo o que constitui a verdadeira supremacia: as virtudes, as qualidades adquiridas pelo sofrimento; ao passo que outros tiveram de largar, no momento da morte, todos os seus títulos, todos os bens de fortuna e seu vão saber, tudo o que neste mundo lhes formava a glória; e sua felicidade esvaiu-se como fumo. Chegam ao espaço pobres, esbulhados; e este súbito desnudamento, contrastando com o passado esplendor, desconsola-os e sobremodo os mortifica. Avistam, então, na luz, esses a quem haviam desprezado e pisoteado aqui na Terra. O mesmo terá de suceder nas reencarnações futuras. O orgulho e a voraz ambição não se podem abater e suprimir senão por meio de existências atribuladas, de trabalho e de renúncia, no decorrer das quais a alma orgulhosa reflete, reconhece a sua fraqueza e, pouco a pouco, vai-se permeando a melhores sentimentos.


Com um pouco de reflexão e sensatez evitaríamos esses males. Por que consentir que o orgulho nos invada e domine, quando apenas basta refletir sobre o pouco que somos? Será o corpo, os nossos adornos físicos que nos inspiram a vaidade? A beleza é de pouca duração; uma só enfermidade pode destruí-la. Dia a dia, o tempo tudo consome e, dentro em pouco, só ruínas restarão: o corpo tornar-se-á então algo repugnante. Será a nossa superioridade sobre a Natureza? Se o mais poderoso, o mais bem dotado de nós, for transportado pelos elementos desencadeados; se se achar insulado e exposto às cóleras do oceano; se estiver no meio dos furores do vento, das ondas ou dos fogos subterrâneos, toda a sua fraqueza então se patenteará!


Assim, todas as distinções sociais, os títulos e as vantagens da fortuna medem-se pelo seu justo valor. Todos são iguais diante do perigo, do sofrimento e da morte. Todos os homens, desde o mais altamente colocado até o mais miserável, são construídos da mesma argila. Revestidos de andrajos ou de suntuosos hábitos, os seus corpos são animados por Espíritos da mesma origem e todos reunir-se-ão na vida futura. Aí somente o valor moral é que os distingue. O que tiver sido grande na Terra pode tornar-se um dos últimos no espaço; o mendigo, talvez, aí, venha a revestir uma brilhante roupagem. Não desprezemos, pois, a ninguém. Não sejamos vaidosos com os favores e vantagens que fenecem, pois não podemos saber o que nos está reservado para o dia seguinte.


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Se Jesus prometeu aos humildes e aos pequenos a entrada nos reinos celestes, é porque a riqueza e o poder engendram, muitíssimas vezes, o orgulho; no entanto, uma vida laboriosa e obscura é o tônico mais eficaz para o progresso moral. No cumprimento dos deveres cotidianos o trabalhador é menos assediado pelas tentações, pelos desejos e ruins paixões; pode entregar-se à meditação, desvendar sua consciência; o homem mundano, ao contrário, fica absorvido pelas ocupações frívolas, pela especulação e pelo prazer.


Tantos e tão fortes são os vínculos com que a riqueza nos prende à Terra que a morte nem sempre consegue quebrá-los a fim de nos libertar. Daí as angústias que o rico sofre na vida futura. É, portanto, fácil de compreender que, efetivamente, nada nos pertence nesta Terra. Esses bens que tanto prezamos só aparentemente nos pertencem. Centenas, ou, por outra, milhares de homens antes de nós supuseram possuí-los; milhares de outros depois de nós acalentar-se-ão com essas mesmas ilusões, mas todos têm de abandoná-los cedo ou tarde. O próprio corpo humano é um empréstimo da Natureza e ela sabe perfeitamente no-lo retomar quando lhe convém. As únicas aquisições duráveis são as de ordem intelectual e moral.


Da paixão pelos bens materiais surgem quase sempre a inveja e o ciúme. Desde que esses males se implantem em nós, podemos considerar-nos sem repouso e sem paz. A vida torna-se um tormento perpétuo. Os felizes sucessos e a opulência alheia excitam ardentes cobiças no invejoso, inspiram-lhe a febre abrasadora da ganância. O seu alvo é suplantar os outros, é adquirir riquezas que nem mesmo sabe fruir. Haverá existência mais lastimável? Não será um suplício de todos os instantes o correr-se atrás de venturas quiméricas, o entregar-se a futilidades que geram o desespero quando se esvaem?


Entretanto, a riqueza por si só não é um grande mal; torna-se boa ou ruim, conforme a utilidade que lhe damos. O necessário é que não inspire nem orgulho nem insensibilidade moral. É preciso que sejamos senhores da fortuna e não seus escravos, e que mostremos que lhe somos superiores, desinteressados e generosos. Em tais condições, essa provação tão arriscada torna-se fácil de suportar. Assim, ela não entibia os caracteres, não desperta essa sensualidade quase inseparável do bem-estar.


A prosperidade é perigosa por causa das tentações, da fascinação que exerce sobre os espíritos. Entretanto, pode tornar-se origem de um grande bem, quando regulada com critério e moderação.


Com a riqueza podemos contribuir para o progresso intelectual da Humanidade, para a melhoria das sociedades, criando instituições de beneficência ou escolas, fazendo que os deserdados participem das descobertas da Ciência e das revelações do belo em todas as suas formas. Mas a riqueza deve também assistir aqueles que lutam contra as necessidades, que imploram trabalho e socorro.


Consagrar esses recursos à satisfação exclusiva da vaidade e dos sentidos é perder uma existência, é criar para si mesmo penosos obstáculos.


O rico deverá prestar contas do depósito que lhe foi confiado para o bem de todos. Quando a lei inexorável e o grito da consciência se erguerem contra ele, nesse novo mundo, onde o ouro não tem mais influência, o que responderá à acusação de haver desviado, em seu único proveito, aquilo com que devia apaziguar a fome e os sofrimentos alheios? Inevitavelmente, ficará envergonhado e confuso.


Quando um Espírito não se julga suficientemente prevenido contra as seduções da riqueza, deverá afastar-se dessa prova perigosa, dar preferência a uma vida simples, que o isole das vertigens da fortuna e da grandeza. Se, apesar de tudo, a sorte do destino designá-lo a ocupar uma posição elevada neste mundo, ele não deverá regozijar-se, pois, desde então, são muito maiores as suas responsabilidades e os seus compromissos. Mas também não deve lastimar-se, no caso de ser colocado entre as classes inferiores da sociedade. A tarefa dos humildes é a mais meritória; são estes os que suportam todo o peso da civilização; é do seu trabalho que a Humanidade vive e se alimenta. O pobre deve ser sagrado para todos, porque foi nessa condição que Jesus quis nascer e morrer. Da pobreza também saíram Epicteto, Francisco de Assis, Miguel Angelo, Vicente de Paulo e tantos outros grandes Espíritos que viveram neste mundo. Eles sabiam que o trabalho, as privações e o sofrimento desenvolvem as forças viris da alma e que a prosperidade aniquila-as. Pelo desprendimento das coisas humanas, uns acharam a santificação, outros encontraram a potência que caracteriza o Gênio.


A pobreza ensina a nos compadecermos dos males alheios e, fazendo-nos melhor compreendê-los, une-nos a todos os que sofrem; dá valor a mil coisas indiferentes aos que são felizes. Quem desconhece tais princípios, fica sempre ignorando um dos lados mais sensíveis da vida.


Não invejemos os ricos, cujo aparente esplendor oculta muitas misérias morais. Não esqueçamos que sob o cilício da pobreza ocultam-se as virtudes mais sublimes, a abnegação, o espírito de sacrifício. Não esqueçamos jamais que é pelo trabalho, pelo sofrimento e pela imolação contínua dos pequenos que as sociedades vivem, protegem-se e renovam-se.


 


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