Capítulo 32: A Vontade e os Fluidos


 


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Os ensinos que dos Espíritos recebemos a respeito de suas condições depois da morte fazem-nos melhor compreender as regras segundo as quais se transforma e progride o perispírito ou corpo fluídico.


Assim, como já em outra parte indicamos, (xcv) a mesma força que leva o ser, em sua evolução através dos séculos, a criar, para as suas necessidades e tendências, os órgãos precisos ao seu desenvolvimento, por uma ação análoga e paralela, também o incita a aperfeiçoar suas faculdades, a criar para si novos meios de manifestar-se, apropriados a seu estado fluídico, intelectual e moral.


O invólucro fluídico do ser depura-se, ilumina-se ou obscurece-se, segundo a natureza elevada ou grosseira dos pensamentos em si refletidos. Qualquer ato, qualquer pensamento repercute e grava-se no perispírito. Daí as conseqüências inevitáveis para a situação da própria alma, embora esta seja sempre senhora de modificar o seu estado pela ação contínua que exerce sobre seu invólucro.


A vontade é a faculdade soberana da alma, a força espiritual por excelência, e pode mesmo dizer-se que é a essência da sua personalidade. Seu poder sobre os fluidos é acrescido com a elevação do Espírito. No meio terrestre, seus efeitos sobre a matéria são limitados, porque o homem se ignora e não sabe utilizar-se das forças que estão em si; porém, nos mundos mais adiantados, o ser humano, que já tem aprendido a querer, impera sobre a natureza inteira, dirige facilmente os fluidos, produz fenômenos, metamorfoses que vão até ao prodígio. No espaço e nesses mundos a matéria apresenta-se sob estados fluídicos de que apenas podemos ter uma idéia vaga. Assim como na Terra certas combinações químicas se produzem unicamente sob a influência da luz, assim também, nesses meios, os fluidos não se unem nem se ligam senão por um ato da vontade dos seres superiores.


Entretanto, a ação da vontade sobre a matéria entrou no domínio da experiência científica graças ao estudo dos fenômenos magnéticos, feito por numerosos fisiologistas sob as denominações de hipnotismo e de sugestão mental. Já se têm visto experimentadores, por um ato direto da vontade, fazerem aparecer chagas e estigmas sobre o corpo de certos indivíduos, fazerem daí correr sangue ou humores e, em seguida, operarem o curativo por uma volição contrária. Assim, a vontade humana destrói e repara a bel-prazer os tecidos vivos; pode também modificar as substâncias materiais a ponto de comunicar-lhes propriedades novas, provocando a ebriedade com água simples, etc. Atua mesmo sobre os fluidos e cria objetos, corpos, que os hipnotizados vêem, sentem e tocam e que, para eles, têm uma existência positiva e obedecem a todas as leis da óptica. É isso o que resulta das pesquisas e dos trabalhos dos Drs. Charcot, Dumontpeilier, Liébault, Bernheim, dos professores Liégeois, Delbffiuf, etc., cujas demonstrações podem ser lidas em todas as revistas médicas.


Ora, se a vontade exerce tal influência sobre a matéria bruta e sobre os fluidos rudimentares, tanto melhor se compreenderá seu império sobre o perispírito e os progressos ou as desordens que nele determina, segundo a natureza de sua ação, tanto no curso da vida como após a desencarnação.


Todo ato da vontade, já o dissemos, reveste uma forma, uma aparência fluídica, que se grava no invólucro perispirítico. Torna-se evidente que, se esses atos fossem inspirados por paixões materiais, sua forma seria material e grosseira. As moléculas perispirituais, impregnadas, saturadas dessas formas, dessas imagens, materializam-se a seu contacto, espessam-se cada vez mais, aproximam-se, condensam-se. Desde que as mesmas causas se reproduzam, os mesmos efeitos acumulam-se, a condensação acelera-se, os sentidos enfraquecem-se e atrofiam-se, as vibrações diminuem de força e reduzem-se. Por ocasião da morte acha-se o Espírito envolvido por fluidos opacos e pesados que não mais deixam passar as impressões do mundo exterior e tornam-se para a alma uma prisão e um túmulo. Esse é o castigo preparado pelo próprio Espírito; essa situação é obra sua e somente cessa quando aspirações mais elevadas, o arrependimento e a vontade de melhorar, vêm romper a cadeia material que o enjaula.


Efetivamente, se as paixões baixas e materiais perturbam, obscurecem o organismo fluídico, os pensamentos generosos, em um sentido oposto, as ações nobres apuram e dilatam as moléculas perispiríticas. Sabemos que as propriedades da matéria aumentam com seu grau de pureza. As experiências de William Crookes demonstraram que a rarefação dos átomos produz o estado radiante. A matéria, sob esse aspecto sutil, inflama-se, torna-se luminosa, imponderável. O mesmo sucede com a substância perispiritual, pois esta é ainda matéria, porém em grau mais quintessenciado. Rarefazendo-se, ganha sutileza e sensibilidade; seu poder de irradiação e sua energia aumentam proporcionalmente e permitem-lhe que escape às atrações terrestres. O Espírito adquire, então, sentidos novos, com cujo auxílio poderá penetrar em meios mais puros, comunicar-se com seres mais etéreos. Essas faculdades, esses sentidos, que franqueiam o acesso das regiões felizes, podem ser conquistados e desenvolvidos por qualquer alma humana, visto todas possuírem os seus germes imperecíveis. As nossas vidas sucessivas, cheias de trabalhos e de esforços, têm por alvo fazer desabrochar em nós essas faculdades. Já neste mundo as vemos despontar em certos indivíduos que, por seu intermédio, entram em relações com o mundo oculto. Os médiuns em geral estão neste caso. Sem dúvida, o seu número aumentará com o progresso moral e a difusão da verdade. Pode-se prever que, um dia, a grande maioria dos entes humanos será apta a receber diretamente os ensinos desses seres invisíveis cuja existência ainda ontem negava.


Essa evolução paralela entre a matéria e o Espírito, pela qual o ser conquista seus órgãos e suas faculdades, pela qual se constrói a si mesmo e se aperfeiçoa sem cessar, mostra-nos ainda a solidariedade que liga as forças universais, o mundo das almas e o mundo dos corpos. Mostra-nos principalmente riquezas, inesgotáveis recursos que o ser pode criar por um uso metódico e perseverante da vontade, pois esta é a força suprema, é a própria alma exercendo seu império sobre as potências inferiores.


Para regular o nosso adiantamento, preparar o nosso futuro, fortificarmo-nos ou nos rebaixarmos, é bastante fazer uso da vontade. Não há acaso nem fatalidade, mas, sim, forças e leis. Utilizar, governar umas, observar outras, eis o segredo de toda a grandeza e elevação. Os resultados produzidos entre nós pela vontade perturbam a imaginação dos mundanos e provocam a admiração dos sábios.(xcvi) Tudo isso é, entretanto, pouca coisa ao lado dos efeitos obtidos nesses meios superiores em que, por determinação do Espírito, todas as forças se combinam e entram em ação. E se, nessa ordem de idéias, elevássemos ainda mais o nosso pensamento, não chegaríamos, por analogia, a entrever como a vontade divina, atuando sobre a matéria cósmica, pode formar sóis, traçar as órbitas do mundo, criar os universos?


Sim, tudo pode a vontade exercida no sentido do bem e de acordo com as leis naturais. Muito também pode para o mal. Nossos maus pensamentos, nossos desejos impuros e nossos atos culpáveis corrompem, por neles se refletirem os fluidos que nos rodeiam, e o contacto destes produz mal-estar e impressões desagradáveis nas pessoas que de nós se aproximam, pois todo organismo sofre a influência dos fluidos ambientes. Do mesmo modo, sentimentos de ordem elevada, pensamentos de amor e exortações calorosas vão penetrar os seres que nos cercam, sustentá-los e vivificá-los. Assim se explica o império exercido sobre as multidões pelos grandes missionários e pelas almas eminentes. Embora os maus também assim possam exercer a sua influência funesta, podemos sempre conjurar esta última por volições em sentido inverso e através de resistência enérgica da nossa vontade.


Um conhecimento mais completo das potências da alma e da sua aplicação deverá modificar totalmente as nossas tendências e os nossos atos. Sabendo que todos os fatos da nossa vida se inscrevem conosco, testemunham pró ou contra nós, dirigiremos a cada um deles uma atenção mais escrupulosa. Esforçar-nos-emos, desde então, por desenvolver os nossos recursos latentes e por agir por nosso intermédio sobre os fluidos espalhados no espaço, de modo a depurá-los, transformá-los para o bem de todos e criar em torno de nós uma atmosfera límpida e pura, inacessível aos fluidos viciados. O Espírito que não age, que se deixa levar pelas influências materiais, fica débil e incapaz de perceber as sensações delicadas da vida espiritual. Acha-se em uma inércia completa depois da morte; as perspectivas do espaço não oferecem a seus sentidos velados senão a obscuridade e o vácuo. O Espírito ativo, preocupado em exercer suas faculdades por um uso constante, adquire forças novas; sua vista abrange horizontes mais vastos e o círculo de suas relações alarga-se gradualmente.


O pensamento, utilizado como força magnética, poderia reparar inúmeras desordens, destruir muitas chagas sociais. Projetando, resoluta e freqüentemente, nossa vontade sobre os perversos, sobre os desgarrados, poderíamos consolar, convencer, aliviar e curar. Por esse exercício obter-se-iam não só resultados extraordinários para o melhoramento da espécie, mas também se poderia dar ao pensamento uma acuidade, uma força de penetração incalculáveis.


Graças a uma combinação íntima dos bons fluidos, sorvidos no reservatório ilimitado da Natureza, consegue-se, com a assistência dos Espíritos invisíveis, restabelecer a saúde comprometida, restituir a esperança e a energia dos desesperados. Pode-se mesmo, por um impulso regular e perseverante da vontade, agir a distância sobre os incrédulos, sobre os cépticos e sobre os maus, abalar a sua obstinação, atenuar seu ódio, fazer penetrar um raio de verdade no entendimento dos mais hostis. Eis aí uma forma ignorada da sugestão mental, dessa potência invisível de que se servem a torto e a direito, mas que, utilizada no sentido do bem, transformaria o estado moral das sociedades.


A vontade, exercendo-se fluidicamente, desafia toda vigilância e todas as opressões. Opera na sombra e no silêncio, franqueia todos os obstáculos, penetra todos os meios. Mas, para que produza efeitos totais, é mister uma ação enérgica, poderosos impulsos, uma paciência que não esmoreça. Assim como uma gota d'água cava lentamente a mais dura pedra, assim também um pensamento incessante e generoso acaba por se insinuar no espírito mais refratário.


A vontade insulada pode muito para o bem dos homens, mas que não seria de esperar de uma associação de pensamentos elevados, de um agrupamento de todas as vontades livres? As forças intelectuais, hoje divergentes, esterilizam-se e anulam-se reciprocamente. Daí vêm a perturbação e a incoerência das idéias modernas; mas, desde que o Espírito humano, reconhecendo sua força, agrupe as vontades esparsas em um feixe comum a fim de convergi-las para o Bem, o Belo e o Verdadeiro, nesse dia a Humanidade avançará ousadamente para as culminâncias eternas, e a face do mundo será renovada!


 


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