Capítulo 4: A Grécia
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Entre os povos de iniciativa, nenhum há cuja missão se manifeste com maior brilho do que o da Hélade. A Grécia iniciou a Europa em todos os esplendores do belo. De sua mão aberta saiu a civilização ocidental e o seu gênio de vinte séculos atrás ainda hoje se irradia sobre as nações. Por isso é que, apesar de seus desmembramentos, de suas lutas intestinas, de sua queda final, ela tem sido admirada em todas as épocas.
A Grécia soube traduzir, em linguagem clara, as belezas obscuras da sabedoria oriental. Exprimiu-as a princípio com o adjutório dessas duas harmonias celestes que tornou humanas: a música e a poesia. Orfeu e Homero foram os primeiros que fizeram ouvir seus acordes à terra embevecida. Mais tarde, esse ritmo, essa harmonia que o gênio nascente da Grécia havia introduzido na palavra e no canto, Pitágoras, o iniciado dos templos egípcios, observou-os por toda parte do Universo, na marcha dos astros que se movem, futuras moradas da Humanidade, no seio dos espaços, na concordância dos três mundos, natural, humano e divino, que se sustentam, se equilibram, se completam, para produzirem a vida em sua corrente ascensional e em sua espiral infinita. Dessa visão estupenda decorria para ele a idéia de uma tríplice iniciação, pela qual o homem, conhecedor dos princípios eternos, aprendia, depurando-se, a libertar-se dos males terrestres e a elevar-se para a perfeição. Daí, um sistema de educação e de reforma a que Pitágoras deixou o seu nome, e que tantos sábios e heróis produziu.
Enfim, Sócrates e Platão, popularizando os mesmos princípios, derramando-os em círculo mais lato, inauguraram o reinado da ciência franca, que veio substituir o ensino secreto.
Tal foi o papel representado pela Grécia na história da evolução do pensamento. Em todos os tempos, a iniciação exerceu uma influência capital sobre os destinos desse país. Não é nas flutuações políticas, agitadas nessa raça inconstante e impressionável, que se devem procurar as mais altas manifestações do gênio helênico. A iniciação não tinha seu foco na sombria e brutal Esparta, nem na brilhante e frívola Atenas, mas, sim, em Delfos, em Olímpia, em Elêusis, refúgios sagrados da pura doutrina. Era ali que, pela celebração dos mistérios, ela se revelava em toda a sua pujança. Ali, pensadores, poetas e artistas iam colher o ensino oculto, que depois traduziam à multidão em imagens vivas e em versos inflamados. Acima das cidades turbulentas, sempre prontos a se dilacerarem, acima das oscilações políticas, passando alternativamente da aristocracia à democracia e ao reinado dos tiranos, um poder supremo dominava a Grécia: o tribunal dos Anfitriões, que tinha Delfos por sede, e que se compunha de iniciados de grau superior. Por si só, ele salvara a Hélade nas horas de perigo, impondo silêncio às rivalidades de Esparta e de Atenas.
Já no tempo de Orfeu os templos possuíam a ciência secreta.
“Escuta – dizia o mestre ao neófito(xvi) –, escuta as verdades que convém ocultar à multidão, e que fazem a força dos santuários. Deus é um, e sempre semelhante a si mesmo; porém, os deuses são inumeráveis e diversos, porque a divindade é eterna e infinita. Os maiores são as aluías dos astros, etc.
“Entraste com o coração puro no seio dos Mistérios. Chegou a hora suprema em que te vou fazer penetrar até às fontes da vida e da luz. Os que não levantam o véu espesso que esconde aos olhos dos homens as maravilhas invisíveis não se tornarão filhos dos Deuses.”
Aos místicos(xvii) e aos iniciados:
“Vinde gozar, vós que tendes sofrido; vinde repousar, vós que tendes lutado. Pelos sofrimentos passados, pelo esforço que vos conduz, vencereis, e se acreditais nas palavras divinas já vencestes, porque, depois do longo circuito das existências tenebrosas, saireis, enfim, do círculo doloroso das gerações e, como uma só alma, vos encontrareis na luz de Dionisos.(xxviii)
“Amai, porque tudo ama; amai, porém, a luz e não as trevas. Durante a vossa viagem tende sempre em mira esse alvo. Quando as almas voltam ao espaço, trazem, como hediondas manchas, todas as faltas da sua vida estampadas no corpo etéreo... E, para apagá-las, cumpre que expiem e voltem à Terra. Entretanto, os puros, os fortes, vão para o sol de Dionisos.”
*
Domina o grupo dos filósofos gregos uma imponente figura. É Pitágoras, esse filho de Iônia que melhor soube coordenar e pôr em evidência as doutrinas secretas do Oriente, e melhor soube fazer delas uma vasta síntese, que ao mesmo tempo abraçasse a moral, a ciência e a religião. A sua Academia de Crotona foi uma escola admirável de iniciação laica, e sua obra, o prelúdio desse grande movimento de idéias que, com Platão e Jesus, iam agitar as camadas profundas da sociedade antiga, impelindo suas torrentes até às extremidades do continente.
Pitágoras havia estudado durante trinta anos no Egito. Aos seus vastos conhecimentos juntava uma intuição maravilhosa, sem a qual nem sempre bastam a observação e o raciocínio para descobrir a verdade. Graças a tais qualidades, pôde levantar o magnífico monumento da ciência esotérica, cujas linhas essenciais não podemos deixar de aqui traçar:
“A essência em si escapa ao homem, dizia a doutrina pitagórica,(xxix) pois ele só pode conhecer as coisas deste mundo, em que o finito se combina com o infinito. Como conhecê-las? Há entre ele e as coisas uma harmonia, uma relação, um princípio comum, e esse princípio é dado a tudo pelo Uno que, com a essência, fornece também a sua medida e inteligibilidade.
“Vosso ser, vossa alma é um pequeno universo, mas está cheio de tempestades e de discórdias. Trata-se de realizar aí a unidade na harmonia. Somente então descerá Deus até vossa consciência, participareis assim do seu poder, e da vossa vontade fareis a pedra da ladeira, o altar de Hestia, o trono de Júpiter.”
Os pitagóricos chamavam Espírito ou inteligência à parte ativa e imortal do ser humano. A alma era para eles o Espírito envolvido em seu corpo fluídico e etéreo. O destino da Psique, a alma humana, sua queda e cativeiro na carne, seus sofrimentos e lutas, sua reascensão gradual, seu triunfo sobre as paixões e sua volta final à luz, tudo isto constituía o drama da vida, representado nos Mistérios de Elêusis como sendo o ensino por excelência.
Segundo Pitágoras,(xxx) a evolução material dos mundos e a evolução espiritual das almas são paralelas, concordantes, e explicam-se uma pela outra. A grande alma, espalhada na Natureza, anima a substância que vibra sob seu impulso e produz todas as formas e todos os seres. Os seres conscientes, por seus longos esforços, desprendem-se da matéria, que dominam e governam a seu turno, libertam-se e aperfeiçoam-se através de existências inumeráveis. Assim, o invisível explica o visível, e o desenvolvimento das criações materiais é a manifestação do Espírito Divino.
Procurando-se nos tratados de Física dos antigos a opinião deles sobre a estrutura do Universo, enfrentam-se dados grosseiros e atrasados; esses não são, porém, mais que alegorias. O ensino secreto dava, sobre as leis do Universo, noções muito mais elevadas. Diz-nos Aristóteles que os pitagóricos conheciam o movimento da Terra em torno do Sol. A idéia da rotação terrestre veio a Copérnico pela leitura de uma passagem de Cícero, que lhe ensinou ter Hicetas, discípulo de Pitágoras, falado do movimento diurno do globo. No terceiro grau de iniciação aprendia-se o duplo movimento da Terra.
Como os sacerdotes do Egito, seus mestres, Pitágoras sabia que os planetas nasceram do Sol, em torno do qual giram, e que cada estrela é um sol iluminando outros mundos, e que compõe, com seu cortejo de esferas, outros tantos sistemas siderais, outros tantos universos regidos pelas mesmas leis que o nosso. Essas noções, porém, jamais eram confiadas ao papel; constituíam o ensino oral comunicado sob sigilo. O vulgo não as compreenderia; considera-las-ia como contrárias à mitologia e, por conseguinte, sacrílegas.(xxxi)
A ciência secreta também ensinava que um fluido imponderável se estende por toda parte e tudo penetra. Agente sutil, sob a ação da vontade ele se modifica, se transforma, se rarefaz e se condensa segundo a potência e elevação das almas que o empregam, tecendo com essa substância o seu vestuário astral. É o traço de união entre o Espírito e a matéria, tudo gravando-se nele, refletindo-se como imagens em um espelho, sejam pensamentos ou acontecimentos. Pelas propriedades desse fluido, pela ação que a vontade sobre ele exerce, explicam-se os fenômenos da sugestão e da transmissão do pensamento. Os antigos chamavam-lhe, por alegoria, véu misterioso de Ísis ou manto de Cibele, que envolve tudo o que existe. Esse mesmo fluido serve de veículo de comunicação entre o visível e o invisível, entre os homens e as almas desencarnadas.
A ciência do mundo invisível constituía um dos ramos mais importantes do ensino reservado. Por ela se havia sabido deduzir, do conjunto dos fenômenos, a lei das relações que unem o mundo terrestre ao mundo dos Espíritos; desenvolviam-se com método as faculdades transcendentais da alma humana, tornando possível a leitura do pensamento e a vista a distância. Os fatos de clarividência e de adivinhação, produzidos pelas sibilas e pitonisas, oráculos dos templos gregos, são atestados pela História. Muitos espíritos fortes os consideram apócrifos. Sem dúvida, cumpre levar em conta a exageração e a lenda; mas as recentes descobertas da psicologia experimental têm-nos demonstrado que nesse domínio havia alguma coisa mais do que vã superstição e convidam-nos a estudar mais atentamente um conjunto de fatos que, na antiguidade, repousava sobre princípios fixos e fazia parte de uma ciência profunda e grandiosa.
Em geral, não se encontram essas faculdades senão em seres de pureza e elevação de sentimento extraordinária; exigem preparo longo e minucioso. Os oráculos referidos por Heródoto, a propósito de Creso e da batalha de Salamina, provam que Delfos possuiu pessoas assim dotadas. Mais tarde, imiscuíram-se abusos nessa prática. A raridade das pessoas assim felizmente dotadas tornou os sacerdotes menos escrupulosos na sua escolha. Corrompeu-se e caiu em desuso a ciência adivinhatória. Segundo Plutarco, a desaparição dessa ciência foi considerada por toda a sociedade antiga como uma grande desgraça.
Toda a Grécia acreditava na intervenção dos Espíritos em coisas humanas. Sócrates tinha o seu daimon ou Gênio familiar. Exaltados pela convicção de que potências invisíveis animavam seus esforços, os gregos, em Maratona e Salanitna, repeliram pelas armas a terrível invasão dos persas. Em Maratona, os atenienses acreditaram ver dois guerreiros, brilhantes de luz, combaterem em suas fileiras. Dez anos mais tarde, Pítia, sacerdotisa de Apolo, sob a inspiração dum Espírito, indicou a Temístocles, do alto da sua trípode, os meios de salvar a Grécia. Se Xerxes caísse vencedor, os asiáticos bárbaros apoderar-se-iam de toda a Hélade, abafando o seu gênio criador, fazendo recuar, dois mil anos talvez, o desabrochar da ideal beleza do pensamento.
Os gregos, com um punhado de homens, derrotaram o imenso exército asiático e, conscientes do socorro oculto que os assistia, rendiam suas homenagens a Palas-Ateneu, divindade tutelar, símbolo da potência espiritual, nessa sublime rocha da Acrópole, moldurada pelo mar brilhante e pelas linhas grandiosas do Pentélico e do Himeto.
Para a difusão dessas idéias muito havia contribuído a participação nos Mistérios, pois desenvolvia nos iniciados o sentimento do invisível, que, então, sob formas diversas, se espalhava entre o povo. Na Grécia, no Egito e na Índia, consistiam os Mistérios em uma mesma coisa: o conhecimento do segredo da morte, a revelação das vidas sucessivas e a comunicação com o mundo oculto. Esse ensino, essas práticas, produziam nas almas impressões profundas; infundiam-lhes uma paz, uma serenidade, uma força moral incomparáveis.
Sófocles chama aos Mistérios “esperança da morte”, e Aristófanes diz que passavam uma vida mais santa e pura os que neles tomavam parte. Recusava-se a admitir os conspiradores, os perjuros e os debochados.
Porfiro escreveu:
“Nossa alma, no momento da morte, deve achar-se como durante os Mistérios, isto é, isenta de paixão, de cólera e de ócio.”
Pelos seguintes termos, Plutarco afirma que, nesse mesmo estado, conversava-se com as almas dos defuntos:
“Na maior parte das vezes, intervinham nos Mistérios excelentes Espíritos, embora, em algumas outras, procurassem os perversos ali se introduzirem.”
Proclo também acrescenta:(xxxii)
“Em todos os Mistérios, os deuses (aqui, significa esta palavra todas as ordens de espíritos) mostram-se de muitas maneiras, aparecem sob grande variedade de figuras e revestem a forma humana.”
A doutrina esotérica era um laço de união entre o filósofo e o padre. Eis o que explica a sua harmonia em comum e a ação medíocre que o sacerdócio teve na civilização helênica. Essa doutrina ensinava os homens a dominarem as suas paixões e desenvolvia neles a vontade e a intuição. Por um exercício progressivo, os adeptos de grau superior conseguiam penetrar todos os segredos da Natureza, dirigir à vontade as forças em ação no mundo, produzir fenômenos de aparição sobrenatural, mas que, entretanto, eram simplesmente a manifestação natural das leis desconhecidas pelo vulgo.
Sócrates e, mais tarde, Platão continuaram na Atica a obra de Pitágoras. Sócrates não quis jamais fazer-se iniciar, porque preferia a liberdade de ensinar a toda gente as verdades que a sua razão lhe havia feito descobrir. Depois da morte deste, Platão transportou-se ao Egito e ali foi admitido nos Mistérios. Voltando a conferenciar com os pitagóricos, fundou, então, a sua academia. Mas, a sua qualidade de iniciado não mais lhe permitia falar livremente e, nas suas obras, a grande doutrina aparece um tanto velada. Não obstante isso, encontram-se no Fedon e no Banquete a teoria das emigrações da alma e suas reencarnações, assim como a das relações entre os vivos e os mortos. Conhece-se, igualmente, a cena alegórica que Platão colocou no fim da sua República. Um gênio tira, de sobre os joelhos das Parcas, os destinos, as diversas condições humanas, e exclama:
“Almas divinas! entrai em corpos mortais; ide começar uma nova carreira. Eis aqui todos os destinos da vida. Escolhei livremente; a escolha é irrevogável. Se for má, não acuseis por isso a Deus.”
Essas crenças tinham penetrado no mundo romano, pois Cícero a elas se refere, no Sonho de Cipião (capítulo III), bem como Ovídio, nas suas Metamorfoses (capítulo XV). No sexto livro da Eneida, de Virgílio, vê-se que Enéias encontra nos Campos Elíseos seu pai Anquises, e aprende deste a lei dos renascimentos. Todos os grandes autores latinos dizem que Gênios familiares assistem e inspiram os homens de talento.(xxxiii) Lucano, Tácito, Apuleio, e bem assim Filóstrato, o grego, em suas obras falam freqüentemente de sonhos, aparições e evocações de mortos.
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Em resumo, a doutrina secreta, mãe das religiões e das filosofias, reveste aparências diversas no correr das idades, mas sua base permanece imutável em toda parte. Nascida simultaneamente na Índia e no Egito, passa daí para o Ocidente com a onda das migrações. Encontramo-la em todos os países ocupados pelos celtas. Oculta na Grécia pelos Mistérios, ela se revela no ensino de mestres tais como Pitágoras e Platão, debaixo de formas cheias de sedução e poesia. Os mitos pagãos são como um véu de ouro que esconde em suas dobras as linhas puras da sabedoria délfica. A escola de Alexandria recolhe os seus princípios e infunde-os no sangue jovem e impetuoso do Cristianismo. Já o Evangelho, como a abóbada das florestas sob um sol brilhante, era iluminado pela ciência esotérica dos essênios, outro ramo dos iniciados. A palavra do Cristo havia bebido nessa fonte de água viva e inesgotável as suas imagens variadas e os seus encantos poderosos. (xxxiv) Assim é que, por toda parte, através da sucessão dos tempos e do rasto dos povos, se afirmam a existência e a perpetuidade de um ensino secreto que se encontra idêntico no fundo de todas as grandes concepções religiosas ou filosóficas. Os sábios, os pensadores, os profetas dos templos e dos países mais diversos, nele acharam a inspiração e a energia que fazem empreender grandes coisas e transformar almas e sociedades, impelindo-as para frente na estrada evolutiva do progresso.
Há aí como que uma grande corrente espiritual que se desenrola misteriosamente nas profundezas da História, e parece sair desse mundo invisível que nos domina, nos envolve, e onde vivem e atuam ainda os grandes Espíritos que têm servido de guias à Humanidade, e que jamais cessaram de com ela comunicar-se.
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