Capítulo 27: Charlatanismo e Venalidade



   


Não é a perfídia dos Espíritos malévolos o único escolho que o Espiritismo encontra em seu caminho; outros perigos ameaçam-no, e estes vêm dos homens. O charlatanismo e a venalidade podem invadir e arruinar as novas doutrinas, como invadiram e arruinaram a maior parte das crenças que se têm sucedido neste mundo. Produtos espontâneos e mórbidos de um meio impuro, eles desenvolvem-se e espalham-se quase por toda parte. A ignorância da maioria do povo favorece e alimenta essa fonte de abusos. Muitos falsos médiuns, muitos exploradores de todos os graus têm já procurado no Espiritismo um meio de fazer dinheiro. O Magnetismo, nós o vemos, também não está ao abrigo desses industriais, e talvez daí se derive uma das causas que, por tanto tempo, afastaram os sábios do estudo dos fenômenos.


Mas, deve-se compreender que a existência de produtos falsificados não confere a ninguém o direito de negar a dos produtos naturais. Por que pelotiqueiros se intitulam físicos, conclui-se que as ciências físicas são indignas de atenção e de exame? A fraude e a mentira são conseqüências inevitáveis da inferioridade das sociedades humanas. Sempre à espreita das ocasiões de viverem à custa da credulidade, eles se insinuam por toda parte, nodoam as melhores causas, comprometem os mais sagrados princípios. Inteiramente de temer é essa tendência de alguns para mercadejarem com a mediunidade, para criarem em si uma situação material, com o auxílio de faculdades reais, mas de caráter variável. Sendo a produção dos fenômenos devida à ação livre dos Espíritos, não se poderia contar com uma intervenção permanente e regular de sua parte. Espíritos elevados não se poderiam prestar a fins interesseiros, e o menos que se deve temer em tal caso é cair sob a influência de Espíritos frívolos e gracejadores. Na ausência de fenômenos reais, tendência fatal impelirá o médium retribuído a simulá-los.


Introduzir, nesta ordem de idéias, a questão de dinheiro, é comprometer-lhes o valor moral. O amor do ouro corrompe os mais sublimes ensinos. O Catolicismo perdeu sua autoridade sobre as almas desde que os discípulos do Evangelho se converteram em sectários de Pluto. Se o Espiritismo se tornasse mercenário, se as provas que fornece da imortalidade, se as consolações que concede mais não fossem que objeto de explorações, sua influência ficaria, por isso mesmo, enfraquecida e o progresso por ele trazido à Humanidade em vez de rápido e geral, só seria muito lento e inteiramente individual.


A ignorância não é um flagelo menor. Muitos desses que se entregam às manifestações, desprovidos de noções exatas, pouco esclarecidos sobre as questões de fluidos, de perispírito, de mediunidade, confundem e desnaturam todas as coisas por falsas interpretações; lançam, depois, verdadeiro descrédito sobre tais estudos, fazendo conceber aos incrédulos que neles só há ilusões e quimeras. Mas a ignorância é difícil de vencer; os erros e os abusos que engendra têm muitas vezes mais império do que a verdade e a razão. Não há um princípio, uma doutrina que não tenha sido desnaturada, nenhuma verdade que não tenha sido falsificada, obscurecida a bel-prazer.


Apesar dos preconceitos e da ignorância, apesar das hostilidades conjuradas, o Espiritismo, nascido ontem, já tem dado passos de gigante. Há quarenta anos balbuciava suas primeiras palavras; ei-lo agora derramado sobre todos os pontos do globo. Hoje se contam por milhões os seus adeptos, entre os quais muitos são os mais incontestados mestres de Ciência. Tais progressos denotam uma vitalidade sem precedentes e, diante de fatos tão evidentes, não é mais possível a ignorância. Verdade é que, se examinarmos de perto o estado do Espiritismo, notaremos em seu seio não só o germe dos abusos já assinalados, mas também causas de divisão, de rivalidades, de opiniões e de dissidências. Em vez da união e da harmonia, encontram-se, muitas vezes, antagonismos e lutas intestinas. Já o Cristo dizia, há dezenove séculos: “Não vim trazer a paz, mas a divisão.” Assim tem sempre sucedido neste mundo. Ao contacto das fraquezas humanas, qualquer ensino se torna em origem de disputas e de conflitos.


Podemos deplorar esse estado de coisas, mas consolemo-nos em pensar que, a despeito das controvérsias e das rivalidades, a idéia-mãe desenvolve-se e prossegue em sua marcha. Os homens, instrumentos de um dia, passam; suas paixões, seus interesses, todas essas coisas fugitivas e vãs desaparecem com eles; porém, a verdade, centelha divina que são, transforma-se em luminar, cresce, sobe incessantemente e, tornando-se astro esplendoroso, inundará um dia, com suas luzes, esta Humanidade hesitante e retardada.