Capítulo 22: Os Médiuns
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As faculdades do perispírito, seus meios de percepção e de desprendimento, por maior desenvolvimento que tenham em certas pessoas, não podem, entretanto, exercer-se em sua plenitude durante o período da encarnação, isto é, durante a vida terrestre. O perispírito acha-se então estreitamente ligado ao corpo. Prisioneiro neste invólucro espesso e obscuro, não pode daí se afastar senão em certos momentos e em condições particulares. Seus recursos ficam em estado latente, porque somos impotentes para os pôr em ação. Daí a fraqueza de nossa memória, que não pode remontar-se ao início de nossas vidas passadas. Restituída à vida espiritual, a alma reassume completo poder sobre si mesma e o perispírito recobra a plenitude de suas faculdades. Desde então, pode agir convenientemente sobre os fluidos, impressionar os organismos e os cérebros humanos. Nisso é que consiste o segredo das manifestações espíritas. Um magnetizador exerce poderosa ação sobre o seu passivo ou sonâmbulo, provoca seu desprendimento, suspende sua vida material. Assim também os Espíritos ou almas desencarnadas podem, pela vontade, dirigir correntes magnéticas sobre os seres humanos, influenciar seus órgãos e, por seu intermédio, comunicar-se com outros habitantes da Terra. Os seres especialmente caracterizados pela delicadeza e sensibilidade do seu sistema nervoso à manifestação dos Espíritos têm o nome de médiuns. Suas aptidões são múltiplas e variadas. Aqueles cuja vista atravessa o nevoeiro opaco que nos oculta aos mundos etéreos e que, por um vislumbre, chegam a entrever alguma coisa da vida celeste são designados por sensitivos ou por clarividentes. Alguns até possuem a faculdade de ver os Espíritos, de ouvir deles a revelação das leis superiores.
Todos somos médiuns, é verdade; porém, em graus bem diferentes. Muitos o são e ignoram-no; mas não há homem sobre quem deixe de atuar a influência boa ou má dos Espíritos. Vivemos no meio de uma multidão invisível que assiste, silenciosa, atenta, às minudências de nossa existência; participa, pelo pensamento, de nossos trabalhos, de nossas alegrias e de nossas penas. Nessa multidão ocupa lugar a maior parte daqueles que encontramos na Terra, e de quem seguimos até ao campo fúnebre os pobres e cansados despojos. Parentes, amigos, indiferentes, inimigos... subsistem todos e são arrastados pela atração dos hábitos e das recordações para os lugares e para os homens a quem conheceram. Essa multidão invisível influencia-nos, observa-nos, inspira-nos, aconselha-nos e, mesmo, em certos casos, persegue-nos e obsidia-nos com seu ódio e sua vingança.
Todos os escritores conhecem esses momentos de inspiração, em que o pensamento se ilumina com claridades inesperadas, em que as idéias deslizam, como uma corrente, debaixo da pena. Quem de nós, nas ocasiões de tristeza, de acabrunhamento, de desespero, não se sentiu algumas vezes reanimado, reconfortado por uma ação misteriosa e íntima? E os descobridores, os guias do progresso, todos esses que lutam por engrandecer o domínio e o poder da Humanidade, não têm sido todos eles beneficiados com o socorro invisível que os nossos antepassados lhes trazem nas horas decisivas? Os escritores subitamente inspirados, os descobridores repentinamente esclarecidos são outros tantos médiuns intuitivos e inconscientes. Em certas pessoas, a faculdade de comunicar-se com os Espíritos reveste uma forma mais clara, mais acentuada. Alguns médiuns sentem a mão arrastada por uma força estranha e cobrem o papel de conselhos, avisos e ensinos variados. Outros, ricos em fluido vital, vêem as mesas se agitarem debaixo de seus dedos e obtêm, por meio de pancadas tangidas nesses móveis, comunicações mais lentas, porém mais nítidas e apropriadas a convencer os incrédulos. Ainda outros, mergulhados no sono magnético pela influência dos Espíritos, abandonam a direção de seus órgãos a esses hóspedes invisíveis, que deles se utilizam para conversar com os encarnados como no tempo de sua vida corpórea. Nada mais estranho e mais frisante do que ver desfilar sucessivamente no corpo delgado e delicado de uma senhora, e até de uma mocinha, as personalidades mais diversas, o Espírito dum defunto qualquer, dum padre, duma criada, dum artista, revelando-se por atitudes características, pela linguagem que lhes era familiar durante a existência terrena.
Mas que dizer, quando são Espíritos conhecidos e amados dos assistentes, que vêm afirmar sua presença e sua imortalidade, prodigalizar exortações e animações àqueles que deixaram após si no árduo caminho da vida, mostrar a todos o alvo supremo? Quem descreverá as efusões, os transportes, as lágrimas daqueles a quem um pai, uma mãe, uma mulher amada vem, de além-túmulo, consolar, reanimar com sua afeição e seus conselhos?
Certos médiuns facilitam, por sua presença, o fenômeno das aparições, ou, antes, segundo uma expressão nova, das materializações de Espíritos. Estes últimos tiram ao perispírito do médium uma certa quantidade de fluido, assimilam-no pela vontade e assim condensam seu próprio envoltório, até torná-lo visível e, algumas vezes, tangível.
Alguns médiuns servem também de intermediários aos Espíritos para transmitirem aos doentes e valetudinários eflúvios magnéticos que aliviam e, algumas vezes, curam esses infelizes. É uma das mais belas e úteis formas da mediunidade.
Digamos ainda que uma multidão de sensações inexplicadas provém da ação oculta dos Espíritos. Por exemplo, os pressentimentos que nos advertem de uma desgraça, da perda de um ser amado são causados pelas correntes fluídicas que os desencarnados projetam sobre aqueles a quem estimam. O organismo sente esses eflúvios, mas raras vezes o pensamento humano trata de examiná-los. Há, entretanto, no estudo e na prática das faculdades mediúnicas, uma fonte de ensinos elevados.
Erradamente se consideraria a faculdade mediúnica como privilégio ou favor. Cada um de nós, já o dissemos, traz em si os rudimentos de uma mediunidade, que se pode desenvolver, exercitando-a. A vontade, nisso como em tantas outras coisas, desempenha um papel considerável. As aptidões de certos médiuns célebres explicam-se pela natureza particularmente maleável, elástica de seu organismo fluídico, que, assim, se presta admiravelmente à ação dos Espíritos. Sabendo que a alma, por seus esforços e tendências, fabrica e modifica, no todo ou em parte, o seu organismo, através dos séculos, não veremos na mediunidade daqueles que a possuem senão a conseqüência natural dos seus próprios trabalhos operados em vidas anteriores.
Em geral, a sensibilidade fluídica do ser é proporcional a seu grau de pureza e de adiantamento moral.(xciv) Quase todos os grandes missionários, os reformadores, os fundadores de religiões eram poderosos médiuns, em comunhão constante com os seres invisíveis, cujas inspirações recebiam. Sua vida inteira é um testemunho da existência do mundo dos Espíritos e de suas relações com a Humanidade terrestre.
Assim se explicam – levando em conta exageros e legendas – numerosos fatos qualificados de maravilhosos e sobrenaturais. A existência do perispírito e as leis da mediunidade indicam-nos os meios pelos quais se exerce, através das idades, a ação dos Espíritos sobre os homens. A Egéria de Numa, os sonhos de Cipião, os Gênios familiares de Sócrates, de Tasso, de Jerônimo Cardan, as vozes de Joana d'Arc, os inspirados de Cévennes, a vidente de Prêvorst, mil outros fatos análogos, considerados à luz do espiritualismo moderno, perdem, aos olhos do pensador, todo o caráter de sobrenatural e de misterioso.
É, entretanto, por esses fatos que se revela a grande lei da solidariedade que une a Humanidade terrestre às humanidades do espaço. Livres dos laços da matéria, os Espíritos superiores podem erguer o véu espesso que ocultava as grandes verdades. As leis eternas aparecem desprendidas da obscuridade com que neste mundo as envolvem os sofismas e os miseráveis interesses pessoais.
Animadas do ardente desejo de cooperarem ainda para o movimento ascensional dos seres, essas grandes almas tornam a descer até nós e põem-se em relação com aqueles de entre os seres humanos cujas constituições sensitivas e nervosas habilitam a preencher o papel de médiuns. Por seus ensinos e salutares conselhos, trabalham, com o auxílio desses intermediários, para o progresso moral das sociedades terrestres.
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