Capítulo 20: O Espiritismo na França
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Na França não há tantos sábios espíritas como na Inglaterra, pois os seus homens de ciência, mais talvez do que em qualquer outro país, têm testemunhado indiferença ou reserva proposital a respeito das manifestações psíquicas. Vêem-se, entretanto, belas exceções. Assinalamos somente Camille Flammarion, cujo estilo encantador popularizou a ciência dos mundos, e Babinet, membro do Instituto. Estes dois sábios fizeram ato de adesão ao Espiritismo; o primeiro, por seu discurso pronunciado no túmulo de Allan Kardec; o segundo, por uma carta ao Dr. Feytaud (1867), carta que se tornou pública, e na qual fez conhecer sua intenção de expor ao público os fenômenos incríveis de que foi testemunha e cuja realidade pensa poder demonstrar, decidido como está a ir avante. A sua morte, porém, impediu a execução desse projeto.
Mais recentemente, um jovem sábio, de grande futuro, o Dr. Paul Gibier, discípulo favorito de Pasteur e diretor do Instituto Anti-Rábico de Nova York, publicou duas obras: O Espiritismo ou Faquirismo Ocidental (Paris, 1887) e Análise das Coisas (1889), nas quais estuda conscienciosamente e afirma, com coragem, a existência dos mesmos fatos.
O Dr. Gibier, com o auxílio do médium Slade, estudou, de modo muito especial, o curioso fenômeno da escrita direta sobre a lousa, ao qual consagrou trinta e três sessões. Lousas duplas, fornecidas pelo experimentador, foram seladas, uma posta sobre a outra, e assim se obtiveram, no seu interior, numerosas comunicações em várias línguas.
“Temos observado estes fenômenos – escreve ele (xci) – tantas vezes e sob formas tão variadas que, se fosse privado nos reportarmos aos nossos sentidos para demonstrar casos tão especiais, renegaríamos o que na vida comum se apresenta todos os dias aos nossos olhos.”
É, porém, no mundo das letras e das artes que encontraremos numerosos partidários ou defensores dos fenômenos espíritas e das doutrinas que lhes são correlativas. Entre outros escritores que se pronunciaram neste sentido, citaremos: Eugêne Nus, o autor das obras: Grands Mystêres e Choses de l’Âutre Monde; Vacquerie, que, a respeito deste ponto, expôs suas opiniões nas Miettes de l’Histoire; Victor Hugo, Maurice Lachâtre, Théophile Gauthier, Victorien Sardou, O. Fauvety, Ch. Lomon, Eugêne Bonnemêre, etc.
É quase sempre fora das academias que as experiências espíritas na França têm sido tentadas e, sem dúvida, disso provêm a pouca atenção que se lhes tem prestado. De 1850 a 1860, estavam em moda as mesas giratórias; a predileção era geral, nenhuma festa, nenhuma reunião íntima terminava sem alguns exercícios desse gênero. Mas, entre a multidão das pessoas que tomavam parte nessas reuniões e que se divertiam com o fenômeno, quantas teriam entrevisto suas conseqüências, do ponto de vista científico e moral, e a importância das soluções que ele trazia à Humanidade? Cansaram de propor questões banais aos Espíritos. A moda das mesas, como qualquer outra, passou e, depois de certo processo ruidoso, o Espiritismo caiu em descrédito.
Mas, à falta de sábios oficiais, observadores dos fenômenos, a França possuía um homem que devia representar um papel considerável, universal, no advento do Espiritismo.
Allan Kardec, depois de ter, durante dez anos, estudado pelo método positivo, com razão esclarecida e paciência infatigável, as experiências feitas em Paris, depois de ter recolhido os testemunhos e documentos que de todos os pontos do globo lhe chegaram, coordenou esse conjunto de fatos, deduziu os princípios gerais e compôs um corpo de doutrina, contido em cinco volumes, cujo êxito foi tal que alguns ultrapassaram hoje a quadragésima edição, a saber: “O Livro dos Espíritos” ou parte filosófica, “O Livro dos Médiuns” ou parte experimental, “O Evangelho segundo o Espiritismo” ou parte moral, “O Céu e o Inferno” ou parte analítica e “A Gênese” ou parte científica.
Allan Kardec fundou a Revue Spirite, de Paris, que se tornou o órgão, o traço de união dos espíritas do mundo inteiro, e na qual se poderá acompanhar a evolução lenta e progressiva desta revelação moral e filosófica.
A obra de Allan Kardec é, portanto, o resumo dos ensinos comunicados aos homens pelos Espíritos, em um número considerável de grupos espalhados por todos os pontos da Terra, durante um período de vinte anos.
Essas comunicações nada têm de sobrenaturais, porque os Espíritos são seres semelhantes a nós que vivemos na Terra e, em sua maior parte, a ela voltarão, submetidos, como nós, às leis da Natureza e revestidos de um corpo, mais sutil é verdade, mais etéreo do que o nosso, porém perceptível aos sentidos humanos em condições determinadas.
Allan Kardec, como escritor, mostrou-se de uma clareza perfeita e de uma lógica rigorosa. Todas as suas apreciações repousam sobre fatos observados, atestados por milhares de testemunhas. Apelou para a Filosofia e esta desceu das alturas abstratas em que pairava, fez-se simples, popular, acessível a todos. Despida das suas formas envelhecidas, posta ao alcance das mais humildes inteligências, ela demonstra a persistência da vida de além-túmulo, e assim traz esperança, consolação e luz àqueles que sofrem.
A doutrina de Allan Kardec, nascida – não será demasiado repeti-lo – da observação metódica, da experiência rigorosa, não se torna um sistema definitivo, imutável, fora e acima das conquistas futuras da Ciência. Resultado combinado de conhecimentos dos dois mundos, de duas humanidades penetrando-se uma na outra, ambas, porém, imperfeitas e a caminho da verdade, do desconhecido, a Doutrina dos Espíritos transforma-se, sem cessar, pelo trabalho e pelo progresso e, embora superior a todos os sistemas, a todas as filosofias do passado, acha-se aberta às retificações, aos esclarecimentos do futuro.
Depois da morte de Allan Kardec, o Espiritismo fez uma evolução considerável, assimilando o fruto de vinte e cinco anos de trabalhos. A descoberta da matéria radiante, as análises dos sábios ingleses e americanos sobre os fluidos, sobre os invólucros perispirituais ou formas revestidas pelos Espíritos em suas aparições, todos esses progressos abriram ao Espiritismo um novo horizonte. Graças a esses estudos, o Espiritismo penetrou a natureza íntima do mundo fluídico e, para o futuro, pode, com armas iguais, lutar contra seus adversários nesse terreno da Ciência que se lhe tornou familiar.
O Congresso Espírita e Espiritualista Internacional, reunido em Paris, no mês de setembro de 1889, demonstrou toda a vitalidade da doutrina que acreditavam sepultada debaixo dos sarcasmos e das zombarias. Quinhentos delegados, vindos de todos os pontos do mundo, assistiram às suas sessões, noventa e cinco revistas e jornais aí estiveram representados. Homens de grande saber e de alta posição, médicos, magistrados, professores e mesmo sacerdotes, pertencentes às mais diversas nacionalidades – franceses, espanhóis, italianos, belgas, suíços, russos, alemães, suecos, etc. –, todos tomaram parte nos debates.
Os membros das diversas doutrinas representadas nesse Congresso: espíritas, teosofistas, cabalistas, swedenborguianos, em perfeita união, afirmaram, por unanimidade de votos, os dois princípios seguintes:
1º – Persistência do Eu consciente depois da morte, ou seja, a imortalidade da alma.
2º – Relação entre os vivos e os mortos.(xcii)
O Congresso Espírita de 1889, despertando a atenção pública, estimulou o espírito de exame e provocou um conjunto de estudos e experiências científicas. Charles Richet e o Coronel de Rochas fundaram, em Paris, uma sociedade de investigações psíquicas, cujo primeiro cuidado foi estabelecer um exame sobre os fenômenos de aparição e sobre todos os fatos da psicologia oculta observados na França. Uma revista especial, os Annales des Sciences Psychiques, dirigida pelo Dr. Dariex, dá conta não só desses trabalhos, mas também dos que são realizados pelas sociedades estrangeiras análogas.
O Congresso Internacional de Psicologia Experimental, realizado em Londres, no ano de 1892, mostrou que, em pouco tempo, se haviam produzido na Ciência algumas modificações especialmente notáveis sobre o assunto.
Charles Richet aborda francamente a questão da nova Psicologia e trata dos fenômenos espíritas: telepatia, dupla vista, etc. Esse eminente professor começa por fazer o seguinte questionário:(xciii) “Existirá essa Psicologia oculta?” E, então, responde: “Para nós isso não é duvidoso, pois efetivamente existe tal Psicologia. Não é possível que tantos homens distintos da Inglaterra, América, França, Alemanha, Itália e outros países, se tenham deixado enganar tão grosseiramente. Eles refletiram e discutiram todas as objeções apresentadas, não encontrando motivo para atribuírem ao acaso ou ao produto de fraude qualquer dos fenômenos observados, visto terem tomado precauções, antes mesmo que outros as houvessem indicado. Recuso-me também a acreditar que tais trabalhos tenham sido estéreis ou que esses homens tivessem meditado, experimentado, refletido sobre meras ilusões.”
Charles Richet lembra aos membros do Congresso o quanto as academias se têm arrependido de haverem, muitas vezes, negado a priori as mais belas descobertas; por isso, elas deviam ser agora mais cautelosas a fim de não caírem na mesma falta. Demonstra os resultados proveitosos que, do estudo da nova Psicologia, baseada sobre o método experimental, pode decorrer para a Ciência e para a Filosofia.
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