Terceira Parte - O Mundo Invisível



   


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A Natureza e a Ciência


Expusemos, nas páginas precedentes, os princípios essenciais da filosofia das existências sucessivas. Apoiados sobre a mais rigorosa lógica, tais princípios esclarecem o nosso futuro e resolvem numerosos problemas até aqui não explicados.


Entretanto, podem objetar-nos que essas doutrinas, por mais lógicas e racionais que pareçam, não passam de simples hipóteses, meras especulações, e que como tais devem ser tratadas.


A nossa época, fatigada dos devaneios da imaginação, das teorias e dos sistemas preconcebidos, propendeu para o cepticismo. Diante de qualquer afirmação reclama provas. Não lhe basta o mais lógico raciocínio. Precisa de fatos sensíveis, diretamente observados, para dissipar as suas dúvidas. Tais dúvidas se explicam: são a conseqüência fatal do abuso das lendas, das ficções, das doutrinas errôneas com que durante séculos se embalou a Humanidade. De crédulo que era, o homem, instruindo-se, tornou-se céptico e cada teoria nova é acolhida com desconfiança, senão com hostilidade.


Não nos lastimemos desse estado de espírito, que não é, em suma, senão homenagem inconsciente prestada à verdade pelo pensamento humano. Com isso, a filosofia das existências sucessivas só tem a ganhar, porque, longe de ser mais um sistema fantasista, apóia-se num conjunto imponente de fatos, estabelecidos por provas experimentais e por testemunhos universais. A tais fatos é que consagraremos a terceira parte desta obra.


O progresso da Ciência, em suas escalas inumeráveis, é comparável a uma ascensão em país de altas montanhas. À medida que o viajante galga as árduas encostas, o horizonte se lhe alarga, os pormenores do plano inferior se confundem em vasto conjunto, enquanto novas perspectivas se desvendam ao longe. Quanto mais sobe, tanto maior amplidão e majestade adquire o espetáculo. Assim a Ciência, em seu progresso incessante, descobre, a cada passo, domínios ignorados.


Todos sabem quão limitados são os nossos sentidos materiais, como é restrito o campo que estes abraçam. Além das cores e dos raios percebidos por nossa vista, há outras cores, outros raios, cuja existência é demonstrada pelas reações químicas. Do mesmo modo, o ouvido só percebe as ondas sonoras entre dois extremos, além dos quais as vibrações sonoras, muito agudas ou muito graves, nenhuma influência exercem sobre o nervo auditivo.


Se a nossa força visual não tivesse sido aumentada pelas descobertas da óptica, que saberíamos do Universo na hora presente? Não só ignoraríamos a existência dos longínquos impérios do éter, onde sóis sucedem a sóis, onde a matéria cósmica, em suas eternas gestações, faz surgir astros por milhares, como também nada saberíamos ainda dos mundos mais vizinhos à Terra.


Gradualmente e de idade em idade, tem-se estendido o campo de observação. Graças à invenção do telescópio, o homem tem podido explorar os céus e comparar o nosso mesquinho globo com as esferas gigantescas do espaço.


Mais recentemente, a invenção do microscópio abriu-nos um outro infinito. Por toda parte, em torno de nós, nos ares, nas águas, invisíveis a nossos fracos olhos, miríades de seres pululam e agitam-se em turbilhões espantosos. Tornou-se possível o estudo da constituição molecular dos corpos. Chegou-se a reconhecer que os glóbulos do sangue, os tecidos e as células do corpo humano são povoados de parasitas animados, de infusórios, em detrimento dos quais vivem ainda outros parasitas. Ninguém pode dizer onde termina o fluxo da vida!


A Ciência progride, engrandece-se, e o pensamento por ela alentado sobe a novos horizontes. Mas quão leve se apresenta a bagagem dos nossos conhecimentos, quando a comparamos com o que nos resta ainda aprender! O Espírito humano tem limites, a Natureza não. “Com o que ignoramos das leis universais – diz Faraday – poder-se-ia criar o mundo.” Os nossos sentidos grosseiros permitem que vivamos no meio de um oceano de maravilhas, sem mesmo suspeitarmos delas, como cegos banhados em catadupas de luz.