Retornar


Nota 9


Sobre o perispírito ou corpo sutil; opinião dos padres da Igreja


Retornar  


 


Às citações contidas em nosso estudo sobre a ressurreição dos mortos (cap. VI) acrescentaremos as opiniões de alguns padres da Igreja.


Tertuliano declara que a corporeidade da alma é afirmada pelos Evangelhos: “Corporalitas animae in ipso Evangelico relucescit”, porque – acrescenta ele – se a alma não tivesse um corpo, “a imagem da alma não teria a imagem dos corpos”. (Tratado De anima, caps. VII, VIII e IX, edição de 1657, pág. 8.)


S. Basílio fala do corpo espiritual, como Tertuliano o havia feito. Em seu tratado do Espírito Santo assegura ele que os anjos se tornam visíveis pelas espécies de seu próprio corpo, aparecendo aos que são dignos disso. (S. Basílio, Liber de Spiritu Sancto, capítulo XVI, edição benedict. de 1730, t. III, pág. 32.)


Essa doutrina era também a de S. Gregório, de S. Cirilo de Alexandria e de Santo Ambrósio. Assim se exprime este último:


“Não se suponha que ser algum seja isento de matéria em sua composição, excetuada unicamente a substância da adorável Trindade.” (Abraham, liv. II, § 58, ed. benedic. de 1686, t. 1, col. 338.)


S. Cirilo de Jerusalém escreve:


“O nome espírito é um nome genérico e comum: tudo o que não possui um corpo pesado e denso é de um modo geral denominado espírito.” (Catechesis, XVI, ed. benedic. de 1720, págs, 251, 252.)


“Em outras passagens atribui S. Cirilo, quer aos anjos, quer aos demônios, quer às almas dos mortos, corpos mais sutis que o corpo terrestre: Cat. XII, § 14; Cat. XVIII, § 19.” (Obra citada, pág. 252. Nota do beneditino Dom A. Toutée.)


Evódio, bispo de Uzala, escreve em 414 a Santo Agostinho, inquirindo-o acerca da natureza e causa de aparições de que lhe dá muitos exemplos, e para lhe perguntar se depois da morte:


“Quando a alma abandonou este corpo grosseiro e terrestre, não permanece a substância incorpórea unida a algum outro corpo, não composto dos quatro elementos como este, porém, mais sutil, e que participa da natureza do ar ou do éter?”


E assim termina a sua carta:


“Acredito, portanto, que a alma não poderia existir sem corpo algum” (Obra de Santo Agostinho, edição benedict. de 1679, t. 11, carta 158, col. 560 e seguintes.)


Ver também a carta de Santo Agostinho a Nebrido, escrita em 390, em que o bispo de Hipona assim se exprime:


“Necessário é te recordares de que agitamos muitas vezes, em discussões que nos punham excitados e sem fôlego, essa questão de saber se a alma não tem por morada alguma espécie de corpo, ou alguma coisa análoga a um corpo, que certas pessoas, como sabes, denominam o seu ‘veículo’.” (Santo Agostinho, op. cit., t. II, carta 14, cols. 16 e 17.)


Diz S. Bernardo:


“Atribuiremos, pois. com toda a segurança unicamente a Deus a verdadeira incorporeidade, assim como a verdadeira imortalidade; porque, único entre os espíritos, ultrapassa toda a natureza corporal, o suficiente para não ter necessidade do concurso de corpo algum para qualquer trabalho, pois que só a sua vontade espiritual, quando a exerce, tudo lhe permite fazer.” (Sermão VI in Cantica, ed. Mabillon, t. I, col. 1277.)


Finalmente, S. João de Tessalônica resume nestes termos a questão, em sua declaração ao segundo concílio de Nicéia (787), o qual adotou as suas opiniões:


“Sobre os anjos, os arcanjos e as potências, – acrescentarei também – sobre as almas, a Igreja decide que esses seres são na verdade espirituais, mas não completamente privados de corpo, ao contrário, dotados de um corpo tênue, aéreo ou ígneo. Sabemos que assim têm entendido muitos santos padres, entre os quais Basílio, cognominado o grande, o bem-aventurado Atanásio e Metódio e os que ao lado deles são colocados. Não há senão Deus, unicamente, que seja incorpóreo e sem forma. Quanto às criaturas espirituais, não são de modo algum incorpóreas.” (História Universal da Igreja Católica, pelo abade Rohrbacher, doutor em Teologia, tomo XI, págs. 209, 210.)


Um concílio, realizado no Delfinado, na cidade de Viena, em 3 de abril de 1312, sob Clemente V, declarou heréticos os que não admitissem a materialidade da alma. (O Espiritualismo na História, de Rossi de Giustiniani.)


Acreditamos dever lembrar essas opiniões, porque constituem outras tantas afirmações em favor da existência do perispírito. Este não é realmente outra coisa senão esse corpo sutil, invólucro inseparável da alma, indestrutível, quanto ela, entrevisto pelas autoridades eclesiásticas de todos os tempos.


Essas afirmações são completadas pelos testemunhos da ciência atual. As sucessivas pesquisas da Sociedade de Investigações Psíquicas, de Londres, evidenciaram mil e seiscentos casos de aparições de “fantasmas” de vivos e de mortos. A existência do perispírito é, além disso, demonstrada por inúmeras moldagens de mãos e de rostos fluídicos materializados, pelos fenômenos de exteriorizações e desdobramentos de vivos, pela visão dos médiuns e sonâmbulos, por fotografias de falecidos, numa palavra, por um imponente conjunto de fatos devidamente comprovados. * (Ver nota número 12.)


* Ver A de Rochas. Exteriorização da sensibilidade e Exteriorização da motricidade; - G. Delanne, Aparições materializadas dos vivos e dos mortos; - H. Durville, O Fantasma dos vivos.


Certos escritores católicos confundem voluntariamente a ação do perispírito e suas manifestações depois da separação do corpo humano com a ideia da “ressurreição da carne”. Já fizemos notar que essa expressão raramente se encontra nas escrituras. Aí, de preferência, se encontra a de “ressurreição dos mortos”. (Ver, por exemplo, I Coríntios, XV, 15 e seguintes.)


A ressurreição da carne se torna impossível pelo fato de que as moléculas componentes do nosso corpo atual pertenceram no passado a milhares de corpos humanos, como pertencerão a milhares de outros corpos no futuro. No dia do juízo, qual deste poderia reivindicar a posse dessas moléculas errantes?


A ressurreição é um fato espírita, que só o Espiritismo torna compreensível. Para o explicar, são os católicos obrigados a recorrer ao milagre, isto é, à violação, por Deus, das leis naturais por ele próprio estatuídas.


Como, sem a existência do perispírito, sem a dupla corporeidade do homem, poder-se-iam explicar os numerosos casos de bilocação relatados nos anais do Catolicismo?


Afonso de Liguóri foi canonizado por se haver mostrado simultaneamente em dois lugares diferentes.


Santo Antônio defende seu pai de uma acusação de assassínio perante o Tribunal de Pádua, e denuncia o verdadeiro culpado, no momento mesmo em que pregava na Espanha, em presença de grande número de fiéis.


S. Francisco Xavier se mostra várias vezes à mesma hora em lugares muito distantes entre si.


É possível deixar de ver nesses fatos casos de desdobramento do ser humano e a ação, à distância, do seu invólucro fluídico? O mesmo sucede com os numerosos casos de aparições de mortos, mencionados nas Escrituras. Eles não são explicáveis senão pela existência de uma forma semelhante a outra que na Terra o Espírito possuía, mais sutil, porém, e mais tênue, e que sobrevive à destruição do corpo carnal. Sem perispírito, sem forma, como poderiam os Espíritos fazer-se reconhecer pelos homens? Como se poderiam eles, no espaço, entre si reconhecer?


Retornar