Cap. 11


Renovação


Retornar  


 


Como julgamos haver estabelecido nas precedentes páginas, o moderno espiritualismo assenta em testemunhos universais; apoia-se em fatos de experiência, observados em todos os pontos do globo por homens de todas as condições, entre os quais se contam sábios pertencentes a todas as grandes Universidades e a muitas Academias célebres. É graças a eles, aos seus esforços, que a Ciência contemporânea, a despeito das suas repugnâncias e hesitações, tem sido levada pouco a pouco a se interessar pelo estudo do mundo invisível.


De ano para ano cresceu o número dos experimentadores. As investigações têm sucedido às investigações e sempre os resultados têm vindo corroborar as afirmações anteriores. Dessas observações, multiplicadas ao infinito, resultou uma certeza: a da sobrevivência do ser humano e, com ela, noções mais positivas das condições da vida futura.


Pelo acurado estudo dos fenômenos, pela comunicação permanente estabelecida com o outro mundo, o Espiritismo veio confirmar as grandes tradições do passado, os ensinos de todas as religiões, de todas as filosofias elevadas, no tocante à imortalidade do ser e à existência de uma Causa organizadora do Universo, e lhes deu uma sanção definitiva. O que até então não passava de hipótese e especulação do pensamento tornou-se um fato demonstrado. A vida futura se patenteou em sua surpreendente realidade; a morte perdeu o seu aspecto aterrador; o céu aproximou-se da Terra.


O espiritualismo fez mais. Com esse conjunto de estudos e comprovações, com essa pesquisa empreendida há meio século, com todas as revelações que deles resultam, constituiu um novo ensino liberto de toda forma simbólica ou obscura, facilmente acessível, mesmo aos mais humildes, e que aos pensadores e eruditos descerra vastíssimas perspectivas dos elevados domínios do conhecimento, na concepção de um ideal superior.


Esse ensino pode satisfazer a todos, aos mais aprimorados espíritos, como aos mais modestos, mas dirige-se principalmente aos que sofrem, aos que vergam ao peso de rude labor ou de dolorosas provações; a todos os que têm necessidade de uma fé viril que os ampare em suas lides, em seus trabalhos e aflições. Ele dirige-se à grande massa humana, a essa multidão que se tornou incrédula, desconfiada, a respeito de todo dogma, de toda crença religiosa, porque reconhece que foi iludida durante séculos. Nela, todavia, ainda subsistem aspirações confusas para o bem, uma necessidade inata de progresso, de luz, de liberdade, que facilitará a irrupção da nova ideia e a sua ação regeneradora.


O espiritualismo experimental corresponde a essas necessidades inatas da alma humana, que nenhuma outra doutrina havia podido satisfazer completamente. Com a lei das vidas sucessivas, mostra-nos a justiça regulando o destino de todos os seres. Com ela, já não há graças particulares, nem privilégios, nem redenção pelo sangue de um justo, nem deserdados, nem favoritos. Todos os Espíritos que povoam a imensidade, disseminados pelo espaço ou nos mundos materiais, são filhos de suas próprias obras; todas as almas que animam corpos de carne, ou que aguardam novas encarnações, são da mesma origem e têm igual destino. Só os merecimentos, as virtudes adquiridas as distinguem; todas, porém, podem elevar-se por seus esforços e percorrer a senda dos aperfeiçoamentos infinitos. A caminho para um objetivo comum, os Espíritos constituem uma só família, subdividida em numerosos agrupamentos simpáticos, em associações espirituais, das quais a família humana é apenas um reflexo, uma abreviatura através de múltiplas encarnações, vivendo alternativamente da vida terrestre ou da vida livre dos espaços, cedo ou tarde, porém, tornando a reunir-se.


A morte perde, assim, o caráter lúgubre, aterrador que até agora lhe emprestavam. Não é mais o “rei dos assombros”, mas um renascimento, uma das condições do aumento e desenvolvimento da vida. Todas as nossas existências se ligam e formam um conjunto. A morte não é mais que a passagem de uma à outra; para o sábio, para o homem de bem, é a áurea porta que se abre para mais belos horizontes.


Quando se tiverem dissipado os preconceitos que lhe atormentam o cérebro, há de o homem compreender a serena beleza e majestade a que chama – a morte. E um erro acreditar que ela nos separa dos que nos são caros. Graças ao Espiritismo, temos a consolação de saber que os seres amados, que nos precederam no Além, velam por nós e nos guiam na senda escura da existência. Muitas vezes, estão ao nosso lado, invisíveis, prontos a nos assistir na aflição, a nos socorrer no infortúnio; e esta certeza nos infunde a serenidade de espírito, a força moral na provação. Suas comunicações, seus ditados nos suavizam as amarguras do presente, as tristezas de uma separação que é apenas aparente. Os ensinos dos Espíritos nos desenvolvem os conhecimentos e os elevados sentimentos; contribuem para nos tornar melhores, mais confiantes na bondade de Deus e no futuro.


Assim se realiza e se revela aos nossos olhos à lei da fraternidade e solidariedade que liga todos os seres e da qual a Humanidade sempre teve a intuição. Nada mais de salvação pessoal, nem de inexorável julgamento que fixe para sempre a alma longe dos que lhe são caros, mas a reparação sempre possível, com a assistência dos nossos irmãos do espaço, a união dos seres em sua ascensão eterna e coletiva.


Essa revelação nos infunde uma força nova contra os desfalecimentos, as tentações, os pensamentos maus que nos poderiam assaltar, e dos quais nos absteremos com tanto maior cuidado quanto seriam um motivo de aflição para os membros da nossa família espiritual, para os nossos amigos invisíveis.


Com o materialismo, a fraternidade não era mais que uma palavra, o altruísmo uma teoria sem fundamento nem alcance. Sem fé no futuro, o homem concentraria forçosamente toda a atenção no presente e nos gozos que ele pode comportar. A despeito de todas as solicitações de teóricos e sofistas, ele se sentia pouco disposto a sacrificar sua personalidade, seus gostos ou interesses, em proveito de uma efêmera coletividade, à qual o prendiam laços ontem formados e que amanhã se hão de desatar. – Se a morte é o fim de tudo, pensava ele, por que se impor privações que nada virá compensar? Que utilidade têm a virtude e o sacrifício, se tudo deve acabar em nada?


O resultado inevitável de semelhantes doutrinas era o desenvolvimento do egoísmo, a febricitante caçada às riquezas, a exclusiva preocupação dos gozos materiais; era o desencadeamento das paixões, dos apetites furiosos, das cobiças veementes. E daí, conforme o grau de educação, negocistas ou celerados. Sob o influxo desses sopros destruidores, a sociedade oscila em seus alicerces e, com ela, todas as noções de moralidade e de fraternidade que o novo espiritualismo chega a tempo de restaurar e consolidar.


“A crença na imortalidade – disse Platão – é o laço de toda a sociedade; despedaçai esse laço e a sociedade se dissolverá.” Nossa época, arrastada à dúvida e à negação por exageros teológicos, perdia de vista essa ideia salutar. O espiritualismo experimental lhe restitui a fé perdida, apoiando-a em bases novas e indestrutíveis.


A superioridade moral da Doutrina dos Espíritos se afirma em todos os pontos. Com ela se dissipa a ideia iníqua do pecado de um só homem, recaindo sobre todos. Não há mais proscrição nem queda coletiva; as responsabilidades são pessoais. Qualquer que seja sua condição neste mundo, tenha nascido no sofrimento e na miséria, ou seja destituído de predicados físicos, ou de brilhantes faculdades, o homem sabe que não padece um fado imerecido, mas simplesmente as consequências do seu procedimento anterior. Às vezes, também, os sofrimentos que o torturam são o resultado da sua livre escolha, desde que os aceitou como fator mais rápido de adiantamento. *


* Ver O Problema do Ser, do Destino e da Dor.


Em tal caso, a sabedoria consiste em aceitarmos, sem murmurar, a própria sorte; em desempenharmos fielmente a tarefa, em nos prepararmos, assim, para situações que se irão melhorando à proporção que, pelos nossos progressos, obtivermos acesso a melhores sociedades, livres dos jugos que pesam sobre os mundos inferiores.


Graças à doutrina dos Espíritos, o homem compreende, finalmente, o objetivo da existência; nela vê um meio de educação e reparação; cessa de maldizer o destino e acusar Deus. Sente-se livre, ao mesmo tempo, dos pesadelos do nada e do inferno, e das ilusões de um ocioso paraíso, porque a vida futura não é mais uma beatífica, inútil contemplação, a eterna imobilidade dos eleitos, ou o suplício sem fim dos condenados; é a evolução gradual; é, depois do círculo das provas e transmigrações, o círculo da felicidade e sempre a vida ativa e progressiva, a aquisição, pelo trabalho, de uma soma crescente de ciência, poder, moralidade; é participação cada vez mais extensa na obra divina, sob a forma de missões diversas – missões de dedicação e de ensinamentos, ao serviço da Humanidade.


*


Toda a gente reconhece hoje a necessidade de uma educação moral, suscetível de regenerar a sociedade e de arrancar a França a um estado de decadência que, acentuando-se todos os dias, ameaça levá-la à queda e à ruína.


Acreditou-se por muito tempo ter feito bastante, difundindo a instrução; mas a instrução sem o ensino moral é impotente e estéril. E preciso, antes de tudo, fazer da criança um homem – um homem que compreenda os seus deveres e conheça os seus direitos. Não basta desenvolver as inteligências, é necessário formar caracteres, fortalecer as almas e as consciências. Os conhecimentos devem ser completados por noções que esclareçam o futuro e indiquem o destino do ser. Para renovar uma sociedade, são necessários homens novos e melhores. Sem isso, todas as reformas econômicas, todas as combinações políticas, todos os progressos intelectuais serão insuficientes. A ordem social nunca valerá mais que o que nós próprios valemos.


Essa educação necessária, porém, em que se firmará? Não será, decerto, em teorias negativas, pois foram elas que, em parte, originaram os males do presente. Menos ainda o será em dogmas caducos, doutrinas mortas, crenças todas superficiais e aparentes, que já não têm raiz nas almas.


Não! A Humanidade não quer mais símbolos, nem lendas, nem mistérios, nem verdades veladas. Faz-se-lhe necessária a grande luz, a esplêndida irrupção do verdadeiro, que só o novo espiritualismo lhe pode fornecer.


Só ele pode oferecer à moral uma base definitiva e dar ao homem moderno as necessárias forças para suportar dignamente as suas provações, discernir-lhes as causas, reagir contra elas, cumprir em tudo o seu dever.


Com essa doutrina o homem sabe a que destino vai; seu caminhar torna-se mais firme e mais seguro. Ele sabe que a justiça governa o mundo, que tudo se encadeia, que cada um dos seus atos, mau ou bom, recairia sobre ele, através dos tempos. Nesse pensamento encontra um freio para o mal e um poderoso estímulo para o bem.


As comunicações dos Espíritos, a comunhão dos vivos e dos mortos, lhe patentearam, em sua realidade palpitante, o futuro de além-túmulo; ele sabe qual a sorte que lhe está reservada, quais as responsabilidades em que incorre, que predicados lhe cumpre adquirir para ser feliz.


Efetivamente, desde que são conhecidas as condições da vida futura, o objetivo da existência se define, a norma da vida presente se estabelece, de modo imperioso, para todo espírito zeloso do próprio futuro. Ele compreende que não veio a este mundo para desfrutar prazeres frívolos, para satisfazer pueris e fúteis ambições, mas para desenvolver as suas faculdades superiores, corrigir defeitos, pôr em prática tudo o que pode contribuir para a sua elevação.


O estudo do Espiritismo ensina que a vida é combate pela luz; a luta e as provas só hão de cessar com a conquista do bem moral. Esse pensamento retempera as almas; prepara-as para as ações nobres e para os grandes empreendimentos. Com o senso do verdadeiro, desperta em nós a confiança. Identificados com tais preceitos, não mais temeremos a adversidade nem a morte. Com ânimo intrépido, através dos golpes vibrados pela sorte, avançaremos na senda que nos é traçada, sem fraqueza nem pesar abordaremos a outra margem, quando tiver soado a nossa hora.


Por isso a influência moralizadora do Espiritismo penetra pouco a pouco nos mais diversos meios, dos mais cultos aos mais degradados e obscuros.


Temos disso uma prova no seguinte fato: em 1888, os forçados do presídio de Tarragona (Espanha) enviavam ao Congresso Espírita Internacional de Barcelona um tocante memorial, em que faziam conhecer toda a extensão do conforto moral que lhes havia proporcionado o conhecimento do Espiritismo. *


* Ver a resenha do Congresso Espírita de Barcelona, 1888. Livraria das Ciências psíquicas, Paris.


Pode-se também verificar, nos centros operários onde se tem divulgado o Espiritismo, uma sensível modificação dos costumes, uma resistência mais enérgica a todos os excessos em geral, e às teorias anarquistas em particular. Graças aos conselhos dos Espíritos, muitos hábitos viciosos têm sido coibidos e a paz se restabeleceu em muitos lares perturbados. Com a crença perdida, esses ensinos, em tais meios, têm feito renascer virtudes hoje em dia raras.


Era edificante espetáculo ver, por exemplo, todos os domingos afluírem a Jumet (Bélgica), de todos os pontos da bacia de Charleroi, inúmeras famílias de mineiros espíritas. Reuniam-se numa ampla sala, onde, depois das preliminares usuais, escutavam, com recolhimento, as instruções que seus guias invisíveis lhes transmitiam pela boca dos médiuns manifestados. Era por intermédio de um deles, simples trabalhador mineiro, pouco letrado, a exprimir-se habitualmente em dialeto walão, que se manifestava o Espírito do cônego Xavier Mouls, sacerdote de grande valor e acrisoladas virtudes, a quem se deve a vulgarização do magnetismo e do Espiritismo nos corons *. Mouls, depois de rudes provas e cruéis perseguições, deixara a Terra, mas seu Espírito continuou sempre a velar pelos queridos mineiros. Todos os domingos, tomava posse dos

órgãos do seu médium favorito e, após uma citação dos sagrados textos, com eloquência verdadeiramente sacerdotal desenvolvia, em presença de todos, em francês, durante uma hora, o tema escolhido, falando ao coração e à inteligência dos seus ouvintes, exortando-os ao cumprimento do dever, à submissão às leis divinas. Por isso, a impressão produzida naquela honrada gente era bem profunda. O mesmo se dá em todos os meios em que o Espiritismo é praticado com seriedade, pelos humildes deste mundo.


* Habitações dos mineiros belgas.


Às vezes, Espíritos de mineiros, conhecidos dos assistentes e que com eles partilharam a mesma laboriosa existência, se lhes manifestavam. Eram facilmente reconhecidos por sua linguagem, por suas expressões familiares, por mil particularidades psicológicas que são outras tantas provas de identidade. Descreviam a vida no espaço, as sensações experimentadas na ocasião da morte, os sofrimentos morais resultantes de um passado culposo, de perniciosos hábitos contraídos, de pendores para a maledicência ou para o alcoolismo, e essas comovedoras descrições, cheias de animação e de originalidade, exerciam no auditório um grande efeito moral, uma impressão profunda e salutar. Daí uma sensível transformação nas ideias e nos costumes.


Considerando esses fatos, bem numerosos já e que se multiplicam dia a dia, pode-se desde logo calcular o número considerável de pobres almas que o Espiritismo fortaleceu e consolou. Ele preservou do suicídio grande número de desesperados. Demonstrando-lhes a realidade da sobrevivência, restituiu-lhes a coragem e o apreço à vida.


Não cometeremos exagero dizendo que milhares de seres humanos, pertencentes a diversas confissões religiosas, protestantes e católicas – e mesmo representantes oficiais dessas religiões a quem a morte de parentes e as provações haviam acabrunhado – encontraram na comunhão dos mortos, em lugar de uma indecisa fé, uma convicção positiva, uma inabalável confiança na imortalidade.


Eis aqui o que um pastor protestante escrevia a Russell Wallace, acadêmico inglês, depois de haver comprovado a realidade dos fenômenos espíritas:


“A morte é agora para mim uma coisa muito diferente do que foi outrora; depois de ter experimentado enorme acabrunhamento consequente à morte de meus filhos, sinto-me atualmente cheio de esperança e de alegria; sou outro homem”. *


* Russell Wallace, O moderno espiritualismo, página 295.


A esses testemunhos, tão eloquentes de simplicidade, poder-se-iam opor, é certo, as fraudes, os hábitos de embuste, o charlatanismo e a mediunidade venal, em uma palavra: todos os abusos originados, em certos casos, de uma péssima prática experimental do Espiritismo, e aos quais já nos referimos.


Mas os que se entregam a semelhantes exercícios provam, por isso mesmo, a sua ignorância do Espiritismo. Se lhe compreendessem as leis e os preceitos, saberiam o que lhes reservam atos que são outras tantas profanações. Saberiam ao que se expõem os que fazem de uma coisa respeitável e sagrada, em que se não deve tocar senão com recolhimento e piedade, meio vulgar de exploração, um comércio vergonhoso.


Lembrar-nos-ão, também, a influência dos maus Espíritos, as comunicações apócrifas, subscritas por nomes célebres, os casos de obsessão e possessão. Mas essas influências foram exercidas, esses fatos se produziram em todos os tempos; sempre os homens estiveram expostos – muitas vezes sem lhes conhecerem as causas – às más ações dos invisíveis de ordem inferior, e o estudo do Espiritismo vem precisamente fornecer os meios de afastar essas influências, de agir sobre os Espíritos malfazejos, de os encaminhar ao bem pela evocação e pela prece.


A ação salutar do Espiritismo não se exerce, com efeito, unicamente sobre os homens; estende-se também aos habitantes do espaço. Mediante relações estabelecidas entre os dois mundos, os adeptos esclarecidos podem agir sobre os Espíritos inferiores e, com palavras de piedade e consolação, sábios conselhos, arrancá-los ao mal, ao ódio, ao desespero.


E nisso há um dever imperioso, o dever de todo ser superior para com os seus irmãos retardatários, de um ou de outro mundo. É o dever do homem de bem, que o Espiritismo eleva à dignidade de educador e guia dos Espíritos ignorantes ou perversos, a ele enviados para serem instruídos, esclarecidos, melhorados. É, ao mesmo tempo, o mais seguro meio de sanear fluidicamente a atmosfera da Terra, o ambiente em que se agita e vive a Humanidade.


É nesse intuito que todo círculo espírita de alguma importância consagra parte das suas sessões à instrução e moralização das almas culpadas. Graças à solicitude que lhes é testemunhada, às caritativas advertências e, sobretudo, às preces fervorosas que recaem sobre eles em magnéticos eflúvios, não é raro ver os mais endurecidos Espíritos reconciliados com melhores sentimentos, porém por si mesmos um termo às dolorosas obsessões com que perseguiam suas vítimas.


Com suas errôneas concepções da vida de além-túmulo, com sua doutrina da condenação eterna, obstou por muito tempo a Igreja o cumprimento desse dever. Ela havia interdito toda relação entre os Espíritos e os homens, cavando entre eles fundo abismo. Todos os que, ao deixarem a Terra, eram considerados condenados por seus crimes, viam interceptar-se, do lado dos homens, toda comunicação, dissipar-se toda possibilidade de aproximação e, consequentemente, toda esperança de socorro moral e de consolação.


O mesmo acontecia do lado do céu, porque os Espíritos elevados, em virtude da natureza sutil do seu invólucro, dos seus fluidos etéreos pouco em harmonia com os dos Espíritos inferiores, encontram muito mais dificuldade do que os homens em comunicar com eles, em razão da diferença de afinidade. Todas as pobres almas errantes, torturadas pela angústia, assaltadas pelas recordações pungentes do passado, achavam-se abandonadas a si próprias, sem que um pensamento amigo, como um raio de sol, pudesse iluminar as suas trevas. Imbuídas, na maior parte, de inveterados prejuízos, convencidas muitas vezes, por falsa educação, da realidade das penas eternas que supunham estar sofrendo, a situação se lhes tornava horrível e suscitava, muitas vezes, pensamentos de raiva e de furor, uma necessidade de vingança que procuravam saciar nos homens fracos ou propensos ao mal.


A ação maléfica desses Espíritos aumentava, por esse mesmo fato, o abandono em que jaziam.


Retidos por seus fluidos grosseiros, na atmosfera terrestre, em permanente contacto com os homens acessíveis à sua influência e podendo fazer-lhes sentir a sua própria, eles não visavam senão um fim: fazer os homens compartilharem das torturas que acreditavam sofrer.


Foi por isso que, durante toda a Idade Média, época em que foram interditas as relações com o mundo invisível, consideradas criminosas e passíveis da pena do fogo, viram-se multiplicar, durante longos séculos, os casos de obsessão, de possessão, e dilatar-se a perniciosa influência dos Espíritos do mal. Em lugar de procurar congraçá-los por meio de preces e benévolas exortações, a Igreja não teve para eles senão anátemas e maldições; ela não procede senão por exorcismos, recurso além do mais impotente, cujo único resultado é irritar os maus Espíritos, provocar-lhes réplicas ímpias ou cínicas, e os atos indecentes ou odiosos, que sugerem às suas vítimas.


Perdendo de vista as puras tradições cristãs, sufocando as vozes do mundo invisível com a ameaça da fogueira e das torturas, a Igreja repudiou a grande lei de solidariedade que une todas as criaturas de Deus em sua ascensão comum, impondo às mais adiantadas a obrigação de trabalhar por instruir e regenerar suas irmãs inferiores. Durante séculos ela privou o homem dos socorros, dos esclarecimentos, dos inestimáveis recursos que proporciona a comunhão dos Espíritos elevados. Privou as gerações dessas permutas de ternura com os amados entes que nos antecederam na outra vida, permutas que são a alegria, a consolação suprema dos aflitos, dos isolados na Terra, de todos os que padecem as angústias da separação. Privou a Humanidade desse fluxo de vida espiritual que desce dos espaços, retempera as almas e reanima os tristes corações desfalecidos.


Assim se fez, pouco a pouco, a obscuridade nas doutrinas e nos cérebros, velaram-se as mais cintilantes verdades, surgiram pueris ou odiosas concepções, à míngua de toda crítica e exame. E a dúvida se espalhou, o espírito de cepticismo e negação invadiu o mundo. *


* A Igreja, pelo órgão dos seus mais autorizados teólogos, julgou ter o direito de afirmar que nenhum sentimento de piedade e caridade subsistia no coração dos crentes e dos bem-aventurados a respeito dos que tivessem, porventura, sido seus pais, parentes, companheiros de existência neste mundo: "Os eleitos, no céu, não conservam sentimento algum de amor e amizade pelos réprobos; não sentem por eles compaixão alguma e até gozam do suplício de seus amigos e parentes." "Os eleitos o gozam no sentido de que se sentem isentos de torturas, e que, por outro lado, neles terá expirado toda compaixão, porque admirarão a justiça divina". (Summa Theologla, de S. Tomás de Aquino; suplemento da parte III, quest. 95, arts. 1, 2 e 3, edição de Lião, 1685, t. 11, pág. 425) É também essa a opinião de S. Bernardo (Tratado de Diligendo Deu, cap. XV, 40; edição Mabillon, t. 1, col. 601). Daí a consequência tirada por certos autores místicos: “Para chegar, desde este mundo, à vida perfeita, é preciso não conservar ligação alguma culposa; se, pois, um pai, mãe, marido ou esposa, etc., morreram como criminosos, ostensivamente e em estado de pecado mortal, convém arrancar do coração toda a lembrança deles, pois que são perpetuamente odiados por Deus e ninguém os poderia amar sem impiedade’”. Doutrina monstruosa, destruidora de toda a ideia familiar e bem diferente dos ensinos do Espiritismo, que fortificam o espírito da família, mostrando-nos os vínculos que ligam seus membros, preexistentes e persistentes na vida do espaço. Nenhuma alma é odiada por Deus. O Amor infinito não pode odiar. A alma criminosa expia, redime-se, cedo ou tarde se reabilita com o auxílio de suas irmãs mais adiantadas.


O Espiritismo vem restabelecer essa comunhão das almas, que é fonte de energia e luz. Fazendo-nos conhecer a vida futura sob aspectos verdadeiros, nos liga a todas as potências do infinito e nos torna aptos para receber as suas inspirações. Os ensinos dos Espíritos superiores, os conselhos de nossos amigos do além-túmulo, exercem em nós mais profunda impressão do que todas as exortações lançadas do púlpito, ou as lições da mais elevada filosofia.


Fazendo-nos ver nos maus Espíritos almas extraviadas, suscetíveis de retorno ao bem, fornecendo-nos os meios sobre eles agir, de suavizar-lhes a sorte, de preparar-lhes a reabilitação, o Espiritismo estanca um antagonismo deplorável; torna impossível a reprodução das cenas de possessão de que o passado está repleto. Inspira ao homem a única atitude conveniente para com os Espíritos elevados, que são seus mestres e guias e para com os Espíritos inferiores, que são seus irmãos.


Prepara-o para preencher dignamente a tarefa que lhe impõe a lei de solidariedade e caridade que liga todos os seres. O Espiritismo, como se vê, exerce em todos os meios benéfica influência.


No espaço, melhora o estado dos Espíritos inferiores, permitindo aos homens esclarecidos colaborarem em sua reabilitação. Na Terra introduz, na ordem social, poderosos elementos de moralização, conciliação e progresso. Esclarecendo os obscuros problemas da existência, oferece remédio eficaz contra as utopias perigosas, contra as imoderadas ambições e as teorias dissolventes. Aplaca os ódios, acalma as paixões violentas e restabelece a disciplina moral, sem a qual não pode haver entre os homens nem paz, nem harmonia.


Aos brados ameaçadores, às reivindicações tumultuosas, que das turbas às vezes se levantam, aos pregões à violência, às imprecações contra a sorte, vêm responder a voz dos Espíritos: Homens, recolhei-vos em vosso íntimo, aprendei a conhecer-vos, conhecendo as leis que regem as sociedades e os mundos. Falais constantemente dos vossos direitos; aprendei que possuís unicamente os que vos conferem o vosso valor moral, o vosso grau de adiantamento. Não invejeis a riqueza: ela impõe grandes deveres e onerosas responsabilidades. Não aspireis à vida de ociosidade e luxo; o trabalho e a simplicidade são os melhores instrumentos do vosso progresso e felicidade porvindoura. Sabei que tudo é regulado com equidade, que nada é entregue às contingências do acaso. A situação do homem, neste mundo, é a que para si próprio preparou. Suportai, pois, com paciência os sofrimentos necessários, escolhidos por vós mesmos. A dor é um meio de elevação; o sofrimento do presente repara os erros de outrora e engendra as felicidades do futuro.


A existência terrestre não é mais que uma página do grande livro da vida, uma breve passagem que liga duas imensidades – a do passado e a do futuro. O globo que habitais é apenas um ponto no espaço, uma estância inferior, um lugar de educação, de preparação para mais altos destinos. Não julgueis, pois; não meçais a obra divina com o exíguo estalão e no círculo restrito do presente. Compreendei que a justiça eterna não é a justiça dos homens; ela não pode ser apreciada senão em suas relações no conjunto das nossas existências e a universalidade dos mundos. Confiai-vos à Suprema Sabedoria; desempenhai a tarefa que ela vos distribui e que, livremente, antes de nascerdes, haveis aceitado. Trabalhai com intrepidez e consciência em melhorar a vossa sorte e a dos vossos semelhantes; esclarecei a inteligência, desenvolvei a razão. Quanto mais árdua vos for a tarefa, mais rápido será o vosso adiantamento. A fortuna e o prazer não são mais que embaraços para quem deseja elevar-se. Deste mundo não se levam bens nem honras, mas, unicamente, as aptidões adquiridas e os aperfeiçoamentos realizados; nisso consistem as riquezas imperecíveis, contra as quais a morte nada pode.


Erguei o olhar acima da Terra. Com a proteção dos invisíveis, dos vossos guias espirituais cujos socorros não vos faltarão se os invocardes com fervor, avançai resolutamente no caminho da vida. Amai vossos irmãos; praticai com todos a caridade e a justiça. Lembrai-vos de que constituís, todos, uma grande família oriunda de Deus, e que vos sonegar a vossos irmãos é sonegar a eterna bondade de Deus, que é pai comum; é vos sonegardes a vós mesmos, que não fazeis com eles mais que um só, no pensamento criador d'Aquele a quem tudo devemos.


Porque a única felicidade, a única harmonia possível neste mundo não é realizável senão pela união com os nossos semelhantes, união pelo pensamento e pelo coração, enquanto da divisão procedem todos os males: a desordem, a confusão, a perda de tudo o que constitui a força e a grandeza das sociedades.


Suscita-se frequentemente esta questão: o moderno espiritualismo é uma ciência, ou uma religião?


Até agora esses dois sulcos traçados pelo espírito humano em sua secular pesquisa da verdade conduziram a opostos resultados, indício manifesto do estado de inferioridade do pensamento, comprimido, escravizado, limitado em seu campo de ação. Prosseguindo, porém, a sua marcha, um dia forçosamente chegará – e esse dia vem próximo – em que o espírito humano atingirá um domínio comum a essas duas formas da ideia; aí se hão de elas fusionar, unificar-se em uma síntese, em uma concepção da vida e do Universo que há de abranger o presente e o futuro e fixar as leis eternas do destino.


O moderno espiritualismo, ou espiritualismo integral, será o terreno em que se há de efetuar essa aproximação. Nenhuma outra doutrina pode fornecer à Humanidade essa concepção geral que, do mais íntimo da vida inferior, eleva o pensamento às culminâncias da Criação, até Deus, e liga todos os seres numa intermita cadeia.


Quando essa concepção tiver penetrado nas almas, quando se houver constituído o princípio de educação, o alimento intelectual, o pão de vida de todos os filhos dos homens, já não haverá possibilidade de separar a Ciência da Religião e, ainda menos, de combater uma em nome da outra, porque a Ciência, até agora encerrada no círculo da vida terrestre e do mundo material, terá reconhecido o invisível e levantado o véu que oculta a vida fluídica; terá sondado o Além, para lhe determinar as formas e precisar as leis. E a existência futura, a ascensão da alma em seus inumeráveis domicílios, já não será uma hipótese, uma especulação destituída de provas, senão a realidade viva e palpitante.


Não será possível combater a Religião em nome da Ciência, porque a Religião não será mais o dogma acanhado e exclusivo, o culto material que houvermos conhecido; será o remate triunfal de todas as conquistas, de todas as aspirações do espírito humano; será o surto do pensamento que se apoia na certeza experimental, na comprovada evidência do mundo invisível, na cognitiva apreensão de suas leis, e, firme nessa base sólida, se eleva para a Causa das causas, para a soberana Inteligência que preside à ordem do Universo, para abençoá-la, por lhe haver concedido a possibilidade de penetrar suas obras e associar-se a elas.


Então, cada qual compreenderá que ciência e religião não eram mais que palavras, necessárias para designar as flutuações do pensamento em seus primeiros ensaios infantis, estado transitório do Espírito em sua evolução para a verdade. E esse estado terá desaparecido com as sombras da ignorância e da superstição, para ceder o lugar ao Conhecimento, ao conhecimento real da alma e do seu futuro, do Universo e de suas leis; com esse conhecimento, virão a luz e as energias que permitirão, finalmente, à alma humana ocupar o lugar que lhe pertence e desempenhar o seu verdadeiro papel na obra da Criação.


Sempre a Ciência se desvaneceu com as suas conquistas e o seu orgulho é bem legítimo. Incompleta e variável, entretanto, a Ciência não é mais que o conjunto das concepções de um século, que a Ciência do século seguinte ultrapassa e submerge. A despeito das suas cegas negações e acanhada obstinação, dia a dia são as opiniões dos sábios desmentidas nalgum ponto. Desmoronam-se teorias penosamente arquitetadas, para cederem o lugar a outras teorias. Através da sucessão dos tempos, o pensamento se desdobra e avança, mas, em sua marcha, quantas hesitações, quantos períodos de eclipse e mesmo de recuo!


Considerando os preconceitos e a rotina da Ciência foi que se levantaram veementes, contra ela, certos escritores e a acusaram de incapacidade e de falência. Era uma acusação injusta. Como o demonstramos, a “bancarrota” não atingiu senão os sistemas materialistas e positivistas. No sentido oposto, a teologia e a escolástica, impelindo os espíritos para o misticismo, haviam provocado inevitável reação.


O misticismo e o materialismo fizeram sua época. O futuro pertence à nova ciência, à ciência psíquica, que estuda todos os fenômenos e lhes pesquisa as causas, reconhece a existência de um mundo invisível e, com todas as análises que possui, formulará uma síntese magnífica da vida e do Universo, para difundir o seu conhecimento por toda a Humanidade.

Ela destruirá a noção do sobrenatural, mas franqueará às investigações humanas ignorados domínios da Natureza, que encerram inesgotáveis riquezas.


É sob a influência do Espiritismo experimental que essa evolução científica já se vai efetuando. É a ele, digam o que disserem, que a nova ciência deve a vida, porque, sem o impulso que ele imprimiu ao pensamento, essa ciência estaria ainda por nascer.


O Espiritismo traz a cada ciência os elementos de uma verdadeira renovação. Pela comprovação dos fenômenos, conduz a Física à descoberta das formas sutilíssimas da Matéria.


Esclarece todos os problemas da Fisiologia pelo conhecimento do corpo fluídico. Sem a existência deste, seria impossível explicar a aglomeração, na forma orgânica e sobre um plano determinado, das inúmeras moléculas que constituem o nosso invólucro terrestre, do mesmo modo que a conservação da individualidade e da memória, através das constantes mutações do corpo humano.


Graças ao Espiritismo, a Psicologia já se não sente embaraçada por tantas questões obscuras e, particularmente, pela das personalidades múltiplas, que se sucedem sem se conhecerem, no mesmo indivíduo. As experiências espíritas fornecem à Patologia os meios de curar a obsessão e os inúmeros casos de loucura e alucinação que com ela se relacionam. A prática do magnetismo, a utilização dos fluidos curativos, revolucionam e transformam a Terapêutica.


O espiritualismo integral nos faz melhor compreender a evolução da vida, mostrando-nos o seu princípio nos progressos psíquicos do ser, que constrói e aperfeiçoa, por si mesmo, as suas formas através dos tempos.


Essa evolução, em que as nossas vidas terrestres não representam mais que uma fase transitória, simples paradas em nossa grande jornada ascensional através dos mundos, vem confirmar os testemunhos da Astronomia, que mostra a exígua importância do nosso planeta no conjunto do Universo, e conclui pela habitabilidade das outras terras do espaço.


É assim que o Espiritismo vem enriquecer e fecundar os mais diversos domínios do pensamento e da Ciência. Esta se havia limitado ao estudo do mundo sensível, do mundo inferior da matéria. O Espiritismo, demonstrando a existência de um mundo fluídico que é o complemento, o prolongamento daquele lhe descerra ilimitados horizontes, facultando-lhe maior impulso e desenvolvimento. E, como esses dois mundos se ligam e reagem constantemente um sobre o outro, sendo incompleto o conhecimento de um sem o conhecimento do outro, o Espiritismo, aproximando-os, unindo-os, vem tornar possíveis a explicação dos fenômenos da vida e a solução dos múltiplos problemas em cuja presença permanecera a Ciência impotente e muda até agora. Vem finalmente libertar a Humanidade dos sistemas restritivos, da rotina obstinada, para fazê-la participar da vida ampla, infinita.


A obra é imponente e grandiosa. O novo espiritualismo convida a se lhe associarem todas as inteligências, todas as almas generosas, todos os espíritos ávidos de luz e de ideal. O campo de ação que lhes faculta, as riquezas que lhes oferece, não têm limites. Sábios, poetas, pensadores e artistas, todos quantos se sentem apaixonados de ciência profunda, beleza ideal, harmonia divina, hão de nele encontrar uma fonte inesgotável de inspirações.


A doutrina das transmigrações, a magnífica epopeia da vida imortal que se desdobra na superfície dos mundos, oferecerá tema à produção de obras-primas, que excederão em magnitude as geniais concepções de outrora.


Essa ação renovadora far-se-á igualmente sentir nas religiões, posto que muito mais lenta e dificilmente. Dentre todas as instituições humanas, são estas, com efeito, as mais refratárias a qualquer reforma, a qualquer impulso para frente; todavia, estão, como todas as coisas, sujeitas à lei divina do progresso.


No plano superior de evolução, cada símbolo, cada forma religiosa deve ceder o lugar a concepções mais altas e mais puras. O Cristianismo não pode desaparecer, porque os seus princípios contêm o germe de renascimentos infinitos; deve, porém, despir as diferentes formas revestidas no curso das idades, regenerar-se nas fontes da nova revelação, apoiar-se na ciência dos fatos e voltar a ser um manancial de fé viva.


Nenhuma concepção religiosa, nenhuma forma cultural é imutável. Dia virá em que os dogmas e cultos atuais irão reunir-se aos destroços dos antigos cultos; o ideal religioso, porém, não há de perecer; os preceitos do Evangelho dominarão sempre as consciências, como a grande figura do Crucificado dominará o fluxo dos séculos.


As crenças, as diferentes religiões, tomadas em sua ordem sucessiva, poderiam, numa certa medida, ser consideradas os degraus que o pensamento galga em ascensão para concepções cada vez mais vastas da vida futura e do ideal divino. Sob este prisma, têm sua razão de ser; mas chega sempre um tempo em que as mais perfeitas se tornam insuficientes, um momento em que o espírito humano, em suas aspirações e impulsos, eleva-se acima do círculo das crenças usuais, para buscar mais completa forma do conhecimento.


Então ele percebe o encadeamento que prende todas essas religiões. Compreende que todas se ligam por uma base de princípios comuns, que são as imperecíveis verdades, ao passo que todo o resto – formas, ritos e símbolos, são coisas transitórias, passageiros acidentes da história humana.


Sua atenção, desviando-se dessas formas, dessas expressões religiosas, volta-se para o futuro. Aí vê elevar-se acima de todos os templos, de todas as religiões exclusivistas, uma religião mais vasta que a todos abrangerá, que já não terá ritos nem dogmas, nem barreiras, mas dará testemunho dos fatos e das verdades universais – uma Igreja que, por sobre todas as seitas e todas as igrejas, estenderá as vigorosas mãos para proteger e abençoar. Vê erigir-se um templo em que toda a Humanidade, recolhida e prosternada, unirá os pensamentos e as crenças numa idêntica comunhão de fé, que se resumirá nestas palavras: Pai nosso que estais nos céus!


Tal será a religião do futuro, a religião universal. Não será uma instituição fechada, uma ortodoxia regida por estreitas normas, senão uma fusão dos corações e dos espíritos.


O moderno espiritualismo, com o movimento de ideias que provoca, prepara o seu advento. Sua ação crescente arrancará as atuais igrejas à imobilidade que as detém e as obrigará a voltarem-se para a luz que se espraia no horizonte.


É verdade que, em presença dessa luz, à vista das profundezas que vem iluminar, muitas almas aferradas ao passado tremem ainda e sentem-se tomadas de vertigem. Temem pela sua fé, pelo seu ideal envelhecido e vacilante; deslumbra-as essa luz demasiado viva. Não é Satanás, dizem elas, quem faz brilhar aos olhos dos homens uma enganadora miragem? Não será isso obra do Espírito do mal?


Tranquilizai-vos, pobres almas, não há outro Espírito do mal senão a ignorância. Essa radiação é o chamamento de Deus que quer dele vos aproximeis, que abandoneis as obscuras regiões, a fim de pairardes nas esferas luminosas.


As igrejas cristãs não têm razão de se alarmarem com esse movimento. A nova revelação não as vem destruir, mas esclarecê-las, regenerá-las, fecundá-las. Se a souberem compreender e aceitar, nela encontrarão inesperado auxílio contra o materialismo que incessantemente lhes açoita as bases com suas ondas rugidoras; nela hão de encontrar um novo potencial de vida.


Já reparastes nessas grutas guarnecidas de estalactites e de alvíssimos cristais e nas galerias subterrâneas das minas de diamantes? Todas as suas riquezas se acham imersas na sombra. Nada revela o esplendor que ali se oculta. Penetre, porém, a luz no seu interior, tudo imediatamente se ilumina; cintilam os cristais e o precioso mineral; as abóbadas, as paredes, tudo, em chispas deslumbrantes, resplandece.


Essa luz é a que o novo espiritualismo traz às igrejas. Sob os seus raios, todas as riquezas ocultas do Evangelho, todas as gemas da doutrina secreta do cristianismo, sepultadas sob a densidade do dogma, todas as verdades veladas saem da noite dos séculos e reaparecem com todo o esplendor. Eis o que a nova revelação vem oferecer às religiões. É um socorro do céu, uma ressurreição das coisas mortas e esquecidas, que elas encerram em seu seio. É uma nova floração do pensamento do Mestre, aformoseada, enriquecida, restituída à plena luz pelos cuidados dos Espíritos celestes.


Compreendê-lo-ão as igrejas? Sentirão elas o poder da verdade que se manifesta e a grandeza do papel que lhes cumpre desempenhar, ainda, se o souberem reconhecer e assimilar? Não o sabemos. Mas o que é certo é que em vão tentariam combatê-la, embaraçar-lhe a marcha ou lhe detendo o surto: “Nisso está à vontade de Deus – dizem as vozes do espaço! – os que contra ela se levantarem serão despedaçados e dispersos. Nenhuma força humana, nenhum dogma, nenhuma perseguição seriam capazes de impedir a nova doação, complemento necessário do ensino do Cristo, por ele anunciada e dirigida.”


Dito foi: “Quando chegarem os tempos, eu derramarei o meu espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; os mancebos terão visões e os velhos sonharão sonhos.”


É chegada essa época. A evolução física e o desenvolvimento intelectual da Humanidade fornecem aos Espíritos superiores bem destros instrumentos, organismos bem aperfeiçoados para lhes permitirem que manifestem sua presença e espalhem suas instruções. Tal o sentido dessas palavras.


As potências do espaço estão em atividade, por toda parte sua ação se faz sentir. Mas, perguntar-nos-ão, quais são essas potências?


Membros e representantes das igrejas do mundo, ouvi e gravai em vossa memória:


Lá, muito acima da Terra, nos campos vastíssimos do espaço vive, pensa, trabalha uma Igreja invisível, que vela pela Humanidade.


Ela se compõe dos apóstolos, dos discípulos do Cristo e de todos os gênios dos tempos cristãos. Perto deles encontrareis também os elevados Espíritos de todas as raças que viveram neste mundo em conformidade com a lei de amor e caridade.


Porque os julgamentos do céu não são os julgamentos da Terra. Nos etéreos espaços não se pedem contas às almas dos homens, nem de sua raça, nem de sua religião, mas de suas obras e do bem que praticaram.


E a Igreja universal; não é restrita como as igrejas convencionais da Terra; abrange os Espíritos de todos os que sofreram pela verdade.


São as suas decisões, inspiradas por Deus, que regem o mundo; é a sua vontade que subleva, nos momentos escolhidos, as grandes vagas da ideia e impele a Humanidade para o abrigado porto, através dos temporais e dos escolhos. É ela que dirige a marcha do moderno espiritualismo e patrocina o seu desenvolvimento. Por ela combatem os Espíritos que a constituem: uns, do seio dos espaços, influindo sobre os seus defensores – porque não há distâncias para o Espírito, cujo pensamento vibra através do infinito; – outros, baixando à Terra, onde, às vezes revestidos, eles próprios, de um corpo de carne, renascem entre os homens para desempenhar ainda o papel de missionários divinos.


Deus guarda em reserva outras forças ocultas, outras almas de escol para a hora da renovação. Essa hora será anunciada por grandes crises e sucessos dolorosos. É necessário que as sociedades sofram; é preciso que o homem seja ferido para cair em si, para sentir o pouco que é e abrir o coração às influências do Alto. A Terra há de presenciar dias tenebrosos, dias de luto; tempestades se hão de desencadear. Para que germine o grão, são necessárias as nevadas e a triste incubação do Inverno. Violentos sopros virão dissipar as névoas da ignorância e os miasmas da corrupção.


Mas passarão as tempestades; o céu reaparecerá em sua limpidez. A obra divina se expandirá em um novo surto. A fé renascerá nas almas e novamente irradiará, mais fulgurante, sobre o mundo regenerado, o pensamento de Jesus.


Retornar