Cap. 10


A Nova Revelação – a Doutrina dos Espíritos


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O moderno espiritualismo, dissemo-lo, é uma nova forma da revelação eterna.


Para nós, revelação significa simplesmente ação de levantar um véu e descobrir coisas ocultas.


Neste ponto de vista, todas as ciências são revelações; há, porém, uma ainda mais alta das verdades morais que nos vêm por intermédio dos celestes missionários e, mais frequentemente, pelas aspirações da consciência.


Todos os tempos e todos os povos tiveram sua parcela de revelação. Esta não é, como alguns acreditam, um fato realizado em dada época, em determinado meio e para sempre. É perpétua, incessante; é obra do espírito humano em seus esforços para elevar-se, sob a influência do espírito divino, ao conhecimento integral das coisas e das leis. Essa influência muitas vezes se produz sem que a perceba o homem. É mediante intervenções humanas que Deus age sobre a Humanidade, tanto no domínio dos fatos históricos, como no do pensamento e da Ciência.


À medida que se desenvolve a História, à medida que se estende através dos séculos à imensa caravana da Humanidade, uma luz mais viva se faz em nós e ao redor de nós. A Potência invisível que do seio dos espaços acompanha essa marcha, conforme o nosso grau de evolução e compreensão, oferece-nos novos dados sobre o problema da vida e do Universo.


As revelações dos séculos passados fizeram a sua obra. Todas realizaram um progresso, uma sobre as outras, assim assinalando períodos sucessivos da Humanidade; mas já não correspondem às necessidades da hora presente, porque a lei do progresso opera sem cessar e, à medida que o homem avança e se eleva, seus horizontes devem dilatar-se. Por isso uma dispensação mais completa do que as outras se efetua agora no mundo.


É necessário também recordar uma coisa, a saber: se cada época notável teve os seus reveladores; se espíritos eminentes vieram trazer aos homens, conforme os tempos e lugares, elementos de verdade e progresso, os germes por eles semeados ficaram estéreis, muitas vezes. Sua doutrinas, mal compreendidas, deram origem a religiões que se excluem e se condenam injustamente, porque todas são irmãs e repousam sobre duas bases comuns: Deus e a imortalidade. Cedo ou tarde, elas se fundirão em vasta unidade, quando as névoas que envolvem o pensamento humano se houverem dissipado ao sol brilhante da verdade.


Ao lado desses divinos mensageiros, muitos falsos profetas têm surgido. Pretensos reveladores têm querido impor-se às multidões; doutrinas confusas e contraditórias se têm divulgado em proveito aparente de alguns, mas realmente em prejuízo de todos.


É por isso, para evitar abusos tais, que a nova revelação reveste um caráter inteiramente diferente. Não é mais uma obra individual, nem se produz num meio circunscrito. É dada em todos os pontos do globo, aos que a procuram, por intermédio de pessoas de todas as idades, condições e nacionalidades, mediante inúmeras comunicações, cujo valor tem sido submetido à mais rigorosa verificação.


Obra dos grandes Espíritos do espaço, que vêm aos milhares instruir e moralizar a Humanidade, apresenta um cunho impessoal e universal. Sua missão é esclarecer, coordenar todas as revelações do passado, contidas nos livros sagrados das diversas raças humanas e veladas sob a parábola e o símbolo. A nova revelação, livre de qualquer forma material, manifesta-se diretamente à Humanidade, cuja evolução intelectual tornou-se apta para abordar os altos problemas do destino. Preparada pelo trabalho das ciências naturais, sobre as quais se apoia, e pelos conhecimentos lentamente adquiridos pelo espírito humano, fecunda esses trabalhos e conhecimentos e os liga por forte vínculo, formando um todo sólido.


A revelação cristã havia sucedido à revelação mosaica; a revelação dos Espíritos vem completá-la. O Cristo a anunciou, * e pode-se acrescentar que ele próprio preside a esse novo surto do pensamento.


*"E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco o Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê nem o conhece". (João, XVI, 16, 17)


Como essa revelação não se efetua pelo veículo da ortodoxia, vemos combaterem-na as igrejas estabelecidas; o mesmo, porém, se deu com a revelação cristã, relativamente ao sacerdócio judaico. O clero se encontra hoje na mesma posição dos sacerdotes de Israel, há dois mil anos, a respeito do Cristianismo. Essa aproximação histórica deve fazê-lo refletir.


A nova revelação manifesta-se fora e acima das igrejas. Seu ensino dirige-se a todas as raças da Terra. Por toda parte os Espíritos proclamam os princípios em que ela se apoia. Por sobre todas as regiões do globo perpassa a grande voz que convida o homem a meditar em Deus e na vida futura. Acima das estéreis agitações e das discussões fúteis dos partidos, acima das lutas de interesse e do conflito das paixões, a voz profunda desce do espaço e vem oferecer a todos, com o ensinamento da Palavra, a divina esperança e a paz do coração.


É a revelação dos tempos preditos. Todos os ensinos do passado, parciais, restritos, limitados na ação que exerciam, são por ela ultrapassados, envolvidos. Ela utiliza os materiais acumulados; reúne-os, solidifica-os para formar um vasto edifício em que o pensamento, à vontade, possa expandir-se. Abre uma fase nova e decisiva à ascensão da Humanidade.


*


Não podemos, todavia, calar as inúmeras objeções que se levantaram contra a doutrina dos Espíritos. Malgrado o caráter imponente da nova revelação, muitos nela não viram mais que um sistema, uma teoria especulativa. Mesmo entre os que admitiam a realidade dos fenômenos, houve quem acusasse os espíritas de haver edificado sobre tais fatos uma doutrina prematura, assim restringindo o caráter positivo do moderno espiritualismo.


Os que empregam essa linguagem não compreenderam a verdadeira natureza do Espiritismo. Este não é, como pretendem, uma doutrina previamente elaborada e menos ainda uma teoria preconcebida; é apenas a consequência lógica dos fatos, o seu complemento necessário.


Há meio século, as comunicações estabelecidas com o mundo invisível não têm cessado de nos fornecer indicações, tão numerosas quão positivas, sobre as condições da vida nesse mundo. Os Espíritos, nas mensagens que nos dão em abundância, mediante, quer a escrita automática, quer os ditados tipológicos, ou, ainda, no curso de palestras entretidas por via de incorporação; por todos os meios, enfim, ao seu alcance; os Espíritos, repetimo-lo, de todas as categorias, fazem descrições muito circunstanciadas do seu modo de existência depois da morte. Descrevem as impressões ou alegrias que experimentaram, conforme a sua norma de vida na Terra. De todas essas descrições, comparadas, cotejadas entre si, resulta um conhecimento muito claro da vida futura e das leis que a regem.


As Inteligências superiores, em suas relações mediúnicas com os homens, vêm completar essas indicações. Confirmam os ensinos ministrados pelos Espíritos menos adiantados; elevando-se a maior altura, expõem o seu modo de ver, as suas opiniões sobre todos os grandes problemas da vida e da morte, a evolução geral dos seres, as leis superiores do Universo. Todas essas revelações concordam e se unem para constituir uma filosofia admirável.


Acreditaram descobrir certas divergências de opiniões no ensino dos Espíritos; mas essas divergências são muito mais aparentes que reais. Consistem, as mais das vezes, na forma, na expressão das ideias e não afetam a própria essência do assunto. Elas se dissipam à luz de um amadurecido exame. Disso temos um exemplo no que se refere à doutrina das sucessivas reencarnações da alma.


Tem-se feito dessa questão uma arma contra o Espiritismo, porque certos Espíritos, em países anglo-saxônicos, parecem negar a reencarnação das almas na Terra. Notaremos que, em toda parte, os Espíritos afirmam o princípio das existências sucessivas, com esta única reserva, no meio muito circunscrito de que falamos, de que a reencarnação se efetuaria, não na Terra, mas noutros mundos. Não há nisso, pois, senão uma diferença de lugar; o princípio permanece intacto.


Se os Espíritos, em alguns países eivados de tenazes preconceitos, entenderam dever passar em silêncio, ao começo, alguns pontos do seu ensino, não era isso, como eles mesmos o reconheceram, para contemporizar com certos preconceitos de raça ou de cor? O que bastaria para o provar é o número dos espiritualistas anti-reencarnacionistas, na América como na Inglaterra, a diminuir dia a dia, ao passo que o dos partidários da reencarnação não tem cessado de aumentar.


Os Espíritos que se manifestam, objeta-se ainda, não são todos de ordem elevada. Alguns patenteiam opiniões muito restritas, conhecimentos muito imperfeitos acerca de todas as coisas. Outros se mostram ainda imbuídos dos preconceitos terrestres, suas concepções apresentam o reflexo dos meios em que viveram aqui na Terra.


A morte não nos muda em quase nada, como dissemos. * Não se opera, em nossa infinita trajetória, transformação alguma brusca. É lentamente, na sequência de numerosas existências, que o Espírito se liberta de suas paixões, de seus erros e fraquezas, e acende para a sabedoria e para a luz.


* Ver cap. IX.


Desse estado de coisas resulta, necessariamente, uma grande variedade, uma extrema diversidade de situações entre os invisíveis. As comunicações dos habitantes do espaço, como os seus autores, são de valor muito desigual e sujeitas à verificação. Devem ser joeiradas pela razão e pelo bom senso.


Por isso, o moderno espiritualismo não dogmatiza nem se imobiliza. Não alimenta pretensão alguma à infalibilidade. Posto que superior aos que o precederam, o ensino espírita é progressivo como os próprios Espíritos. Ele se desenvolve e completa à medida que, com a experiência, se efetua o progresso nas duas humanidades, a da Terra e a do espaço – humanidades que se penetram mutuamente e das quais cada um de vós deve, alternativamente, fazer parte.


Os princípios do moderno espiritualismo foram expostos, estabelecidos, fixados por numerosos documentos, que emanavam das mais diversas fontes mediúnicas e apresentavam entre si perfeita concordância. Allan Kardec e, depois dele, todos os escritores espíritas, aplicaram-se a um longo e minucioso exame das comunicações de além-túmulo. Foi reunindo, coordenando o que estes tinham em comum, que eles acumularam os elementos de um ensino racional, que fornece satisfatória explicação de todos os problemas insolúveis antes dele. Esse ensino, além de tudo, é sempre verificável, pois que a fonte donde emana é inesgotável. A comunicação estabelecida entre os homens e os Espíritos é permanente e universal; ela se acentuará cada vez mais com os progressos da Humanidade.


Se é verdade que são numerosos, em torno de nós, os Espíritos tenebrosos e atrasados, é preciso não esquecer que as almas elevadas, descidas das esferas de luz, também vêm trazer à Terra esses sublimes ensinamentos, que, uma vez ouvidos, nunca mais esquecemos. Ninguém se poderia eximir à sua influência. Todos os que têm tido a fortuna de ouvir as suas instruções conservam por muito tempo a sua lembrança e impressão. É fácil compreender que a sua linguagem não é deste mundo, vem de regiões mais altas.


A esses radiantes Espíritos se associam, às vezes, as almas dos nossos parentes, dos que amamos neste mundo e a cuja sorte não podemos ficar indiferentes. Desde que aos nossos olhos se evidencia a identidade desses seres, tão caros para nós; desde que a sua personalidade se afirma por mil modos, não se nos desperta uma necessidade imperiosa de conhecer as condições de sua nova vida?


Como permanecer indiferentes, insensíveis à voz dos que nos embalaram, dos que, em seus braços nos acalentaram, foram a nossa carne e o nosso sangue? Esse afeto que nos une aos nossos mortos, esse sentimento que nos eleva acima da poeira terrestre e nos distingue do animal, não nos impõe o dever de piedosamente recolher, examinar e propagar tudo o que eles nos revelam relativamente a esses graves problemas do destino, suspensos há tantos séculos por sobre o pensamento humano?


Os que não querem ver no moderno espiritualismo senão o lado experimental, o fato físico, que desdenham as suas consequências, não prefere a casca à polpa da noz, a encadernação ao conteúdo do livro? Não desprezam o sábio conselho de Rabelais: “Parti o osso e sugai a medula”? É realmente uma substância fortificante esse ensino; cura-nos do terror da morte, apercebe-nos para as lutas fecundas, para a conquista das elevadas culminâncias intelectuais.


O Espiritismo tem um lado inteiramente científico; repousa sobre provas palpáveis, sobre fatos incontestáveis, mas são principalmente as suas consequências morais que interessam à grande maioria dos homens. A experimentação, a minuciosa análise dos fatos, não está ao alcance de todos. Quando mesmo não faltasse o tempo, seriam precisos os agentes, os meios de ação e de verificação. Os pequeninos, os humildes, os que constituem a massa popular, nem sempre dispõem do necessário para o estudo dos fenômenos, e são precisamente esses os que têm maior necessidade de conhecer todos os seus resultados, todo o seu alcance.


*


A doutrina dos Espíritos pode resumir-se em três pontos essenciais: a natureza do ser, os seus destinos, as leis superiores do Universo. Abordá-los-emos sucessivamente.


O estudo mais necessário, para nós, é o de nós mesmos. O que, antes de tudo, nos importa saber, é o que somos. Ora, de todos era esse o problema que mais obscuro permanecia até agora. Hoje, o conhecimento da natureza íntima do homem se destaca tão perfeitamente das comunicações ditadas pelos Espíritos, como da observação direta dos fenômenos do espiritismo, e do sonambulismo.

O homem possui dois corpos: um de matéria grosseira, que o põe em relação com o mundo físico; outro fluídico, por meio do qual entra em relação com o mundo invisível.


O corpo físico é perecível e se desagrega na morte; é um trajo vestido para a duração da viagem terrestre. O corpo fluídico é indestrutível, mas purifica-se e se eteriza com os progressos da alma, de que é invólucro inseparável, permanente. Deve ser considerado o verdadeiro corpo, o tipo da criação corporal, o esboço em que se desenvolve o plano da vida física. É nele que se modelam os órgãos, que as células se agrupam; é ele que lhes assegura o mecanismo funcional. O perispírito, ou corpo fluídico, é o agente de todas as manifestações da vida, tanto na Terra, para o homem, como no espaço, para o Espírito. Ele contém a soma de vitalidade necessária ao indivíduo para renascer e desenvolver-se.


Os conhecimentos acumulados no decurso das encarnações anteriores, as recordações das passadas existências se capitalizam e registram no perispírito. Isento das constantes mutações padecidas pelo corpo material, é ele a sede imperecível da memória e assegura a sua conservação.


O admirável plano da vida revela-se na constituição íntima do ser humano. Destinado a habitar, alternativamente, dois mundos diferentes, devia o seu organismo conter todos os elementos suscetíveis de o pôr em relação com esses mundos e neles facilitar a obra do seu progresso. Não somente os nossos sentidos atuais são chamados a desenvolver-se, mas ainda o perispírito encerra, além disso, os germes de novos sentidos que hão de desabrochar e se manifestar no decurso das futuras existências, dilatando cada vez mais o campo das nossas sensações.


Nossos modos de percepção acham-se em correlação com o grau do nosso adiantamento e em relação direta com o meio em que habitamos. Tudo se encadeia e se harmoniza na natureza física, como na ordem moral das coisas. Um organismo superior ao nosso não teria razão de ser no ambiente em que o homem vem ensaiar os primeiros passos, percorrer os primeiros estádios do seu infinito itinerário. Nossos sentidos são, porém, suscetíveis de aperfeiçoamento ilimitado. O homem atual possui todos os elementos da sua grandeza futura; em progressão crescente verá ele manifestarem-se, em torno de si, em todas as coisas, propriedades, qualidades que ainda lhe são desconhecidas. Aprenderá a conhecer potências, forças, cuja existência nem sequer suspeita, porque não há possibilidade de relações entre elas e o organismo imperfeito de que dispõe atualmente.


O estudo do perispírito nos revela, desde já, como pode o homem viver simultaneamente da vida física e da vida livre do espaço. Os fenômenos do sonambulismo, do desdobramento, da visão, da ação à distância, constituem outros tantos modos dessa vida exterior, de que não temos consciência alguma durante a vigília. O Espírito, na carne, é qual prisioneiro no cárcere; o estado de sonambulismo e de mediunidade o faz sair dela e lhe permite, mais ou menos, dilatar o círculo de suas percepções, conservando-o preso por um laço ao seu invólucro. A morte é a libertação integral.


A essas diversas formas da vida correspondem diversos graus de consciência e conhecimento, tanto mais elevados quanto mais livre e adiantado o Espírito na escala das perfeições.


É observando assiduamente esses vários aspectos da existência que se chegará ao perfeito conhecimento do ser. O homem deixará de ser para si mesmo um mistério vivo, já não será, como hoje, privado de noções exatas sobre a sua natureza íntima e o seu futuro.


A ciência oficial tem o dever de estudar as fontes profundas da vida; enquanto limitar suas observações ao corpo físico, que é simplesmente a sua manifestação exterior, superficial, a Fisiologia e a Medicina permanecerão, até certo ponto, impotentes e estéreis.


Vimos, por certas experiências de fotografias e de materialização, como o corpo fluídico emite vibrações, radiações variantes de forma e intensidade, conforme o estado mental do operador. É a demonstração positiva deste fato, afirmado pelas mensagens de além-túmulo: o poder de irradiação do Espírito e a extensão de suas percepções, são sempre proporcionais ao grau de sua elevação. A pureza, a transparência do invólucro fluídico são, no espaço, o irrefragável testemunho do valor da alma; a rarefação dos seus elementos constitutivos e a amplitude das suas vibrações aumentam com essa purificação. À medida que a moralidade se desenvolve, novas condições físicas se produzem no corpo fluídico.


Os pensamentos e os atos do indivíduo reagem constantemente sobre o seu invólucro e, conforme a sua natureza, o tornam mais denso ou mais sutil. O estudo perseverante, a prática do bem, o cumprimento do dever em todas as condições sociais, são outros tantos fatores que facilitam a ascensão da alma e aumentam o campo das sensações e a soma dos gozos. Mediante prolongado adestramento moral e intelectual, mediante existências meritórias, aspirações generosas e grandes sacrifícios, a irradiação do Espírito se dilata gradualmente; ativam-se as vibrações perispirituais; seu brilho se torna mais vivo, ao mesmo tempo em que diminui a densidade do invólucro.


Esses fenômenos se produzem em sentido inverso nos seres inclinados às paixões violentas ou aos prazeres sensuais; seu modo de vida determina no corpo fluídico um aumento de densidade, uma redução das velocidades vibratórias, donde resultam o obscurecimento dos sentidos e a diminuição das percepções na vida do espaço. Persistindo no mal, pode assim o Espírito vicioso fazer do seu organismo um verdadeiro túmulo, em que se encontre como que sepultado depois da morte, até nova encarnação.


Dependendo o poder, a felicidade e a irradiação do Espírito da purificação do seu invólucro, a qual é, de si mesma, a consequência do seu adiantamento moral, compreender-se-á então como o ser é o artífice da sua própria desgraça ou felicidade, do seu rebaixamento ou elevação. O homem prepara, com os seus atos, o próprio destino; a distribuição das faculdades e virtudes não é mais que o resultado matemático dos merecimentos, dos esforços e longos trabalhos de cada um de nós.


O homem possui dois corpos – dizíamos –; mas esses corpos não são mais que invólucros, revestimentos, um persistente e sutil, outro grosseiro e de efêmera duração. A alma do homem é que é o seu “eu” pensante e consciente.


Chamamos Espírito à alma revestida do seu corpo fluídico. A alma é o centro de vida do perispírito, como este é o centro de vida do organismo físico. Ela que sente, pensa e quer; o corpo físico constitui, com o corpo fluídico, o duplo organismo por cujo intermédio ela atua no mundo da matéria.


A morte é a operação mediante a qual esses elementos se separam. O corpo físico se desagrega e volta à terra. A alma, revestida de sua forma fluídica, encontra-se novamente livre, independente, tal como a si mesma se fez, moral e intelectualmente, no decurso das existências percorridas. A morte não a modifica, apenas lhe restitui, com a liberdade, a plenitude de suas faculdades, de seus conhecimentos, e a lembrança das encarnações anteriores. Franqueia-lhe os domínios do espaço. O Espírito nele se precipita e se eleva, tanto mais alto quanto mais sutilizada é a sua essência, menos sobrecarregada dos impuros elementos que nela acumulam as paixões terrestres e os hábitos materiais.


Há, conseguintemente, para o Espírito humano, três estados de vida: a vida na carne, o estado de desprendimento ou desencarnação parcial durante o sono e a vida livre do espaço. Esses estados correspondem aos meios em que a alma deve trabalhar, na sua constante progressão: o mundo material e o mundo fluídico, ou mundo superior. É percorrendo-os, através dos séculos sem fim, que ela chega à realização, em si e em torno de si, do belo, do bem, do verdadeiro, adquirindo o amor que a faz aproximar-se de Deus.


*


A lei do destino – as precedentes considerações no-la fazem compreender – consiste no desenvolvimento progressivo da alma, que edifica a sua personalidade moral e prepara, ela própria, o seu futuro; é a evolução racional de todos os seres partidos do mesmo ponto para atingirem as mesmas eminências, as mesmas perfeições. Essa evolução se efetua, alternadamente, no espaço e na superfície dos mundos, através de inúmeras etapas, ligadas entre si pela lei de causa e efeito. A vida presente é, para cada qual, a herança do passado e a gestação do futuro. É uma escola e um campo de trabalho; a vida do espaço, que lhe sucede, é a sua resultante. O Espírito aí colhe, na luz, o que semeou na sombra e, muitas vezes, na dor.


O Espírito encontra-se no outro mundo com suas aquisições morais e intelectuais, seus predicados e defeitos, tendências, inclinações e afeições. O que somos moralmente neste mundo ainda o somos no outro; disso procede a nossa felicidade ou sofrimento. Nossos gozos são tanto mais intensos quanto melhor nos preparamos para essa vida do espaço, onde o espírito é tudo e a matéria é nada, quase; onde já não há necessidades físicas a satisfazer, nem outras alegrias senão as do coração e da inteligência.


Para as almas inclinadas à materialidade, a vida do espaço é uma vida de privações e misérias; é a ausência de tudo o que lhes pode ser agradável. Os Espíritos que souberam emancipar-se dos hábitos materiais e viver pelas altas faculdades da alma, nele acham, ao contrário, um meio de acordo com as suas predileções, um vasto campo oferecido à sua atividade. Não há nisso, realmente, senão uma aplicação lógica da lei das atrações e afinidades, nada senão as consequências naturais dos nossos atos, que sobre nós recaem.


O desenvolvimento gradual do ser lhe engendra fontes cada vez mais abundantes de sensações e impressões. A cada triunfo sobre o mal, a cada novo progresso, estende-se o seu círculo de ação, o horizonte da vida se dilata. Depois das sombrias regiões terrestres em que imperam os vícios, as paixões e as violências, descerram-se para ele as profundezas estreladas, os mundos de luz com os seus deslumbramentos, os seus esplendores, as suas inebriantes harmonias. Após as vidas de provações, sacrifícios e lágrimas, a vida feliz, a alegria das divinas afeições, as missões abençoadas ao serviço do eterno Criador.


Ao contrário, o mau uso das faculdades, a reiterada fruição dos prazeres físicos, as satisfações egoísticas, nos restringem os horizontes, acumulam a sombra em nós e em torno de nós. Em tais condições, a vida no espaço não nos oferece mais que trevas, inquietações, torturas, com a visão confusa e vaga das almas felizes, o espetáculo de uma felicidade que não soubemos merecer.


A alma, depois de um estágio de repouso no espaço, renasce na condição humana; para ela traz as reservas e aquisições das vidas pregressas. Desse modo se explicam as desigualdades morais e intelectuais que diferenciam os habitantes do nosso mundo. A superioridade inata de certos homens procede de suas obras no passado. Nós somos Espíritos mais jovens, ou mais velhos; mais ou menos trabalhamos, mais ou menos adquirimos virtudes e saber. Assim, a infinita variedade dos caracteres, das aptidões e das tendências deixa de ser um enigma.


Entretanto, a alma reencarnada nem sempre consegue utilizar, em toda a plenitude, os seus dons e faculdades. Dispõe aqui de um organismo imperfeitíssimo, de um cérebro que nenhuma das recordações de outrora registrou. Neles não pode encontrar todos os recursos necessários à manifestação de suas ocultas energias. Mas o passado permanece nela; suas intuições e tendências são disso uma revelação patente.


As faculdades inatas em certas crianças, os meninos prodígios: artistas, músicos, pintores, sábios, são luminosos testemunhos da evidência dessa lei. Também, às vezes, almas geniais e orgulhosas renascem em corpos enfermiços, sofredores, para humilhar-se e adquirir as virtudes que lhes faltavam: paciência, resignação, submissão.


Todas as existências penosas, as vidas de luta e sofrimento explicam-se pelas mesmas razões. São formas transitórias, mas necessárias, da vida imortal; cada alma as conhecerá por sua vez. A provação e o sofrimento são outros tantos meios de reparação, de educação, de elevação; é assim que o ser apaga um passado culposo e readquire o tempo perdido. É desse modo que os caracteres se retemperam, que se ganha experiência e o homem se prepara para novas ascensões. A alma que sofre procura Deus, lembra-se de o invocar e, por isso mesmo, aproxima-se dele.


Cada ser humano, regressando a este mundo, perde a lembrança do passado; este, fixado no perispírito, desaparece momentaneamente sob o invólucro carnal. Há nisso uma necessidade física, há também uma das condições morais da provação terrestre, que o Espírito vem novamente afrontar; restituído ao estado livre, desprendido da matéria, ele readquire a memória dos numerosos ciclos percorridos.


Esse olvido temporário de nossas anteriores existências, essas alternativas de luz e obscuridade que em nós se produzem, por estranhos que à primeira vista se afigurem, facilmente se explicam. Se a memória atual não nos permite recordar os nossos verdes anos, não é mais de admirar que tenhamos esquecido vidas separadas entre si por uma longa permanência no espaço. Os estados de vigília e sono por que passamos, todos os dias, do mesmo modo que as experiências do sonambulismo e hipnotismo, provam que se pode momentaneamente esquecer a existência normal, sem perder com isso a personalidade. Eclipses da mesma natureza, relativamente às nossas passadas existências, nada têm de inverossímeis. Nossa memória se perde e readquire através do encadeamento das nossas vidas, como durante a sucessão dos dias e das noites que preenchem a existência atual.


Do ponto de vista moral, a recordação das vidas precedentes causaria, neste mundo, as mais graves perturbações. Todos os criminosos, renascidos para se resgatarem, seriam reconhecidos, repudiados, desprezados; eles próprios ficariam aterrados e como hipnotizados por suas recordações. A reparação do passado tornar-se-ia impossível e a existência insuportável. O mesmo se daria em diferentes graus, com todos os que tivessem manchas no passado. As recordações anteriores introduziriam na vida social motivos de ódio, elementos de discórdia, que agravariam a situação da Humanidade e impediriam, por irrealizável, qualquer melhoramento. O pesado fardo dos erros e dos crimes, a vista dos atos vergonhosos inscritos nas páginas da sua história, acabrunhariam a alma e lhe paralisariam a iniciativa. Nos do seu convívio poderia reconhecer inimigos, rivais, perseguidores; sentiria despertar e acenderem-se as más paixões que a sua nova vida tem por objetivo destruir ou, pelo menos, atenuar.


O conhecimento das passadas existências perpetuaria em nós, não somente a sucessão dos fatos que a compõem, como ainda os hábitos rotineiros, as opiniões acanhadas, as manias pueris, obstinadas, peculiares às diversas épocas, e que opõem grande obstáculo ao surto da Humanidade. Disso ainda se encontram indícios em muitos encarnados. Que seríamos sem o olvido que nos liberta momentaneamente desses estorvos e permite que uma nova educação nos reforme, nos prepare para tarefas mais elevadas?


Quando consideramos maduramente todas essas coisas, reconhecemos que o apagamento temporário do passado é indispensável à obra de reparação e que a Providência, privando-nos, neste mundo, das nossas longínquas reminiscências, dispôs tudo com profunda sabedoria.


As almas se atraem em razão de suas afinidades, constituem grupos ou famílias cujos membros se acompanham e mutuamente se auxiliam através de sucessivas encarnações. Laços potentes as vinculam; inúmeras vidas transcorridas em comum lhes proporcionam essas similitudes de opiniões e de caráter, que em tantas famílias se observam. Há exceções. Certos Espíritos mudam às vezes de meio, para mais rapidamente progredir. Nisso, como em todos os atos importantes da vida, há uma parte reservada à vontade livre do indivíduo, que pode, numa certa medida e conforme o grau de elevação, escolher a condição em que renascerá; mas há também à parte do destino, ou da lei divina que, lá em cima, fixa a ordem dos renascimentos.


*


A pluralidade das existências da alma e sua ascensão na escala dos mundos constituem o ponto essencial dos ensinos do moderno espiritualismo. Nós vivemos antes do nascimento e reviveremos depois da morte. Nossas vidas são paradas sucessivas da grande viagem que empreendemos em nosso itinerário para o bem, para a verdade, para a beleza eterna.


Com a doutrina das preexistências e das reencarnações, tudo se liga, se esclarece e compreende; a justiça divina se patenteia; a harmonia se estabelece no Universo e no destino.


A alma já não é formada com todas as peças por um Deus caprichoso, que distribui, ao acaso e bel-prazer, o vício ou a virtude, a imbecilidade ou o gênio. Criada simples e ignorante, ela se eleva pelas próprias obras, a si mesma se enriquece, colhendo no presente o que em vidas anteriores semeou. E continua semeando para as futuras encarnações.


A alma, por conseguinte, constrói o próprio destino; degrau a degrau, sobe do estado rudimentar e inferior à mais alta personalidade; da inconsciência do selvagem ao estado desses sublimes seres que iluminam a rota da História e passam pela Terra como lampejo divino.


Assim considerada, a reencarnação torna-se consoladora e fortificante verdade, um símbolo de paz entre os homens; a todos indica a senda do progresso, a grande equidade de um Deus que não pune eternamente, mas permite ao culpado resgatar-se pela dor. Posto que inflexível, essa lei sabe proporcionar a reparação à falta e, depois do resgate, faculta a reabilitação. Fortalece a fraternidade humana, ensinando àqueles a quem pudessem causar estranheza as desigualdades sociais e as diferenças de condição, que os homens todos têm, realmente, a mesma origem e o mesmo futuro. Não há deserdados nem privilegiados, pois o resultado final será o mesmo para todos, desde que o saibam conquistar.


A lei de reencarnação põe um freio às paixões, mostrando as consequências dos nossos atos, das nossas palavras, dos nossos pensamentos a recaírem sobre a nossa vida atual e sobre as futuras vidas, nelas semeando germens de felicidade ou de infortúnio. Graças a ela cada qual aprende a vigiar-se a si mesmo, a acautelar-se, a preparar cuidadoso o seu futuro.


O homem que uma vez compreendeu toda a grandeza dessa doutrina, não mais poderá acusar Deus de injustiça e parcialidade. Saberá que cada qual, no mundo, ocupa o seu lugar, que toda alma está sujeita às provações que mereceu ou desejou. Agradecerá ao Eterno o lhe proporcionar, com os renascimentos; o meio de reparar as faltas e adquirir, mediante trabalho constante, uma parcela do seu poder, um reflexo da sua sabedoria, uma centelha do seu amor.


Tal o destino da alma humana, nascida na fraqueza, na penúria das faculdades e dos meios de ação, mas chamada, elevando-se, a realizar a vida em si mesma, em toda a plenitude; a alcançar todas as riquezas da inteligência, todas as delicadezas do sentimento, tornando-se um dia colaboradora de Deus.


Essa a missão do ser e o seu grandioso objetivo: colaborador de Deus, isto é, destinado a realizar em torno de si, em missões cada vez mais grandiosas, a ordem, a justiça, a harmonia; a atrair seus irmãos inferiores, a conduzi-los às divinas eminências; a subir com eles, de esfera em esfera, para o supremo objetivo, para Deus – o Ser perfeito, lei viva e consciente do Universo, eterno foco de vida e de amor.


Essa participação na obra infinita é, de começo, assaz inconsciente; o ser colabora sem o saber e, às vezes, até sem o querer, na ordem universal; depois, à medida que percorre a rota, essa colaboração se torna cada vez mais consciente. Pouco a pouco a razão se lhe esclarece; a alma apreende a profunda harmonia das coisas, penetra as suas leis, a elas se associa intimamente por seus atos. Quanto mais se desenvolvem as suas faculdades e aumentam as suas qualidades afetivas, tanto mais se afirma e acentua a sua participação no divino concerto dos seres e dos mundos.


Essa ascensão da alma, edificando ela própria o seu futuro e conquistando os seus postos, esse espetáculo da vida individual e coletiva, prosseguindo de estádio em estádio, na superfície das terras do espaço, progredindo e aperfeiçoando-se sempre, a elevar-se para Deus, melhor nos faz compreender a utilidade da lula, a necessidade da dor para a educação e purificação dos seres.


Todas as almas que vivem nas regiões materiais acham-se imersas numa espécie de letargia. A inteligência dormita entorpecida, ou, indiferente, flutua ao sabor de todos os ventos da paixão.


Muito poucas divisam a sua finalidade. É preciso, entretanto, que essas inteligências se descerrem às sensações do bem e do belo. Devem todas atingir as mesmas culminâncias, desabrochar e expandir-se aos raios do sol divino. Ora, que seria uma existência única, isolada, para a realização de semelhante labor? Daí a necessidade das estâncias numerosas, das vidas de provações e dificuldades, a fim de que essas almas se acrisolem e as potências nelas adormecidas acordem e entrem em ação.


É com o aguilhão da luta e das necessidades, mediante as alternativas de dor e alegria, mediante os cuidados, pesares, remorsos de que se tece a vida humana; é através das quedas e reabilitações, recuos e ascensões, adejos em pleno azul e resvalamentos bruscos no abismo; é por todas essas formas que a alma se desenvolve, que as humanidades emergem da sua ganga de bestialidade e ignorância. Com o sofrimento as almas se apuram, se nobilitam e elevam à alta concepção das coisas e das leis, abrindo-se à piedade e à bondade.


Assim se resolve o problema do mal. O mal não é mais que um efeito de contraste; não tem existência própria. O mal é, para o bem, o que a sombra é para a luz. Não apreciamos esta senão depois de havermos dela sido privados; do mesmo modo, sem o sofrimento não poderíamos conhecer a alegria; sem a privação não poderíamos verdadeiramente saborear o bem adquirido, as satisfações obtidas.


Tudo se explica e se esclarece na obra divina, quando a contemplamos do alto. A lei do progresso rege a vida infinita e faz o esplendor do Universo. As lutas do Espírito contra a matéria, sua ascensão pela dor, tal a grandiosa epopeia que os céus contam à Terra e que a voz dos invisíveis repete a todos os que têm sede de verdade. É o ensino que é preciso difundir, a fim de que o encadeamento dos efeitos e das causas a todos se patenteie e, com ele, a solidariedade dos seres e o amor divino que envolve toda a Criação.


Assim encarado, não é o problema do destino mais que a aplicação lógica e a consagração dessa lei de evolução, cuja intuição confusa ou visão clara, conforme o seu estado de espírito, têm tido, em nossa época, tantos pensadores. É a lei superior que rege todas as coisas.


*


O plano geral do Universo ficou manifesto na precedente exposição. Não temos mais que lhe precisar os pontos essenciais.


O ensino dos Espíritos, por toda parte, nos mostra a unidade de lei e substância. Em virtude dessa unidade, reinam na obra eterna a ordem e a harmonia. O invisível não se distingue do mundo visível, senão relativamente aos nossos sentidos. O invisível é a continuação, o prolongamento natural do visível. Em sua unidade, formam um todo inseparável; mas é no invisível que importa procurar o mundo das causas, o foco de todas as atividades, de todas as forças sutilíssimas do Cosmos.


A força ou energia, diz a Ciência, aciona a matéria e dirige os astros em seu curso. Que é a força? Segundo a nova revelação, é apenas o agente, o modo de ação de uma vontade superior. É o pensamento de Deus que imprime o movimento e a vida ao Universo.


Todos os que se têm desalterado na fonte do moderno espiritualismo sabem que os grandes Espíritos do espaço são unânimes em proclamar, em reconhecer a Suprema Inteligência que governa os mundos. Acrescentam eles que essa Inteligência se revela mais deslumbrante, à medida que galgam os degraus da vida espiritual.


Emitem-se concepções diversas, mais ou menos desenvolvidas, sobre o Ser divino; é porque os Espíritos, como os homens, não estão no mesmo grau de desenvolvimento, nem podem todos ter a mesma capacidade de apreciação.


Todos os escritores e filósofos espíritas, desde Allan Kardec até os nossos dias, afirmam a existência de uma Causa imanente no Universo.


“Não há efeito sem causa – disse Allan Kardec – e todo efeito inteligente tem forçosamente uma causa inteligente.”


É o axioma sobre o qual repousa integralmente o Espiritismo. Aplicado às manifestações de além-túmulo, esse axioma demonstra a existência dos Espíritos. Do mesmo modo, se o aplicarmos ao estudo do mundo e das leis universais, ele demonstrará a necessidade de uma causa inteligente. Eis porque a existência de Deus constitui um dos pontos essenciais do ensino espírita.


Basta comprovar que há inteligência e consciência nos seres criados, para ficarmos certos de as encontrar na fonte criadora, nessa Unidade suprema que não é a causa primária, como dizem uns, nem uma causa final, como pensam outros, mas a Causa eternamente ativa, donde emana toda a vida.


A solidariedade que liga todos os seres não tem outro centro senão essa Unidade divina e universal; todas as relações vêm ter a ela, para nela fundir-se e harmonizar-se. Só por ela podemos conhecer o objetivo da vida e suas leis, pois que ela é a razão de ser e a lei viva do Universo. É, ao mesmo tempo, a base e sanção de toda a moral. Desde que estudamos o problema da outra vida, a situação do Espírito depois da morte, encontramo-nos em face de um estado de coisas regulado por uma lei de justiça, que por si mesma se aplica, sem tribunal nem julgamento, mas à qual não escapa um só dos nossos pensamentos, nenhum dos nossos atos. E essa lei, que revela uma Inteligência diretora do mundo moral, é ao mesmo tempo a fonte de toda a vida, de toda a luz, de toda a perfeição.


A ideia de lei é inseparável da ideia de inteligência. Sem essa noção, seriam destituídas de apoio as leis universais.


Falam-nos muitas vezes das leis cegas da Natureza. Que significa essa expressão? Leis cegas só poderiam agir ao acaso. O acaso é a ausência de plano, de direção inteligente, é a própria negação de toda lei. O acaso não pode produzir a unidade e a harmonia, mas unicamente a incoerência e a confusão. Uma lei só pode ser, portanto, a manifestação de uma soberana inteligência, obra de um pensamento superior. Só o pensamento pôde coordenar, dispor, combinar todas as coisas no Universo. E o pensamento exige a existência de um ser que fosse o seu autor.


As leis universais não poderiam repousar sobre uma coisa tão móvel e inconstante como o acaso. Devem necessariamente apoiar-se num princípio imutável organizador e regulador. Privadas do concurso de uma vontade diretora, essas leis seriam cegas, como dizem os materialistas; andariam à matroca, já não seriam leis.


Tudo, as forças e os seres, as humanidades e os mundos, tudo é governado pela inteligência. A ordem e a majestade do Universo, a justiça, o amor, a liberdade, tudo repousa em leis eternas, e não há leis eternas sem uma razão superior, fonte de toda a lei. Por isso é que nenhum ser, nenhuma sociedade pode desenvolver-se e progredir sem a ideia de Deus, isto é, sem justiça nem amor, sem liberdade nem razão, porque Deus, representando a eternidade e a perfeição, é a base essencial de tudo o que faz a beleza, a grandeza da vida, a magnificência do Universo.


Muitos equívocos têm dividido o mundo a respeito de tais questões; o moderno espiritualismo os vem dissipar. Até agora procuravam os materialistas o segredo da vida universal onde ele não se encontra: nos efeitos; os cristãos, por seu lado, o procuravam fora da Natureza. Hoje compreendemos que a causa eterna do mundo não é exterior ao mundo, mas está dentro dele; ela lhe é a alma, o foco, como a nossa alma é em nós o foco da vida.


A ignorância destas coisas é a causa principal de nossos desacertos; é o que compele o homem e a sociedade à prática de atos cujas consequências acumuladas os esmagam.


Muitíssimo tempo se considerou a obra divina e as leis superiores sob o acanhado ponto de vista da vida presente e do mesquinho plano da Terra, sem compreender que é no encadeamento das vidas sucessivas e na coletividade dos mundos que se revelam a harmonia universal, a justiça absoluta e a grande lei da evolução dos seres para o Bem perfeito, que é Deus.


Não pode a obra divina ser medida, nem em relação ao tempo, nem à extensão. Ela se expande nos céus em feixes de sóis, e se revela, na Terra, tão admirável na humílima florinha, como nos gigantes das florestas. Deus é infinito; a Criação é eterna. Não se pode conceber a Criação oriunda do nada, porque o nada não existe. Deus nada poderia tirar de um nada impossível, nem criar coisa alguma fora da sua infinidade. A Criação é incessante; o Universo, imutável no seu todo, acha-se em via de transformação constante em suas partes.


Com todos os seus mundos visíveis e invisíveis, seus espaços celestes, suas populações planetárias e siderais, o Universo representa uma oficina imensa em que tudo o que se agita e respira trabalha na produção, na manutenção e no desenvolvimento da vida. Cada globo que rola na imensidade é a morada de uma sociedade humana. A Terra não passa de planeta dos mais mesquinhos da grande hierarquia dos mundos e a sociedade terrestre é das mais inferiores. Mas também ela se aperfeiçoará, nossa esfera se há de tornar em venturosa estância. Aspirações mais nobres encaminharão a Humanidade para a senda da renovação gradual e do progresso moral.


Tudo se transforma e se renova mediante o ritmo incessante da vida e da morte. Ao passo que se extinguem uns astros, outros surgem e brilham no âmbito dos espaços. Foi o que fez dizer ao poeta que há berços e túmulos no céu. Como o homem, os mundos nascem, vivem e morrem; os universos se dissolvem, todas as formas passam e se dissipam, mas a vida infinita subsiste em seu eterno esplendor.


Assim, também a cadeia de nossas existências desdobra, na continuidade dos séculos, os seus elos opacos ou brilhantes. Sucedem-se os acontecimentos sem ligação aparente e, contudo, a indefectível justiça lhes determina o curso de conformidade com regras imutáveis. Tudo se liga, no domínio moral como na ordem material.


Um plano admirável se executa; só Deus lhe conhece o conjunto. Dele não divisamos mais que algumas linhas e já essa percepção é um deslumbramento. Nossa compreensão das coisas divinas crescerá com os nossos progressos, à proporção que as nossas faculdades e os nossos sentidos, avultando, nos descerrarem novas perspectivas para os mundos superiores.


Confrontai as concepções do passado: a Terra, centro do Universo, único planeta habitado; a única e breve existência do homem perdida no infinito dos tempos, e de acordo com o que tiver sido, é ele julgado e fixada a sua sorte por toda a eternidade; comparai-as com essa revelação dos espaços, com esse universo sem limites, povoado de sóis, com os seus cortejos de mundos secundários, as cidades, os povos, as inúmeras humanidades que os opulentam com as várias civilizações e as obras maravilhosas que o espírito aí cria! Considerai esse futuro da alma destinada a renascer, de vida em vida, nesses mundos, a galgá-los um a um, como degraus, em ascensão colossal, participando de estados sociais de tal modo superiores aos nossos que nada, em nossas débeis concepções terrestres, deles nos pode dar ideia! E a alma, em suas infinitas peregrinações, adquire sempre novas qualidades, capacidades crescentes, que a tornarão apta a desempenhar uma tarefa cada vez mais elevada.


Assim, nem eleitos, nem réprobos. A Humanidade não se divide em duas partes: os que se salvam e os que se perdem. O caminho da salvação pelo progresso é franqueado a todos. Todos o percorrem de estância em estância, de vida em vida; todos ascendem para a paz e a felicidade, mediante a provação e o trabalho. Todas as almas são perfectíveis e suscetíveis de educação; devem percorrer os mesmos caminhos e chegar da vida inferior à plenitude do conhecimento, da sabedoria e da virtude. Não são todas igualmente adiantadas, mas todas hão de subir, cedo ou tarde, as árduas encostas que levam às radiosas eminências banhadas da eterna luz.


O pensamento divino preside a essa obra majestosa; vela pela execução de suas leis, pela elevação da vida renascente. Acima de tudo, reina o Poder infinito, que anima com seu sopro e aquece em seu amor o Universo.


*


Muitos homens cerram a alma à concepção de Deus; recusam-se a ver, a admirar o eterno Poder que irradia através de toda a Natureza.


O Sol brilha à flor das águas, seus trêmulos raios acariciam a vaga adormecida. Do céu ilumina ele o mar tranquilo, projeta milhões de centelhas na coroa das vagas inquietas. Todo ser que se move no seio das águas o pode perceber. Basta-lhe fazer esforço para abandonar as profundezas e banhar-se nos seus raios. Se recusa, porém, a deixar o sombrio domicílio, se compraz em suas trevas, deixará por isso o raio de existir?


O mesmo sucede com o grande Foco divino. Sem o pensamento de Deus que ilumina as profundezas do Cosmos, sem essa luz imorredoura, tudo permaneceria imerso em trevas. Esse pensamento, porém, não aparece em todo o seu esplendor senão aos seres que se tornaram dignos de o compreender, àqueles cujo senso íntimo se descerrou à grande voz do infinito, a esse eterno sopro que perpassa nos mundos e fecunda as almas e os universos.


Deus, em sua pura essência, dizem os Espíritos, é qual oceano de chamas. Deus não tem forma, mas pode revestir uma para aparecer às almas elevadas. É a recompensa concedida às grandes dedicações, às existências de sacrifício e de renúncia. Há nisso uma espécie de materialização, bem diferente de tudo o que podemos imaginar. Mesmo sob esse aspecto sensível, a majestade de Deus é de tal ordem, que os Espíritos mais puros mal lhe podem suportar o brilho. Têm eles o privilégio de contemplar, sem véu, a Divindade, e declaram que a linguagem humana é paupérrima para permitir uma descrição, pálida que seja, do divino Foco.


Deus tudo vê, e tudo conhece, até os mais secretos pensamentos. Como o Espírito está em todo o corpo, Deus está em todo o Universo, em relação com todos os elementos da Criação. Seu amor abrange e enlaça todos os seres, dos quais ele fez, chamando-os à vida, artífices da sua obra eterna. Sua solicitude se estende até os mais humildes e obscuros, porque todos são oriundos d'Ele. Por isso todos, em falta de uma inteligência superior e de uma razão exercitada, podem sentir e conhecer Deus pelas potências do coração.


O que acima de tudo caracteriza a alma humana é o sentimento. É por ele que o homem se prende ao que é bom, belo e grande; ao que será o seu amparo na dúvida, a sua força na luta, a sua consolação na prova. E tudo isso revela Deus. O belo e o bom não se encontram em nós senão em grau limitado e parcial. Não podem existir senão sob a condição de volver a encontrar sua fonte, seu princípio, sua plenitude em um Ser que os possua no grau superior e infinito. Foi o que instintivamente sentiram todas as gerações, todas as multidões que repousam sob a poeira dos séculos, e foi por isso que os surtos dos seus pensamentos subiram, em todos os tempos, para esse Espírito divino que paira acima de todas as religiões e de todos os sistemas, para essa Alma do mundo, venerada sob tão diversos nomes. Causa única, de que tudo emana, para a qual tudo volta, eternamente.


Deus é a grande alma universal, de que toda alma humana é uma centelha, uma irradiação. Cada um de nós possui, em estado latente, forças emanadas do divino Foco e pode desenvolvê-las, unindo-se estreitamente à Causa de que é efeito. Mediante a elevação dos pensamentos para Deus, por meio da prece que brota das profundezas do ser e liga a Criatura ao Criador, produz-se uma penetração contínua, uma fecundação moral, uma expansão das riquezas que em nós jazem ocultas. Mas a alma humana ignora-se a si mesma; por falta de conhecimento e de vontade, deixa as suas capacidades interiores em letargo. Em lugar de dominar a matéria, deixa-se por ela frequentemente dominar; eis a fonte dos seus males, das suas fraquezas, das suas provações.


É por isso que o moderno espiritualismo vem dizer a todos: Homens, elevai-vos, pelo pensamento, acima das mundanas coisas; elevai-vos bastante alto para compreenderdes que sois filhos de Deus; bastante alto para sentirdes que estais ligados a Ele, à sua obra imensa, fadados a um destino em face do qual tudo mais é secundário. E esse destino é o ingresso na grande comunhão, na harmonia santa dos seres e dos mundos, a qual não se realiza senão em Deus, e por Deus unicamente!


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