Cap. 9


A Nova Revelação – o Espiritismo e a Ciência


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A nova revelação se efetua sob inesperadas formas, ou, antes, sob formas esquecidas, idênticas, contudo, às que revestiram as primeiras manifestações do Cristianismo.


Este havia começado pelo milagre. Foi com a prova material e a sobrevivência que a religião do Cristo se fundou. * O moderno espiritualismo se revela com o concurso do fenômeno. Ora, milagre e fenômeno são duas palavras para exprimir um só e mesmo fato. O sentido diferente que se lhe atribui dá a medida do caminho percorrido pelo espírito humano em dezenove séculos. O milagre é superior à lei natural; o fenômeno submete-se a ela. Não há mais que o efeito de uma causa, a resultante de uma lei. A experiência e a razão têm demonstrado que o milagre é impossível. As leis da Natureza, que são as leis divinas, não poderiam ser violadas, porque são elas que regulam e mantêm a harmonia do Universo. Deus não pode a si mesmo desmentir.


* Ver capítulo V.


Os fenômenos de além-túmulo são encontrados na base de todas as grandes doutrinas do passado. Em todos os tempos, constantes relações mantinham unidos o mundo invisível e o visível. Na Índia, na Grécia e no Egito, esse estudo era privilégio de reduzido número de investigadores e iniciados; os resultados obtidos se conservavam cuidadosamente ocultos.


Para tornar esses estudos acessíveis a todos, para fazer conhecer as verdadeiras leis que regem o mundo invisível, para ensinar os homens a verem nesses fenômenos não mais uma ordem de coisas sobrenatural, mas um ignorado aspecto da Natureza e da vida, eram necessários o imenso trabalho dos séculos, todas as descobertas da Ciência, todas as conquistas do espírito humano em tal matéria. Era preciso que o homem conhecesse o seu verdadeiro lugar no Universo, aprendesse a ponderar a fraqueza dos seus sentidos, a impotência destes para explorar, por si e sem auxílio, todos os domínios da Natureza viva.


A Ciência, com as suas invenções, atenuou essa imperfeição dos nossos órgãos. O telescópio descerrou ao nosso olhar os abismos do espaço; o microscópio revelou o infinitamente pequeno. A vida apareceu por toda parte, no mundo dos infusórios como na superfície dos globos gigantescos, que rolam na profundeza dos céus. A Física descobriu a transformação das forças, a radioatividade dos corpos e as leis que mantêm o equilíbrio universal: a Química deu a conhecer as combinações da substância. O vapor e a eletricidade vieram revolucionar a face do globo, facilitar as relações dos povos e as manifestações do pensamento, a fim de que a ideia irradie e se propague na esfera terrestre, por todos os seus pontos.


O espírito humano pôde mergulhar os olhos nessa grande Bíblia da Natureza, nesse livro divino que ultrapassa, em toda a sua majestade, as bíblias humanas. Aí leu ele, correntemente, as fórmulas e as leis que presidem às evoluções da vida, à marcha do Universo.


Agora vem o estudo do mundo invisível completar essa magnífica ascensão do pensamento e da Ciência. O problema da outra vida ergue-se diante do espírito humano com um poder, uma autoridade, uma insistência, como nada, talvez, de semelhante se produziu jamais na História. Porque nunca se tinha visto, assim, um conjunto de fatos, de fenômenos a princípio considerados impossíveis, que não despertavam, no conceito da maioria dos nossos contemporâneos, senão a antipatia e o sarcasmo, acabar impondo-se à atenção e ao exame dos mais competentes e autorizados.


Em meados do século transato, o homem, iludido por todas as teorias contraditórias, por todos os sistemas deficientes com que pretenderam nutrir-lhe o pensamento, deixava-se embalar pela dúvida; perdia cada vez mais a noção da vida futura. Foi então que o mundo invisível veio ter com ele e o perseguiu até em sua própria casa. Por diversos meios, os mortos manifestaram-se aos vivos. As vozes de além-túmulo falaram. Os mistérios dos santuários orientais, os fenômenos ocultos da Idade Média, depois de longo silêncio, se renovaram e nasceu o Espiritismo.


Foi além-mar, num mundo novo e rico de energia vital, de ardente expansão, menos escravizado que a velha Europa ao espírito de rotina e aos preconceitos do passado – foi na América do Norte que se produziram às primeiras manifestações do moderno Espiritualismo. De lá se espalharam por todo o globo. Essa escolha era profundamente judiciosa. A livre América era, justamente, o meio propício para a obra de difusão e renovação. Por isso, nela se contam hoje vinte milhões de “neo-espiritualistas”.


De um lado, porém, como do outro do Atlântico, foram idênticas as fases de progressão da ideia espírita.


Nos dois continentes, o estudo do magnetismo e dos fluidos havia preparado certos espíritos para a observação do mundo invisível.


A princípio, fatos estranhos se produziram de todos os lados, fatos de que se não atreviam as pessoas a falar senão à meia voz, na intimidade. Depois, pouco a pouco, elevou-se o diapasão. Homens de talento, sábios cujos nomes são outras tantas garantias de honorabilidade e sinceridade, ousaram falar bem alto de tais fatos e afirmá-los. Tratou-se de hipnotismo, de sugestão; vieram depois a telepatia, os casos de levitação e todos os fenômenos do Espiritismo.


Mesas giravam num doido rodopio, objetos se deslocavam sem contacto, ressoavam pancadas nas paredes e nos móveis. Todo um conjunto de manifestações se produzia, vulgares na aparência, mas perfeitamente adaptadas às exigências do meio terrestre, ao estado de espírito positivo e céptico das sociedades modernas.


O fenômeno falava aos sentidos, porque os sentidos são como as brechas por onde o fato penetrará até o entendimento. As impressões produzidas no organismo despertam a surpresa, provocam a investigação, levam à convicção.


Depois da primeira fase, material e grosseira, as manifestações revestiram novo aspecto. As pancadas vibradas se regularizaram e tornaram um modo de comunicação inteligente e consciente. A possibilidade de relações entre o mundo visível e o invisível surgiu como fato extraordinário, subvertendo as ideias estabelecidas, abalando os ensinos habituais, mas franqueando sobre a vida futura umbrais que o homem hesitava ainda em transpor, deslumbrado como estava com as perspectivas que se lhe antolhavam.


À medida que se ia propagando, via o Espiritismo levantarem-se contra ele numerosas oposições. Como todas as concepções novas, teve que afrontar o desprezo, a calúnia, a perseguição moral. Do mesmo modo que a ideia cristã em seu começo, foi cumulado de animosidade e de injúrias. É sempre assim. Quando novos aspectos da verdade se apresentam aos homens, é sempre a desconfiança e a hostilidade o que provocam.


E isso é fácil de compreender. A Humanidade esgotou as velhas formas do pensamento e da crença; e quando as novas, inesperadas formas da verdade se revelam, parece corresponderem mui pouco ao ideal antigo, que está enfraquecido, mas não morto. Por isso, é necessário um período assaz longo de exame, de reflexão, de incubação, para que a ideia nova abra caminho nos espíritos. Daí as incertezas e sofrimentos da primeira hora.


Muito se tem ridiculizado as formas que o novo espiritualismo revestia. Mas as potências invisíveis que velam pela humanidade são melhores juízes que nós, dos meios de ação e de atração que convêm adotar, conforme os tempos e os lugares, para conduzir o homem à noção do seu papel e dos seus destinos, sem lhe estorvar o livre-arbítrio. Porque está nisso o essencial: é preciso que a liberdade do homem seja integralmente respeitada.


A vontade superior sabe apropriar às necessidades de uma época e de uma raça as novas formas da revelação eterna. É ela que suscita no seio das sociedades os pensadores, os experimentadores, os sábios que indicarão o caminho a seguir e colocarão os primeiros marcos. Sua obra desenvolve-se lentamente. Fracos e insensíveis, a princípio, os resultados, mas a ideia penetra pouco a pouco nas inteligências. O movimento, embora imperceptível, não deixa, por isso mesmo, de ser às vezes mais seguro e mais profundo.


Em nossa época, a Ciência veio a ser a soberana mestra, a diretora do movimento intelectual. Fatigada das especulações metafísicas e dos dogmas religiosos, a Humanidade reclamava provas palpáveis, sólidas bases em que pudesse repousar as suas convicções. Apegava-se ao estudo experimental, à observação dos fatos como a uma tábua de salvação. Daí, o grande crédito dos homens de ciência no momento que atravessamos. Por isso é que a revelação tomou um caráter científico. Foi por meio de fatos materiais que se atraiu a atenção dos homens, tornados eles próprios materiais.


Os misteriosos fenômenos que se encontram disseminados na história do passado renovaram-se e multiplicaram-se ao redor de nós; sucederam-se em ordem progressiva, que parece indicar um plano preconcebido, decorrente de um pensamento, de uma vontade.


Efetivamente, à proporção que o novo espiritualismo ganhava terreno, transformavam-se os fenômenos. As manifestações grosseiras do princípio se modificavam, revestiam caráter mais elevado. Médiuns recebiam, por meio da escrita, de um modo mecânico ou intuitivo, comunicações, inspirações de estranha fonte. Instrumentos de música tocavam sem contacto. Escutavam-se vozes e cantos; melodias penetrantes parecia descerem do céu e perturbaram os mais incrédulos. A escrita direta produzia-se do lado interior de ardósias justapostas e lacradas. Fenômenos de incorporação permitiam aos falecidos tomarem posse do organismo de um sensitivo adormecido. Gradualmente, e como que em consequência de um desdobramento calculado, apareciam os médiuns videntes, falantes, curadores.


Finalmente, os habitantes do espaço, revestindo temporários invólucros, vinham misturar-se com os humanos, vivendo um instante da sua vida material e terrestre, deixando-se ver, palpar, fotografar, dando impressões de mãos, de rostos, esvaecendo-se em seguida para retomar o seu estado etéreo.


Assim que, há cerca de meio século, todo um encadeamento de fatos se produziu, desde os mais inferiores e vulgares, até os mais transcendentes, conforme o grau de elevação das inteligências que intervinham. Toda uma ordem de manifestações se desdobrou sob as vistas de observadores atentos.


Por isso, a despeito das dificuldades de experimentação, a despeito dos casos de impostura e das formas de exploração a que esses fenômenos algumas vezes serviram de pretexto, a apreensão e a desconfiança diminuíram pouco a pouco; o número dos verificadores foi crescendo sempre.


De cinquenta anos para cá, em todos os países o fenômeno espírita tem sido objeto de frequentes investigações, empreendidas e dirigidas por comissões científicas. Cépticos sábios, professores célebres, de todas as universidades do mundo, têm submetido esses fatos a um exame profundo e rigoroso. Sua intenção era, a princípio, fazer luz sobre o que acreditavam resultado de fraudes ou alucinações. Todos, porém, incrédulos como eram, após anos de consciencioso estudo e repetidas experimentações, abriram mão das suas prevenções e se inclinaram perante a realidade dos fatos.


Quanto mais se tem examinado e escrutado o problema, tanto mais numerosos e expressivos se têm revelado os casos de identidade, as provas da persistência da personalidade humana no além-túmulo. As manifestações espíritas, verificadas aos milhares em todos os pontos do globo, demonstraram que um mundo invisível se agita em torno de nós, ao nosso alcance, um mundo em que vivem em estado fluídico todos os que nos precederam na Terra, que aqui lutaram e sofreram, e constituem, para além da morte, uma segunda humanidade.


O novo espiritualismo apresenta-se hoje com um cortejo de provas, um conjunto de testemunhos tão imponente, que já não é possível à dúvida para os investigadores de boa fé. Era o que, nestes termos, externava o professor Challis, da Universidade de Cambridge:


“Os atestados têm sido tão abundantes e completos, os testemunhos têm vindo de tantas fontes independentes entre si e de um número tão considerável de assistentes, que é forçoso, ou admitir as manifestações tais como no-las representam, ou renunciar à possibilidade de certificar um fato, qualquer que seja, mediante um depoimento humano.” *


* Russell Wallace - O moderno espiritualismo, página 139.


Por isso o movimento de propagação se acentuou cada vez mais. Na hora atual, assistimos a uma verdadeira expansão da ideia espírita. A crença no mundo invisível se espalhou por toda a superfície da Terra. Em toda parte, o Espiritismo possui as suas sociedades de experimentação, os seus vulgarizadores, os seus jornais.


*


Insistamos num ponto essencial. O erro ou o cepticismo do homem, relativamente à existência do mundo invisível, era devido a uma causa única: a incapacidade da sua organização para lhe fornecer uma ideia completa das formas e possibilidades da vida. Perdemos de vista que os nossos sentidos, posto que se tenham desenvolvido e apurado, desde a origem da Humanidade, ainda não percebem senão as mais rudimentares formas da matéria; seus estados sutis lhes escapam absolutamente. Daí a opinião, geralmente divulgada, de que a vida não era possível senão sob formas e com organismos semelhantes aos que nos afetam a vista. Daí a ideia falsa de que a vida não era, por toda parte, mais que uma imitação, uma reprodução do que vemos ao redor de nós.


No dia em que, com o auxílio de poderosos instrumentos de óptica, o infinitamente grande e o infinitamente pequeno se patentearam, foi realmente necessário reconhecer que os nossos sentidos, reduzidos a si mesmos, não abrangiam senão um círculo muito restrito do domínio das coisas, um limitadíssimo campo da Natureza; que, em definitivo, quase nada sabíamos da vida universal.


Em época muito mais recente, ainda não conhecíamos da matéria senão os seus três modos mais elementares: os sólidos, os líquidos e os gases. Nada sabíamos das inúmeras transformações de que é suscetível.


Foi somente há uns trinta anos que o quarto estado da matéria, o estado radiante, se tornou conhecido dos sábios. W Crookes, o acadêmico inglês, foi o primeiro que verificou a sua existência e as suas experiências espíritas, continuadas por espaço de três anos, não foram estranhas a essa descoberta. Ele conseguiu demonstrar que a matéria, tornada invisível, reduzida a quantidades infinitesimais, adquire energias e potencialidades incalculáveis, e que essas energias aumentam sem cessar, à medida que a matéria se rarefaz.


Mais recentemente, investigações de numerosos sábios vieram confirmar essas descobertas. Pouco a pouco a Ciência abordou o domínio do invisível, do intangível, do imponderável. Forçoso foi reconhecer que o estado radiante não é o último que a matéria possa revestir; além desse, ela se apresentou sob aspectos cada vez mais sutis e quintessenciados, rarefazendo-se quase ao infinito, sem deixar de ser a forma possível, a forma necessária da vida.


O que a Ciência começa apenas a entrever, os espíritas sabiam-no há muito pela revelação dos Espíritos. Eles tinham vindo assim a saber que o mundo visível não é mais que ínfima porção do Universo; que fora do que incide sob os nossos sentidos, a matéria, a força e a vida se apresentam sob formas variadas, sob inúmeros aspectos; que nós estamos rodeados, envolvidos de radiações invisíveis para nós, em razão da grosseria dos nossos órgãos.


As experiências científicas vêm hoje demonstrar todas essas noções. A comprovação desses modos de energia, a existência dessas formas sutis da matéria fornece, ao mesmo tempo, a explicação racional dos fenômenos espíritas. É aí que os invisíveis haurem as forças de que se servem em suas manifestações físicas; é com elementos da matéria imponderável que são formados os seus invólucros, os seus organismos.


Os investigadores de boa-fé não tardaram a reconhecê-lo. Depois da descoberta da matéria radiante, a Ciência avançou passo a passo nesse vasto império do desconhecido. Todos os dias vem-na confirmar, mediante novas experiências, o que o espírito humano, mais clarividente que os nossos sentidos, há muito pressentira.


A Ciência havia começado por fotografar os raios invisíveis do espectro solar, os raios ultravioleta e infravermelho, que não nos impressionam a retina. Obteve, depois, a reprodução, na placa sensível, de grande número de mundos estelares, de estrelas longínquas, de astros perdidos nas profundezas do espaço, a uma distância tal que as suas irradiações luminosas escapam, não só à nossa vista, mas, às vezes, mesmo ao telescópio.


Sabe-se que as sensações de luz, como as de som, calor etc., são produzidas por determinada quantidade de vibrações do éter.


A retina, órgão da vista, percebe, em certos limites, as ondas luminosas. * Além desses limites, escapa-lhe grande número de vibrações. Ora, essas vibrações, inapreciáveis para nós, podem ser percebidas pela placa fotográfica, que é mais sensível que a vista humana, o que permite dizer que a objetiva fotográfica é como um olhar projetado ao invisível.


* A retina, que é o mais perfeito dos nossos órgãos, percebe as ondulações etéreas desde 400 trilhões por segundo até 790 trilhões, isto é, tudo o que constitui a gama das cores, do vermelho, numa das extremidades do espectro solar, ao violeta, na outra extremidade. Fora daí, a sensação é nula. O professor Stokes conseguiu, entretanto, tornar visíveis os raios ultravioletas, fazendo-os atravessar um papel embebido em solução de sulfato de quinina, que reduz o número das vibrações. Do mesmo modo, o professor Tyndall tornou visíveis, por meio do calor, os raios infravermelhos, inapreciáveis à vista no estado normal. Partindo desses dados, podemos cientificamente admitir uma sequência ininterrupta de vibrações invisíveis, e daí deduzir que, se os nossos órgãos fossem suscetíveis de receber a sua impressão, poderíamos distinguir uma variedade inimaginável de cores ignoradas e também inúmeras formas, substâncias, organismos, que presentemente não se nos revelam, em consequência da imperfeição dos nossos sentidos.


Temos disso ainda urna prova na aplicação dos raios X, dos raios obscuros de Roentgen, à fotografia. Esses raios, posto que invisíveis, têm o poder de atravessar certos corpos opacos, tais como o tecido, a carne, a madeira, e permitem reproduzir objetos ocultos a todos os olhos, como o conteúdo de uma bolsa, de unia carta etc. Penetram nas profundezas do organismo humano, e as mínimas particularidades da nossa anatomia não são mais segredo para eles.


A utilização dos raios X tende a generalizar-se cada vez mais e nos mostra que considerável partido a Ciência do futuro poderá tirar das formas sutis da matéria, quando as souber acumular e dirigir.


A descoberta da matéria luminosa e de suas aplicações é de um alcance incalculável. Não somente prova que além dos nossos sentidos se desdobram, gradualmente, formas da matéria unicamente perceptíveis mediante aparelhos que as registram, mas, também, que essas formas e radiações, à medida que aumentam de sutileza, adquirem mais força e maior penetração. Habituamo-nos, assim, a estudar a Natureza sob os seus recônditos aspectos, que são os do seu maior poder.


Nessas manifestações ainda mal definidas da energia encontramos a explicação científica de inúmeros fenômenos como as aparições, a passagem dos Espíritos através dos corpos sólidos etc. A aplicação dos raios Roentgen à fotografia nos faz compreender o fenômeno da vista dupla dos médiuns e o da fotografia espírita. Efetivamente, se placas podem ser influenciadas por invisíveis raios, por irradiações da matéria imponderável, que penetram os corpos, com mais forte razão os fluidos quintessenciados, de que se compõe o invólucro invisível dos Espíritos, podem, em certas condições, impressionar a retina dos médiuns, aparelho delicado e complexo como não o é a placa de vidro. Assim é que, a cada dia, mais se fortifica o Espiritismo pelo acréscimo de argumentos tirados das descobertas da Ciência e que terminarão por abalar os mais obstinados cépticos.


A fotografia das irradiações do pensamento vem descerrar novo campo aos investigadores.


Numerosos experimentadores * conseguiram fixar na placa sensível as radiações do pensamento e as vibrações da vontade. Suas experiências demonstraram que existe em cada ser humano um centro de radiações invisíveis, um foco de luzes que escapam à vista, mas podem impressionar as placas fotográficas.


* Ver, entre outras, a obra do Dr. Baraduc, A alma humana, seus movimentos, suas luzes.


Quer apoiando os dedos na face que tem a gelatina, quer aplicando no alto do cérebro e na obscuridade, a face vítrea da placa, nesta se obtêm ondas, vibrações que variam de aspecto e intensidade sob a influência das disposições mentais do operador. Uniformes, regulares no estado normal, essas ondas se formam em turbilhões, em espirais, sob o influxo da cólera; estendem-se em lençóis, em largos eflúvios no êxtase, e se elevam em colunas majestosas durante a prece, como vapores de incenso.


Conseguiu-se, mesmo, reproduzir nas placas o duplo fluídico do homem, centro de tais radiações. O coronel de Rochas e o Doutor Barlemont obtiveram, na oficina fotográfica de Nadar, a fotografia simultânea do corpo de um médium e do seu duplo, momentaneamente separados. *


* Ver Revista Espírita, novembro de 1894, com o fac-símile e as obras do coronel de Rochas, Exteriorização da sensibilidade e Exteriorização da motricidade. Análogos resultados se encontram no caso do médium Herrod, e no caso afirmado pelo juiz Carter (Aksakof, Animismo e Espiritismo, págs. 78 e 79) assim como nos testemunhos do Sr. Glendinning (Borderland de julho 1896). Ver também G. Delanne, As aparições materializadas dos Vivos e dos Mortos, e H. Durville, O fantasma dos Vivos.


Como prelúdio de tantas outras provas objetivas, que adiante assinalaremos, a fotografia vem, portanto, revelar a existência desse corpo fluídico que duplica e mantém o nosso corpo físico, desse invólucro sutil que é a forma radiante do Espírito, dele inseparável durante a vida, como depois da morte.


As placas fotográficas não são unicamente impressionadas pelas vibrações fluídicas do ser humano; igualmente o são por formas pertencentes ao mundo invisível, seres que existem, vivem e se movem em torno de nós, presidindo a todo um conjunto de manifestações que vamos passar em revista e que se não podem explicar de outro modo, que não pela sua presença e ação.


Tais seres, pela morte libertados das necessidades e misérias da natureza humana, continuam a agir, graças a esse corpo fluídico imperecível, formado de elementos muitíssimo sutis da matéria, dos quais acabamos de falar e que até agora escapavam aos nossos sentidos, em seu estado normal.


A questão do corpo fluídico, ou perispírito, posto que já por nós tratada em outras páginas * necessita de novas explicações, porque nos faz melhor compreender a vida no espaço e o modo de ação dos Espíritos sobre a matéria.


* Ver caps. V, VIII; - Depois da Morte, cap. XXI e No Invisível, cap. III.


É sabido que as moléculas do nosso corpo físico estão submetidas a constantes mutações. Todos os dias o nosso invólucro carnal elimina e assimila um certo número de elementos. O corpo, desde as partes moles do cérebro até as mais duras parcelas da carcaça óssea, renova-se integralmente dentro de certo número de anos. Em meio dessas correntes incessantes, subsiste em nós uma forma fluídica original, compressível e expansível, que se mantém e perpetua. É nela, no desenho invisível que apresenta, que se vêm incorporar, fixar, as moléculas da matéria grosseira. O perispírito é como o molde, o esboço fluídico do ser humano. É por isso que, quando com a morte se efetua a separação, o corpo material tomba imediatamente e se desorganiza e decompõe.


O perispírito é o invólucro permanente do Espírito, ao passo que o corpo físico não passa de invólucro temporário, veste emprestada, que tomamos para realizar a peregrinação terrestre. O perispírito existia antes do nascimento e sobrevive à morte. Ele constitui, em sua íntima ligação com o Espírito, o elemento essencial e persistente da nossa individualidade, através das múltiplas existências que nos é dado percorrer. *


* Segundo o Sr. Gabriel Delanne, que se aplicou a um estudo consciencioso e aprofundado do corpo fluídico, o perispírito é um verdadeiro organismo fluídico, um modelo em que se concreta a matéria e se organiza o corpo físico. É ele que dirige automaticamente todos os atos que concorrem para a manutenção da vida. Sob o influxo da força vital, dispõe as moléculas materiais de conformidade com um desenho, um plano determinado, que representa todos os grandes aparelhos do organismo: respiração, circulação, sistema nervoso etc., que são as linhas de força. É esse modelo, esse "invisível desenho ideal pressentido por Claude Bernard", que mantém a estabilidade do ser no meio da renovação integral da matéria organizada; sem ele, a ação vital poderia tomar todas as formas, o que não se verifica. É igualmente de acordo com esse plano fluídico perispiritual que é regulada a evolução embriogênica do ser, até à organização completa. Ver G. Delanne, A evolução anímica e As aparições materializadas dos vivos e dos mortos.


É pela existência desse corpo fluídico, pelo seu desprendimento durante o sono, quer natural, quer provocado, que se explicam às aparições dos fantasmas dos vivos e, por extensão, as dos Espíritos dos mortos.


Havia-se já podido verificar, em muitos casos, que o duplo fluídico de pessoas vivas se afastava, em certas condições, do corpo material para aparecer e manifestar-se à distância. Esses fenômenos são conhecidos sob a denominação de fatos telepáticos. * Desde então, tornava-se evidente que, se durante a vida a forma fluídica pode agir fora e sem o concurso do corpo, já não podia a morte ser o termo da sua atividade.


No estudo especial dos fenômenos de exteriorização da sensibilidade e da motricidade, o coronel de Rochas e, com ele, os professores Richet e Sabatier, o Doutor Dariex, os Srs. de Grammont e de Watterville, haviam abordado o domínio das provas experimentais, donde resultou a certeza da ação do duplo fluídico, à distância. Os sábios ingleses, por sua vez, averiguaram, em numerosos casos, que formas fluídicas de Espíritos desencarnados se tornavam visíveis por via de condensação, ou, antes, de materialização, como o vapor d'água espalhado, em estado invisível, na atmosfera pode, mediante sucessivas transformações, tornar-se visível e tangível, no estado de congelamento.


* Ver nota complementar n° 13.


O perispírito é para nós invisível no seu estado ordinário; sua essência sutil produz um número de vibrações que ultrapassa o nosso campo de percepção visual. Nos casos de materialização, o Espírito é obrigado a absorver dos médiuns, ou de outras pessoas presentes, fluidos mais grosseiros, que assimila aos seus, a fim de adaptar o número de vibrações do seu invólucro à nossa capacidade visual. A operação é delicada, inçada de dificuldades. Entretanto, os casos de aparição de Espíritos são numerosos e se apoiam em respeitáveis testemunhos.


O mais célebre é o do Espírito Katie King que, durante três anos, se manifestou em casa de W. Crookes, o acadêmico inglês, com o concurso da médium Florence Cook. O próprio W. Crookes descreveu essas experiências em uma obra muito vulgarizada. * Katie King e Florence Cook foram vistas lado a lado. Eram de estatura e fisionomia diferentes e distinguia-se entre si por muitas particularidades.


* Investigações sobre os fenômenos do espiritualismo, Leymarie, editor”.


O testemunho de W. Crookes é confirmado pelos Drs. Gully e Sexton, príncipe de Sayn-Wittgensteim, de Hárrison, B. Cóleman, Sergeant Cox, Varley, engenheiros eletricistas, Senhores Florence Maryat etc., que assistiram, em diferentes lugares, às aparições de Katie.


Em vão procuraram, muitas vezes, insinuar que o Senhor Crookes se havia retratado de suas afirmações. Em 7 de fevereiro de 1909, W Stead, diretor da Review of Reviews, escrevia ao New York American: “Estive com o Senhor Ch. W Crookes no Ghost Club, onde fora jantar, e ele me autoriza a declarar o seguinte: Depois das experiências que, em matéria de espiritualismo, há trinta anos comecei, não vejo motivo algum para modificar minha precedente opinião.”


Outro caso célebre é o do Espírito Abdullah, relatado por Aksakof, conselheiro de Estado russo, em sua obra Animismo e Espiritismo. O Espírito era de tipo oriental e a sua forma tinha mais de 1,80m. de altura, ao passo que o médium Eglinton era de pequena estatura e de tipo anglo-saxônico muito acentuado.


Um sábio americano, Robert Dale Owen, antigo embaixador dos Estados Unidos em Nápoles, consagrou seis anos às experiências de materialização. Declarou ter visto centenas de formas de Espíritos. Em sessão promovida pela Sociedade de Investigações Psíquicas dos Estados Unidos, à qual assistia o Reverendo Savage, célebre pregador, trinta Espíritos materializados apareceram à vista dos assistentes, que neles reconheceram parentes e amigos falecidos. Essas manifestações são frequentes na América. *


* Ver O Psiquismo experimental, por A Erny, página 184. - Ver também minha obra No Invisível, cap. XX.


O professor Lombroso, de Turim, conhecido em todo o mundo por seus trabalhos de Fisiologia criminalista, fala também de várias aparições que se produziram em sua presença, com a médium Eusápia Paladino. Nestes termos o refere, em seu livro póstumo Richerche sui fenomeni ipnotici e spiritici, a primeira aparição de seu genitor:


“Em Gênova (1902), estava a médium em estado de semi-inconsciência e eu não esperava obter fenômeno de importância. Antes da sessão, havia-lhe pedido que deslocasse, em plena luz, um pesado tinteiro de vidro. Em tom de voz muito comum, respondeu-me ela: – Por que te ocupas com essas ninharias? Eu sou capaz de coisa bem diferente: sou capaz de te fazer ver tua mãe. Nisso é que deverias pensar!”.


“Impressionado com semelhante promessa, ao fim de meia hora de sessão assaltou-me o mais intenso desejo de vê-la realizado e ao meu pensamento a mesa respondeu com três pancadas. De repente (estávamos em meia-obscuridade, com a luz vermelha), vi sair do gabinete uma forma pequenina, como era a de minha mãe. (Convém notar que a estatura de Eusápia é superior, pelo menos dez centímetros, à de minha mãe.) O fantasma estava envolto num véu; fez o giro completo em torno da mesa até chegar ao pé de mim, murmurando palavras que muitos ouviram, mas que minha semi-surdez me impediu de perceber. Ao tempo em que, tomado de comoção, lhe suplicava, mas repetisse, diz-me ela: Cesare, mio fio! – o que, devo confessar, não era hábito seu. Ela era, com efeito, veneziana e tinha o hábito regional de me dizer: mio fio! Pouco depois, a meu pedido, afastou um momento o véu e me deu um beijo.”


A páginas 93 da mencionada obra lê-se que a mãe do autor lhe reapareceu umas vinte vezes ainda, no curso das sessões de Eusápia.


A objeção favorita dos incrédulos, relativamente a esse gênero de fenômenos, é que eles se produzem na escuridade, tão propícia a fraudes.


Há nessa objeção uma parte de verdade e, por nossa vez, não tem vacilado em denunciar escandalosas fraudes; mas é preciso notar que a escuridade é indispensável às aparições luminosas, que são as mais comuns. A luz exerce ação dissolvente sobre os fluidos, e inúmeras manifestações não podem ter bom êxito senão com a sua exclusão. Há, entretanto, casos em que certos Espíritos puderam aparecer à luz fosfórea. Outros se desmaterializam à plena luz. Sob as irradiações de três bicos de gás, viram Katie King fundir-se pouco a pouco, dissolver-se e desaparecer. *


* Revue Scientifique et Morale du Spiritisme, dezembro 1909 e janeiro 1910.


A esses testemunhos temos o dever de acrescentar o nosso, relatando um fato de nosso conhecimento pessoal.


Durante dez anos praticamos essa ordem de estudos, com o concurso de um médico de Tours, o Dr. A., e de um capitão arquivista do 94º Corpo. Por intermédio de um deles, mergulhado em sono magnético, os invisíveis nos prometiam, havia muito tempo, uma materialização, quando, uma tarde, achando-nos os três reunidos no consultório do amigo, portas cuidadosamente fechadas e penetrando ainda suficiente claridade pela ampla janela, de modo que nos permitia ver distintamente os menores objetos, ouvimos três pancadas em dado ponto da parede. Era o sinal convencionado.


Tendo-se os olhos voltados para esse lado, vimos surgir do meio da parede, sem qualquer solução de continuidade, uma forma humana, de estatura média. Aparecia de perfil, mostrando a princípio os ombros e a cabeça. Gradualmente, foi-se apresentando todo o corpo. A parte superior desenhava-se perfeitamente; os contornos eram nítidos e precisos. A parte inferior era mais vaporosa e formava apenas uma confusa massa. A aparição não caminhava, deslizava. Depois de atravessar lentamente a sala, a dois passos de nós, foi entranhar-se e desaparecer na parede oposta, num ponto que não apresentava abertura alguma. Pudemos contemplá-la durante cerca de três minutos e as nossas impressões, confrontadas logo após, acusavam perfeita identidade.


As materializações e aparições de Espíritos encontram, como vimos, obstáculos que, forçosamente, lhes limitam o número. O contrário se dá com certos fenômenos de ordem física e de variadíssima natureza, os quais se propagam e multiplicam, cada vez mais, em torno de nós.


Vamos examinar sucintamente esses fatos em sua escala progressiva, no ponto de vista do interesse que oferecem e da certeza de que deles resulta, relativamente à vida livre do Espírito.


Em primeira linha vem o fenômeno hoje tão comum, das casas mal-assombradas. São habitações frequentadas por Espíritos de ordem inferior, nas quais se entregam eles a ruidosas manifestações. Pancadas, sons de toda a ordem, desde os mais fracos até os mais retumbantes, fazem vibrar os soalhos, móveis, paredes e o próprio ar. A louça é mudada e quebrada; pedras são atiradas de fora para dentro dos aposentos.


Os jornais trazem, frequentemente, narrativas de fenômenos desse gênero. Mal cessam num ponto, reproduzem-se noutros, quer na França, quer no estrangeiro, despertando a atenção pública. Em certos lugares, como em Valence-en-Brie, em Yzeures (Indre-e-Loire), em Ath (Brabant), em Agen, em Turim etc., duraram meses inteiros, sem que os mais hábeis policiais tivessem conseguido descobrir uma causa humana para tais manifestações.


É o seguinte, sobre o assunto, o testemunho de Lombroso, que escrevia na Leitura:


“Os casos de casas mal-assombradas, em que durante anos se reproduzem aparições ou ruídos, em concordância com a narração de mortes trágicas, observados sem a presença dos médiuns, militam a favor da ação dos falecidos. Trata-se muitas vezes de casas desabitadas, onde não raro se observam tais fenômenos durante várias gerações e mesmo até durante séculos. *


* J. Maxwell Phenomènes Psychiques. Pág. 260.


“O Dr. Maxwell, Procurador Geral da Corte de Apelação de Bordéus, encontrou acórdãos de diversos tribunais superiores, no século dezoito, anulando arrendamentos por motivo de serem mal-assombrados os lugares”.


Esses fatos se explicam pela ação malfazeja de seres invisíveis que desabafam, post mortem, ódios nascidos, no mundo, de más relações anteriores, de prejuízos causados por certas famílias ou indivíduos, que por esse motivo se tornam vítimas da perniciosa influência desses desencarnados. Assim, no plano geral de evolução, a própria liberdade do mal, o exercício das paixões inferiores atraindo, com a produção desses fenômenos, a atenção pública para um mundo ignorado, concorrem para a instrução e o progresso de todos.


Mau grado à repugnância da Ciência em geral, para ocupar-se de tais fatos, cada dia vemos crescer o número dos investigadores conscienciosos que, afastando-se das trilhas seguidas, se entregam à paciente observação do mundo invisível. Não há mês, semana, que não se registre um novo fato no domínio experimental.


Os fenômenos de ordem física, a levitação de corpos pesados e o seu transporte à distância, sem contacto, provocam mui especialmente a observação de alguns sábios.


Falamos em outro lugar * das experiências realizadas em 1892, em Nápoles e Milão, sob a direção de homens de ciência de várias nações. Processos verbais, por eles redigidos, reconhecem a intervenção de forças e vontades desconhecidas, na produção desses fenômenos.


* Depois da Morte e No Invisível.


Análogas experiências foram depois efetuadas em Roma, em Varsóvia, em casa do Doutor Ochorowicz, na ilha de Roubaud, em casa do Senhor Richet, professor da Academia de Medicina de Paris, em Bordéus, em Agnelas, perto de Voiron (Isère), em casa do coronel de Rochas. Citemos ainda as do professor Botázzi, diretor do Instituto de Fisiologia na Universidade de Nápoles, em maio de 1907, com a assistência do professor Cardarélli, senador, de Galeótti, Passíni, Scarpa, de Amícis etc.


Essas experiências foram dirigidas com método rigorosamente científico. Como, evidentemente, os sentidos podem enganar, empregaram-se aparelhos registradores que permitiram estabelecer, não somente a realidade, a objetividade do fenômeno, mas ainda a grafia da força física em ação.


As cautelas adotadas pelo grupo de sábios acima indicados, sendo médium Eusápia Paladino, foram as seguintes:


Na extremidade da sala, por trás de uma cortina, foi previamente colocada uma mesa com duas prateleiras pesando 21 quilos, e ocupando todo o espaço do gabinete à distância de 20 centímetros da cortina, mais ou menos.


Sobre essa mesa foram dispostos:


1- Um cilindro coberto de papel enfumaçado, movediço, em torno de um eixo ao qual fora fixada uma espécie de caneta cuja ponta atingia a superfície do cilindro. Imprimindo movimento de rotação ao cilindro, aí a caneta registrava uma linha horizontal;


2- Uma balança de pesar cartas;


3- Um metrônomo elétrico de Zimmermann (o contacto é estabelecido por uma ponta de platina que, a cada oscilação dupla da haste, mergulha em pequeno tubo de mercúrio), posto em comunicação com um aparelho avisador Desprez, situado num compartimento ao lado;


4- Um teclado telegráfico, ligado a um outro avisador Desprez;


5- Uma pera de cauchu, ligada, por comprido tubo também de cauchu, através da parede, a um manômetro de mercúrio de François Frank, situado no compartimento contíguo.


Nessas condições, todos os aparelhos descritos foram impressionados, à distância, estando as mãos de Eusápia seguras por dois experimentadores e formando círculo em torno dela todos os assistentes.


Por toda parte foi verificado o deslocamento de móveis, sons de instrumentos, sem contacto, levitação de corpos humanos, levantamento de cadeiras com as pessoas que as ocupavam. O professor Lombroso fala de um guarda-louça “que avançava como um paquiderme”.


Todas essas manifestações se poderiam explicar, indiferentemente, por causas exclusivamente materiais, pela ação de forças inconscientes. A força psíquica, exteriorizada pela criatura humana, bastaria, por exemplo, para explicar o movimento de mesas e outros objetos à distância e, por extensão, todos os fenômenos que não acusam a ação de uma inteligência estranha à dos assistentes.


Mas o que complica o fenômeno e torna insuficiente essa explicação é que, na maior parte das sessões de que falamos, de par com o movimento de objetos e levitação de pessoas, produzem-se tateamentos, aparição de mãos luminosas e de formas humanas, que não são dos experimentadores.


Os Annales des Sciences Psychiques de 1° de fevereiro 1903 relatam os seguintes fatos observados pelo Doutor Venzano: “Numa sessão em Milão, quando Eusápia se achava no máximo grau do transe, vimos, eu e as pessoas que me ficavam próximas, aparecer do lado direito uma forma de mulher, sumamente cara, que me disse uma palavra confusa: tesouro – ao que me pareceu. Ao centro achava-se Eusápia adormecida, ao pé de mim, e por cima a cortina se intumesceu diversas vezes; ao mesmo tempo, à esquerda, a mesa movia-se no gabinete e um pequeno objeto era de lá transportado para a mesa do centro.”


“Em Gênova, o Doutor Imoda observou que, enquanto o fantasma tirava da mão do Sr. Becker uma pena e lha restituía, outro fantasma se inclinava sobre Imoda. Outra feita – diz o narrador – ao mesmo tempo em que eu era acariciado por um fantasma, a princesa Ruspoli sentia que uma mão lhe tocava a cabeça e Imoda sentia, a seu turno, que outra mão lhe apertava a sua, com força. Ora, como explicar que a força física de um médium operasse ao mesmo tempo em três direções e com três diferentes objetivos? É possível concentrar a atenção assaz fortemente para obter fenômenos plásticos em três diversas direções?”


Algumas vezes árias têm sido executadas em pianos fechados; vozes e cantos se fazem ouvir e, como em Roma, nas experiências do Dr. Sant'Ângelo, penetrantes melodias, que nada têm de terrestres, mergulham os assistentes num enlevo que quase toca ao êxtase.


Todos esses fenômenos têm sido obtidos com a presença de médiuns célebres, entre outros, Jessé Stephard e Eusápia Paladino. Agora, algumas explicações sobre a natureza e o verdadeiro papel da mediunidade, nos parecem indispensáveis.


*


Nossos sentidos, dissemo-lo acima, não nos permitem conhecer mais que restrito setor do Universo. Entretanto, o círculo dos nossos conhecimentos pouco a pouco se ampliou e crescerá ainda, à proporção que se aperfeiçoarem os nossos sentidos.


Bastar-nos-ia possuir mais um sentido, uma nova faculdade psíquica, para ver descerrarem-se ante nós alguns domínios ignorados da vida, para ver ostentarem-se ao nosso alcance as maravilhas do mundo invisível.


Ora, esses novos sentidos, essas faculdades que no futuro serão propriedade de todos, já o são de certas pessoas, em diferentes graus. São essas pessoas que designamos sob o nome de médiuns.


É preciso, além disso, notar que em todos os tempos existiram indivíduos dotados de faculdades especiais, que lhes permitiam comunicar com o invisível. A História, os livros sagrados de todos os povos, deles fazem menção quase a cada página. Os videntes da Gália, os oráculos e pitonisas da Grécia, as sibilas do mundo pagão, os grandes e pequenos profetas da Judéia, outra coisa não eram senão os médiuns de nossos dias. As potências superiores sempre se utilizaram desses intermediários para fazer ouvir seus ensinos, suas exortações à Humanidade. Só os nomes mudam; os fatos permanecem os mesmos, com a única diferença de que esses fatos se produzem em maior número, sob mais variadas formas, quando chega para a Humanidade a hora de começar um ciclo, uma nova ascensão para essas culminâncias do pensamento, que são o objetivo da sua trajetória.


Convém acrescentar que os Espíritos elevados não são os únicos a se manifestar; Espíritos de todas as categorias gostam de entrar em relação com os homens, desde que encontrem para isso os meios. Daí, a necessidade de distinguir, nas comunicações, o que procede de cima e o que vem de baixo; o que emana dos Espíritos de luz e o que provém dos atrasados. Há Espíritos de todos os caracteres e de todas as elevações; há mesmo, ao redor de nós, muito maior número de inferiores que de adiantados. São aqueles que produzem os fenômenos físicos, as manifestações estrondosas, tudo que é de índole vulgar, manifestações, todavia úteis, como demonstramos, pois que nos facultam o conhecimento de todo um mundo ignorado ou esquecido.


Nesses fenômenos os médiuns desempenham um papel passivo, à semelhança do das pilhas, na eletricidade. São produtores, acumuladores de fluidos e é neles que os Espíritos haurem as forças necessárias para atuar sobre a matéria. Encontra-se essa categoria de médiuns um pouco por toda parte, até nos meios pouco esclarecidos. Seu concurso é puramente material; suas aptidões são antes um predicado físico que indício de elevação. Muito diferente é a parte dos médiuns nos fenômenos intelectuais, de todos os mais interessantes e nos quais melhor se revela a personalidade das inteligências invisíveis. É por eles que nos vêm os ensinos, as revelações que fazem do Espiritismo não somente um campo de explorações científicas, mas ainda, conforme a expressão de Russel Wallace, “um verbo, uma palavra”.


Passemos em revista alguns desses fenômenos:


O da escrita direta deve, em primeiro lugar, atrair nossa atenção. Em certas circunstâncias, vê-se aparecerem folhas de papel cobertas de escrita de origem não humana. * Nós mesmos assistimos à produção de muitos fatos dessa natureza. Um dia entre outros, em Orange, no correr de uma sessão de Espiritismo, vimos descer pelo espaço, por cima de nossa cabeça, um pedaço de papel que parecia sair do teto e que veio, lentamente, cair no chapéu colocado em cima da mesa, ao pé de nós. Duas linhas com uma letra fina, dois versos estavam nele escritos. Exprimiam um aviso, uma predição que nos dizia respeito e que mais tarde se realizou.


* Ver No Invisível, cap. XVIII.


A maior parte das vezes esse fenômeno se produz em ardósias duplas, fechadas, seladas, carimbadas, no interior das quais se coloca um fragmento de lápis. A comunicação é redigida em presença dos assistentes, às vezes em língua estrangeira, desconhecida do médium e das pessoas presentes, e responde a perguntas por estas formuladas.


O Doutor Gibier estudou esse gênero de manifestações durante trinta e três sessões, com o concurso do médium Slade. * Censuraram este último por experimentar fora das vistas dos assistentes, colocando as ardósias debaixo da mesa. Citaremos, portanto, de preferência o caso do médium Eglinton, relatado na obra do professor Stainton Moses, da Universidade de Oxford, intitulada Psycography. Aí o fenômeno se produzia em plena luz, à vista de todos.


* Ver Espiritismo ou Faquirismo ocidental, pelo Dr. Gibier.


Nessa obra ele fala de uma sessão a que assistia o Senhor Gladstone. O grande estadista inglês escreve uma pergunta na ardósia e volta-a imediatamente, adaptando-a a uma outra; um pedaço de lápis é colocado no intervalo. Amarram-se as duas ardósias, sobre as quais o médium coloca a extremidade dos dedos para estabelecer a comunicação fluídica. Pouco depois, ouve-se o ranger do lápis. O olhar penetrante do Senhor Gladstone não se desviava do médium. Nessas condições de rigorosa verificação, foram obtidas respostas em várias línguas, algumas das quais ignoradas do médium, respostas em perfeita concordância com as perguntas formuladas.


A Revue Spirite de abril 1907 relata as experiências de escrita direta efetuadas pelo Doutor Roman Uricz, chefe de clínica do hospital de Bialy-Kamien, na Galícia. Assim se exprime ele:


“Muito tempo me ocupei de Espiritismo. Tenho agora um médium com quem durante três meses realizei experiências, duas vezes por semana, e obtive fenômenos verdadeiramente interessantes.


“Esse médium é uma camponesa absolutamente ignorante. Frequentou a escola de sua aldeia dois anos apenas, lê com dificuldade e escreve mal. Está empregada como criada de uma Sra. R., em Bialy-Kamien. As sessões, efetuadas em minha casa, assistem, além de mim e do médium, essa Sra. R. e um amigo, o Doutor W. Obtivemos a escrita direta. O que é notável e, que o saiba, inteiramente novo, é o modo pelo qual a obtivemos. Tenho visto muitas vezes a escrita produzida entre duas ardósias ou no papel, com um lápis, num quarto em condições de escuridade; mas as precauções que tomamos foram de tal ordem que excluem absolutamente qualquer possibilidade de fraude, não só da parte do médium, como de qualquer outra pessoa. Quis ver sem resquício de dúvida, como se produzia a escrita. Fiz, por conseguinte, construir, com o consentimento da Inteligência diretora, o seguinte aparelho:


Uma caixinha de madeira, A B C D, munida, em lugar da tábua dianteira B D, de um saco em forma de funil S, feito de um tecido de seda escura, flexível, mas encorpado, de 50 centímetros de comprimento.


Na extremidade desse saco foi adaptado um pequeno tubo H, com um lápis, M N, introduzido de tal sorte que a parte posterior do lápis e, mesmo o lápis quase todo, fica dentro da caixa, ficando a ponta aguçada N saliente do tubo H e apoiada numa folha de papel P. O interior da caixa é inteiramente escuro e o saco em nada impede os movimentos do lápis. Com essa disposição logramos obter, à plena luz, com extrema rapidez e absoluta segurança, comunicações escritas por um processo visível aos olhos de todos. O médium coloca as mãos no tampo superior C D e, ao fim de alguns minutos, começa a escrita, enquanto a parte inferior do saco se intumesce, como se mão oculta se houvesse introduzido no interior.


É em tais condições e por esse único meio que atualmente nos comunicamos com a Inteligência invisível. Quanto ao conteúdo das mensagens, às vezes muito longas, é consideravelmente superior à inteligência do médium e excede não raro a capacidade dos outros assistentes, pois que frequentemente recebemos comunicações em alemão e em francês – o médium não fala senão o dialeto eslavo; – e um dia recebemos uma mensagem de cinco páginas, em inglês, língua que nenhum de nós conhece. As mensagens são, às vezes, muito engenhosas e sugestivas. Assim, uma noite, perguntei se os Espíritos eram imateriais. – “Sim, em certo sentido”, foi-me respondido. – “Então – repliquei –, estais fora do tempo e do espaço.” – “Não...” – “Como?” – “Um ponto geométrico é também imaterial, pois que não tem dimensões, e, entretanto, está no espaço. O que acabo de dizer não constitui mais que uma comparação, porque nós outros, Espíritos, temos dimensões, mas não como vós.” Uma camponesa ignorante, de catorze anos, seria capaz de dar semelhantes respostas?


Outro dia, recebemos uma prova de identidade indubitável. Durante a sessão o lápis escreveu, em caracteres inteiramente novos para nós: Agradeço-lhe a injeção que me fez, quando estava em meu leito de morte. O senhor me aliviou. – Carolina C...” Perguntei a quem eram dirigidas essas palavras. “Ao senhor”, respondeu a Inteligência. – Quando se deu esse fato e quem sois?”, perguntei. O lápis escreveu: No dia 18 de setembro 1900, no hospital de Lemberg.” Nesse ano era eu ainda estudante e trabalhava nesse estabelecimento como auxiliar de clínica. Era tudo de que me recordava a tal respeito.


Dias depois da sessão, tive ensejo de ir a Lemberg. Dirigi-me ao hospital e encontrei, no registro de 1900, o nome em questão. Era de uma mulher de 56 anos, doente de câncer do estômago e que lá morrera. Fui então ao escritório dos assentamentos da Polícia e perguntei se havia em Lemberg alguém com o nome de C. Informaram-me que havia uma professora com esse nome. Fui nesse mesmo dia procurá-la e como me dissesse ela haver perdido a mãe em 1900, mostrei-lhe a comunicação recebida por escrita direta. Com grande espanto, reconheceu a senhora, imediatamente, a letra e a assinatura de sua falecida mãe, exibindo cartas por esta escritas, que provavam, sem dúvida possível, a identidade da comunicante. Deu-me de bom grado uma dessas cartas. Entretanto, não me lembro de ter dado injeção de morfina em Carolina C.”


Muito mais comum que o precedente, é o fenômeno da escrita mediúnica. O sensitivo, sob um impulso oculto, traça no papel comunicações, mensagens em cuja redação o seu pensamento e vontade apenas tiveram parte mínima. Essa faculdade apresenta aspectos muito variados. Puramente mecânica em certos médiuns, que ignoram, quando escrevem, a natureza e sentido das comunicações obtidas – a ponto de poderem alguns falar enquanto escrevem, desviar a atenção e trabalhar na escuridade – no maior número é ela semimecânica; neste caso o braço e o cérebro são igualmente influenciados; as palavras surgem ao pensamento do médium no próprio momento em que as traça o lápis. Às vezes, é puramente intuitiva e, por conseguinte, de natureza menos convincente e mais difícil de verificar.


As comunicações obtidas por esses diferentes processos apresentam grande variedade de estilo e são de valor muito desigual. Na maior parte, não contêm senão banalidades, mas há também algumas notáveis pela beleza da forma e elevação do pensamento.


Damos, a seguir, alguns exemplos, obtidos por diferentes médiuns.


*


A Prece


Médium, Sra. F.


“É chegado o momento de poder a inteligência, suficientemente desenvolvida no homem, compreender a ação, significação e alcance da prece. Certo de ser compreendido, posso, pois, dizer: Não mais incredulidade, nem fanatismo! antes a completa segurança da força que Deus concede a todos os seres, quando a Ele se eleva o pensamento.


Na prece, na lembrança volvida a esse Pai, fonte inexaurível de bondade e caridade, longe de vós essas palavras aprendidas, que os lábios pronunciam num hábito adquirido, mas deixam frio o coração em seus impulsos. Reanimados e atraídos para Ele pelo conhecimento da verdade, pela fé profunda e a verdadeira luz, enviai ao Eterno os vossos corações num pensamento de amor, de respeito, de confiança e abandono; em um transporte, enfim, de todo o ser, esse veemente impulso interior, único, a que se pode chamar prece!


Desde a aurora, a alma que se eleva, pela prece, ao infinito, experimenta uma como primavera de pensamento que, nas circunstâncias diversas da existência, a conduz ao fim preciso, que lhe é designado.


A prece conserva a infância, essa inocência em que sentis ainda a pureza, reflexo do repouso que a alma fruiu no espaço. Para o adolescente é o freio repressor da impetuosidade, que nele brota como vigoroso fluxo; seiva geratriz, se é seguida, perda certa em caso de desfalecimento, mas resgate, se a alma pode e sabe retemperar-se na prece.


Depois, na idade em que, na plenitude de sua força e faculdade, o homem sente em si a energia que, muitas vezes, o deve conduzir às grandes coisas, a concentração em que se firma o pensamento, esse grito da consciência que lhe dirige os atos não é ainda a prece?


E do fraco, poderoso amparo, não é a prece o consolo, a luz que o auxilia a dirigir-se, como o prisma do farol que indica ao náufrago a praia salvadora?


No perigo, mediante estas duas palavras proferidas com fé “meu Deus!” – envia o homem toda uma prece ao Criador. Esse brado, essa deprecação ao Todo-Poderoso não exprimem, como recordação, o instinto do socorro que ele espera receber?


O marinheiro exposto aos perigos, à mingua de todo socorro em meio dos elementos desencadeados, formula em sua fé profunda um voto: é prece cuja sinceridade sobe radiosa Àquele que o pode salvar!

E quando ruge na Terra a tempestade, grandes e pequenos tremem ao considerar a própria impotência e, a essa voz poderosa que repercute nas profundezas da terra, oram e confiantes dizem estas palavras: Deus! preserva-nos de todo perigo! – Abandono completo, na prece, Àquele que, por sua vontade, tudo pode.


Quando chega a idade em que nos desaparece a força, em que os anos fazem sentir todo o seu peso, em que a alma ensombrada pelos sofrimentos, pela fraqueza que a invade, se sente incapaz de reagir; quando, finalmente, o ser se vê acabrunhado pela inação, a prece, caudal refrigerante, lhe vem acalmar e fortalecer as derradeiras horas que deve permanecer na Terra.


Em qualquer idade, quando vos assediam as provas, quando sofre o corpo e, sobretudo, o coração amargurado já não deixa repousar feliz o pensamento no que consola e atrai, à prece, unicamente à prece, reclamam a alma, o pensamento, o coração, a calma que já não possuem.


Quando o encarnado, na plenitude de suas energias, inspirado pelo desejo do belo e do grande, refere suas aspirações a tudo que o rodeia, pratica o bem, torna-se útil, auxilia os desgraçados e, celeste prece, força do pensamento, em seus atos é amparado pelo fluido poderoso que do Além se lhe associa, constante e invisível cadeia do encarnado com os desencarnados e, para mim, prece!"


Direi, pois, a todos que a bondade inspira, aos que, neste século em que o pensamento inquieto investiga sem firmeza, sentem a necessidade de uma fé profunda e regeneradora: – Ensinai a prece à criança, desde o berço! Todo ser, mesmo no extravio das paixões, conserva a lembrança da impressão recebida no limiar da vida e torna a encontrar como consolação, no crepúsculo da existência percorrida, o encanto ainda presente dos anos abençoados em que a criança, iniciando-se na vida, respira sem temor, vive sem inquietação, proferindo nos braços de sua mãe este nome tão grande e tão doce – “Deus!” que ela lhe ensina a murmurar."


Haurindo força e convicção nessa piedosa lembrança, ele repetirá com toda a confiança, no último adeus à Terra, a prece aprendida no primeiro sorriso.”


 JERÔNIMO DE PRAGA.  


O Céu Estrelado. Os Mundos



Médium, Srta. M L.


“Claridades siderais, vias do céu! Vós, que indicais às almas as linhas ideais de sua evolução; vós, que vos estendeis pelas profundezas dos espaços! Planetas, donde as almas vos contemplam, não sois mais que poeiras douro, luminosos traços no escuro céu de estio. Para aqueles que, porém, já não aprisiona o túmulo da carne, planetas, estrelas, sois os verdadeiros mensageiros do divino pensamento; escreveis no misterioso e divino livro da Criação os gloriosos salmos com que Deus quis assinalar a sua obra. Sois o perpétuo assombro das criaturas e vosso esplendor lhes há de sempre dar as sensações vertiginosas do infinito! Ó nebulosas, vias-lácteas, constelações inumeráveis, sois como bacantes pelo pensamento de Deus embriagadas! Projetais vossos eternos giros ao redor dos sóis, como as antigas sacerdotisas em torno ao carro do deus. Sacudis nos espaços as luminosas cabeleiras e assim lançais, através dos tempos, um testemunho fulgurante de vossas existências. Vossos cíngulos se desenrolam, nas noites de verão, em feixes ígneos; os bólidos, os globos abrasados se vos desprenderam dos flancos e cingis assim o mundo, nos sulcos luminosos por eles dourados no seio dos espaços.


Vossas vibrações harmônicas fazem acompanhamento ao hino sagrado das almas, e nunca a vossa melodiosa trajetória parece mais bela aos nossos olhos do que à hora em que terminado, finalmente, o percurso que Deus vos assinou, ou acabada a vossa tarefa de pátria de alma em evolução, ides despedaçar-vos contra o obstáculo por Deus indicado, projetando através dos espaços, assombrados com o vosso desaparecimento, as partículas dessa matéria de que éreis formados e que vai regressar ao seio de Deus, para reconstituir outros universos.


Passai, estrelas e planetas; seguis rápidos e vários e vosso giro, vossas órbitas imensas, parecem o símbolo da eternidade; sois belos e deslumbrais os humanos olhares; mas que sois para a alma? Lugares de passagem, o caro albergue em que nos demoramos uma noite, a escutar os sons melodiosos que desferem as árvores ao vento. Mas o viajante partiu, a casa com as paredes fendidas se desmoronou; só restam as velhas pedras, douradas pelo Sol de estio, a meio cobertas pelas desordenadas ervas invasoras.


Assim vos haveis de destruir, estrelas e planetas; não sereis mais que uma poeira de astro, planetas vagabundos pelo céu. Mas a alma permanecerá fiel à vossa lembrança e, quando perto lhe passar um desses bólidos, há de ela reconhecer algo da antiga morada que Deus lhe destinara.


Terra, tu que me viste passar, que em teu seio recolhes-te às lágrimas que vertia o homem pela dor acabrunhado, vais desmoronar-te perante o teu Senhor. Já a alma prevê o tempo em que hás de ser apenas um planeta sem vida e receamos o teu desaparecimento. Assim é a lei. Ó Terra, ó minha mãe! tu morrerás; mas os milhões de almas embrionárias que constituíam tua matéria, serão então libertados e prosseguirão noutro lugar a sua evolução. Não deploremos, pois, a tua sorte; ela é grande, é nobre, está em harmonia com a lei de Deus. E quando, atingidas outras altitudes morais, meus olhos contemplarem extasiados as fulgurantes constelações na profundeza dos espaços, procurarei o lugar em que, radiante dos pensamentos que teu divino vestuário agita, deverias passar.


Nada mais verei que uma lembrança; encontrarei outras estrelas em formação, o espaço será ainda imutável, outros planetas serão outras tantas terras, portadoras de almas como as que hoje trazes. Mas o que foram tuas montanhas, teus vales benditos em que ressoa a voz da Humanidade, já nem mesmo será uma poeira no seio dos firmamentos. Nada mais restará de tua antiga forma. Ufana-te, porém, ó Terra! terás cumprido o teu dever. As almas, graças a ti, se terão transportado a outros lugares, aos espaços em que circulam constantemente os pensamentos do amor impenetrável, que são a vida e a existência das almas deslumbradas por esse foco incessantemente renovado.


A Deus, Terra, ao teu Senhor deves o amor e o reconhecimento, e eu sei que lhe rendes homenagem, porque ouço extasiado os melodiosos cantos que tua atmosfera, ao passar no eterno éter, entoa como as almas conscientes da verdade.


Estrelas, inclinai-vos em vossas órbitas radiosas: lançai eternamente ao firmamento os feixes de luz que vos revelam. Estais no seio daquele que É!"


R.  


Recordações Terrestres. O Deserto


Médium, Srta. M L.


“O deserto profundo e avermelhado se estende qual mar longínquo ao pé das colinas, donde mergulho a vista nessas extensões misteriosas e sem vida. O Sol se esconde, a noite cai e ao tórrido calor do dia vai suceder a sombra glacial. O deserto adormece, a viração caiu. Aqui, ali, mal se destacam alguns espinhosos e raquíticos arbustos. São manchas pardas nessa toalha luminosa e informe, que as últimas claridades do Sol fazem brilhar ainda. Morrem as horas ao Sol do deserto; parece já não existir o tempo na face dessa terra árida e triste. A alma também fica absorta e não vê passar diante de si mais que os grupos de estrelas no sombrio fundo azul. Envolvi os ombros no Albornoz que mal me protegera do frio, e talvez esse gesto revele também minha inquietação e susto em presença desse horizonte imenso que guarda o segredo de tantos mortos!... Recolho-me também; quero esquivar-me a esse mistério, ao enigma dessas terras desoladas. Escuto: nenhum rumor de vida; apenas alguns murmúrios do vento, algumas longínquas sonoridades que dificilmente o ouvido apreende. A sombria e silenciosa majestade do deserto me comove e oprime.


Procuro dar um pouco de vida àquela solidão; volto-me para o meu árabe e lhe pergunto onde faremos a sesta. Sei bem que não compreenderei senão a meio sua resposta; mas ao menos ouvirei uma voz humana. Esforço inútil; o murmúrio de minhas palavras parece o grito do inseto. Somos ridiculamente humildes em presença do deserto. Não é a voz de um homem que o pode comover; é preciso a do vento e da tempestade. A extensão não vibrou de humanos sons; desprezou meu esforço, do mesmo modo que o próximo vento apagará os vestígios de meus passos.


Os cimos das colinas se abaixam no horizonte, semelhantes a leões que talvez durmam nos seus antros. Dir-se-iam esfinges agachadas, cochilando. Elas guardam os mistérios do deserto. Escuto; o silêncio é sempre o deus do espaço, e só a noite indica que há um poder do tempo. Mas, a Humanidade não respeita essa grandeza. Vamos violar a poderosa e formidável solidão, e nossos filhos buscarão nela instalar os seus ódios.


O deserto é poderoso; lutará contra a invasão e por muito tempo as suas estradas de rutilante esplendor conservarão o reflexo do sangue dos audaciosos viajores que lhe quiseram arrancar o segredo.


UM DESCONHECIDO  


A Reencarnação


Médium, J. D.


“A grande ideia da reencarnação é a única, meus irmãos, capaz de restaurar a nossa decadente sociedade. Somente ela pode reprimir esse egoísmo avassalador que desagrega família, pátria, sociedade, e que substitui a generosa ideia do dever por essa feroz concepção de uma individualidade que se deve afirmar a todo custo.


O materialismo, que destroçou a crença na vida futura, e os dogmas incompletos, que desnaturam o princípio sublime das religiões, fizeram murchar na alma humana essas admiráveis flores de um ideal superior às subalternas contingências da vida material e à brutalidade impulsiva dos instintos.


É preciso, meus irmãos, que alguma coisa venha despertar nas almas o sentido da vida espiritual.


Por mais que a Ciência multiplique as suas maravilhas, por mais que o homem despenda as admiráveis faculdades da sua inteligência e do seu gênio, permanecem estéreis todos os seus esforços, se em si mesmo não possui as fontes vivas da vida espiritual; se não sente palpitar em si essa vida imperecível, que lhe assegura a imortalidade e torna-o consciente desse Universo eterno, de que é uma das vivas e eternas partículas.


Não, não, irmãos, o homem não é esse efêmero e anônimo ser; poeira transitória de vida, que dura apenas um instante para sofrer e morrer. O homem é a vida, a vida eterna, individualizada na substância para adquirir consciência de si mesmo e constituir a plenitude da felicidade pela plenitude do conhecimento.


Sim, o homem é grande: grande porque é o artífice da sua própria grandeza; grande porque, com o próprio esforço, cria sua futura personalidade; porque todas as aquisições da sua inteligência, da sua razão e do seu coração, as deve ele ao seu trabalho e experiência.


Ó divina reencarnação! Por ti, o bruto inconsciente se converte em gênio; por ti, o mau adquire a bondade suprema e o ignorante o conhecimento de todas as coisas. Por ti, o homem toma gradualmente consciência de si mesmo; cada vida lhe traz uma experiência, cada existência uma força e um poder novos; por ti, não há dor nem prova que não tenha objetivo; toda alegria é uma recompensa. Por ti, a mais íntima solidariedade vincula todas as criaturas, e o progresso, a formação de uma sociedade melhor, é a obra comum e secular.


Quando a ideia da reencarnação se houver novamente senhoreado da mentalidade humana, o progresso social dará um passo imenso. As misérias e provações do homem lhe parecerão menos dolorosas, porque terão para ele um sentido positivo. Com mais segurança há de ele saborear as suas alegrias, porque sentirá que a vida se lhe tornou estável com a imortalidade.


O Universo já se lhe não figurará implacável máquina, cujas engrenagens trituravam desapiedadamente as criaturas, sem se preocupar com os seus gritos e estertores.


O homem compreenderá, então, que existe um foco imenso, pelo qual é chamado a se tornar uma centelha consciente e fecunda, depois de haver aprendido, na série de suas vidas sucessivas, o segredo da eterna vida, isto é: a inteligência que sabe, a consciência que age, e o amor que ama.”


PASTOR B


A Natureza


Médium, Srta. M L.


“Visitei muitas vezes os vossos belos pais, quando meu marido residia às margens do Loire, e conheço todo o encanto da Primavera entre vós. Vi o pássaro responder à sua ninhada, quando o seu primeiro pipilar reclamava imperiosamente mais abundante nutrição. Não tendes os cálidos ardores meridionais, mas o vosso céu é mais suave: a luz de vossos sóis no ocaso se diversifica e multiplica de nuvem em nuvem, e prolonga o crepúsculo.


Muitas vezes escutei, como o podereis fazer por vossa parte, a queda abafada dos brancos e veludosos flocos de neve. Os ninhos balouçam, esquecidos e vazios, nas extremidades dos galhos despojados da folhagem. A Natureza parece morta, mas, como toda verdadeira obra de Deus, encerra a esperança das vindouras primaveras. Minha alma é irmã do Inverno: nela dorme as suas recordações. Sei, porém, que minha vontade pode ressuscitar esse passado de ontem e dar-me, com a permissão de Deus, a ilusão das vidas transcorridas e a certeza de um melhoramento sempre desejado. A Natureza é a nossa grande educadora; com ela aprendemos a balbuciar o nome divino e é ele que canta, às noites, o hino universal que a Humanidade escuta emocionada; transfunde a alegria em nossos corações e nos faz ver a verdade, porque é a grande mediadora. Se soubéssemos escutar a sua voz, seríamos mais que homens: teríamos adivinhado a palavra divina.”


MME. MICHEILET.  


Invocações


Médium, Srta. B. R.


“Ó Deus, tu que infundes, ao mesmo tempo, nobre terror e soberana admiração aos que teu nome pronúncia, digna-te inundar com tua luz resplandecente os fracos que a ti se dirigem num grito de angústia e de amor!


A ti, meu Deus, se eleva lentamente meu pensamento. Em ti, foco de amor, procura minha alma se abrasar. Faze baixar à tua humana criatura teu ardente sopro; faze cair o véu de cegueira que me cobre os olhos e me oculta os teus imensos horizontes; revela a meu ser teus infinitos esplendores; murmura ao meu coração palavras de vida; fala-me, ó tu, que em todo o meu ser sinto vibrar!


Deus! Ser majestoso de grandeza e de simplicidade, foco sempre ardente de vida, amor e luz! Tu que numa eternidade sabes conter o infinito! Tu, receptor ao mesmo tempo de meus queixumes e de minhas jubilosas expansões, tu, ainda, que me guias com teus radiosos meteoros, cuja rápida passagem ilumina meu sombrio asilo, ampara-me, consola-me! Tu finalmente, cujo sopro abrasador me reanima a expirante chama, pousa um instante sobre mim tua piedade; faze renascer em mim a centelha desprendida do teu braseiro de amor. Ouve minha prece! Envia, como resposta, um raio da tua pura claridade e faze que, ao teu nome, todo o meu ser, num sublime transporte, a ti se arroje.”


IRIAC.  


*


Imaginaram recentemente os sábios experimentadores ingleses, sob o nome de cross-correspondence, um novo processo de comunicação com o invisível, que seria bem próprio a atestar a identidade dos Espíritos cujas manifestações se produzem mediante a escrita mediúnica. Oliver Lodge o descreveu numa reunião efetuada em 30 de janeiro de 1908, pela Sociedade de Investigações Psíquicas, de Londres.


“A cross-correspondence – diz ele – isto é, o recebimento por um médium, de uma parte de comunicação, e de outra parte por outro médium, não podendo cada uma dessas partes ser compreendida sem a adjunção da outra, é boa prova de que uma única Inteligência opera sobre os dois automatistas.


Se, além disso, a mensagem apresenta os característicos de um finado e é recebida a esse título por pessoas que o não conheciam intimamente, pode-se ver nisso a prova da persistência da atividade intelectual do desaparecido. E se do mesmo modo obtemos um trecho de crítica literária, inteiramente conforme ao seu modo de pensar e que não poderia ser imaginado por terceira pessoa, digo que a prova é convincente. Tais as espécies de provas que a Sociedade pode comunicar sobre esse ponto.”


Depois de referir-se aos esforços em tal sentido empregados pelos Espíritos de Gurney, Hodgson e Myers em particular, acrescenta o orador:


“Achamos que suas respostas a perguntas especiais são formuladas de um modo que caracteriza sua personalidade e revela conhecimentos que eram de sua competência.”


“A parede que separa os encarnados dos desencarnados – diz ele ao terminar – ainda se mantém de pé, mas acha-se adelgaçada em muitos lugares. À semelhança dos escavadores de um túnel, ouvimos, em meio do ruído das águas e dos outros rumores, as pancadas de picareta dos nossos camaradas do outro lado.”


A isso não se limitaram os ingleses. Fundaram um escritório de comunicações regulares com o outro mundo. Foi o intrépido escritor W Stead que o organizou em Londres, a instâncias de uma amiga desaparecida, Srta. Júlia Ames; e daí a sua denominação: “Escritório de Júlia”. Esse Espírito se propõe vir em auxílio, assim, de todos os desencarnados que procuram entrar em relação com os vivos que atrás de si deixaram, como dos encarnados acabrunhados com a perda de um ente caro. Para ser admitido a solicitar uma comunicação, Júlia, que dirige pessoalmente as sessões, não requer senão duas coisas: uma afeição lícita e sincera e um estudo prévio do problema espírita. Não tolera retribuição alguma. O impetrante, uma vez tomado em consideração o pedido, é levado à presença de três médiuns diferentes e todos os resultados são registrados.


Esse escritório já conseguiu, desde a sua fundação, estabelecer numerosas comunicações com o invisível. “Lançou uma ponte de uma à outra margem do túmulo”, com alguma razão o disse W Stead.


Durante o primeiro trimestre de sua existência, centenas de pedidos lhe foram endereçados, na maior parte aceitos por Júlia. Calcula W Stead que pelo menos 75% dos que passaram pela tríplice prova dos médiuns receberam respostas concludentes, em metade dos casos afirmando os impetrantes, de modo absoluto, que obtiveram por um ou outro médium, senão por todos eles, provas estremes de toda contradição. *


* Ver a Internacional Review, setembro 1909.


A clientela do escritório Júlia é, sobretudo, arrebanhada entre pessoas cultas e instruídas: doutores, advogados, professores etc. Um repórter do Daily News refere que um dia acompanhou um autor bem conhecido, cujo nome causaria admiração por imiscuir-se em semelhante assunto. Esse autor desejava obter a manifestação de um amigo falecido. Obtido o consentimento de Júlia, foi, como de costume, posto sucessivamente em relação com três médiuns, assistidos por um estenógrafo, sendo redigido de cada sessão um detalhado termo. Numa das sessões, sua casa foi exatamente descrita com os arredores; numa outra recebeu uma mensagem que julgou provir, com certeza, do amigo falecido.


*


Sendo o mundo dos Espíritos, em grande parte, constituído pelas almas que viveram na Terra, e sendo as Inteligências de escol, em um meio como no outro, em diminuto número, facilmente compreenderemos que na sua maior parte as comunicações de além-túmulo sejam destituídas de grandeza e originalidade. Quase todas, entretanto, têm um caráter moral incontestável e denotam louváveis intenções. Quantas pessoas desoladas têm podido, por esse meio, receber dos que amaram e julgavam perdidos palavras de ânimo e conforto!


Quantas almas hesitantes na obscura trilha do dever têm sido animadas, desviadas do suicídio, fortalecidas contra as paixões, mediante exortações vindas do outro mundo!


Acima ainda dessas manifestações, cuja utilidade é tão evidente e cujo efeito moral é tão intenso, é preciso colocar certas comunicações extraordinárias, subscritas por modestos nomes ou termos alegóricos, mas animadas de um sopro vigoroso e que trazem, em sua forma e ensinos, o cunho de Espíritos verdadeiramente superiores. Foi com documentos dessa natureza que se constituiu a doutrina do Espiritismo. Allan Kardec recolheu grande número deles. Mesmo depois, não se estancaram essas fontes do pensamento sobre-humano; elas têm continuado a fluir para a Humanidade.


Os fenômenos de escrita direta ou automática são completados e confirmados pelos fatos de incorporação. * Neles, os Espíritos já se não contentam com órgãos de um médium adormecido. Este, por eles mergulhado em sono magnético, abandona o seu invólucro a personalidades invisíveis, que dele se apoderam para conversar com os assistentes. Por esse meio, sugestivas conversações são entabuladas entre os habitantes do espaço e os parentes e amigos que deixaram na Terra.


* Ver No Invisível, cap. XIX.


Nas manifestações da escrita mecânica, já a identidade dos Espíritos se verifica pela forma dos caracteres traçados, pela analogia das assinaturas, pelo estilo e até pelos erros de grafia habituais a esses Espíritos e que reaparecem nas suas comunicações. Nos fenômenos de incorporação, essa identidade ainda se torna mais evidente. Pelas suas atitudes, gestos e dizeres, o Espírito se revela tal qual era na Terra. Os que o conheceram em sua precedente encarnação reconheceram-no integralmente o mesmo; a sua individualidade reaparece em locuções características, em expressões que lhe eram familiares, em mil particularidades psicológicas que escapam à análise e só podem ser apreciadas pelos que estudaram de perto esse fenômeno.


Nada mais emocionante, por exemplo, que ouvir uma mãe, vinda do além-túmulo, exortar e reanimar os filhos que deixou neste mundo. Nada mais curioso que ver Espíritos das mais diversas categorias animar sucessivamente o invólucro de um médium e manifestar-se aos assistentes, pela palavra e pelo gesto. A cada um deles a fisionomia do sensitivo se transforma, a voz muda, a expressão fisionômica se modifica. Pela linguagem e atitudes a personalidade do Espírito se revela, antes mesmo que dê o nome.


Tivemos, por muito tempo, em um círculo de experimentação a cujos trabalhos presidíamos, dois médiuns de incorporação. Um servia de órgão aos Espíritos protetores do grupo.


Quando um destes o animava, as linhas do seu rosto adquiriam expressão Angélica, a voz se suavizava, tornava-se melodiosa. A linguagem revestia formas de pureza, poesia, elevação muito acima das faculdades pessoais do sensitivo. Sua vista parecia penetrar fundo o coração dos assistentes. Lia-lhes os pensamentos; dirigia, nominalmente a cada um, avisos, advertências relativamente ao seu estado moral e à sua vida privada, o que denotava, logo à primeira vista, conhecimento perfeito do caráter e do estado de consciência de todos. Palestrava sobre coisas íntimas, só deles conhecidas. Impunha-se a todos pelo seu ar majestoso, do mesmo modo que pela sabedoria e doçura das expressões. A impressão produzida era profunda. Tudo parecia vibrar e iluminar-se, em torno desse Espírito. Ao retirar-se, sentíamos que alguma coisa de grande passara entre nós.


Quase sempre um segundo Espírito, de certa elevação, mas de caráter muito diferente, lhe sucedia no corpo do médium. Esse Espírito tinha a palavra rápida e forte, o gesto enérgico e dominador. Sua ciência era vasta. Aceitara o encargo de dirigir os estudos morais e filosóficos do grupo e sabia resolver os mais difíceis problemas. Nós o tínhamos em grande consideração e nos comprazíamos em lhe obedecer. Para qualquer recém-chegado, porém, era um espetáculo estranho ver sucederem, no frágil invólucro de uma senhora de maneiras tímidas e modestos conhecimentos, dois Espíritos de caráter tão elevado e tão dessemelhantes.


O segundo médium não oferecia, nas manifestações de que era agente, menor interesse. Era uma senhora elegante e instruída, esposa de um oficial superior e que parecia, à primeira vista, reunir as melhores condições para fenômenos de caráter transcendente. Ora, na prática, era exatamente o contrário que se verificava. Essa senhora servia habitualmente de instrumento a Espíritos pouco adiantados, que haviam ocupado na Terra diversas posições. Interessante ouvir, por exemplo, uma ex-vendedora de legumes de Amiens exprimir-se em algaravia picarda, pela voz de uma pessoa de maneiras distintas e que nunca estivera na Picardia. A linguagem da médium, correta e escolhida quando desperta, tornava-se confusa, arrastada, semeada de lapsos e de expressões regionais durante o sono magnético, quando o Espírito de Sofia intervinha em nossas sessões. Desde que este se afastava, outros Espíritos o vinham substituir desfilando, por assim dizer, no invólucro da sensitiva e apresentando-nos sucessivamente os tipos mais disparatados: um antigo sacristão de voz untuosa e arrastada, emitida em tom baixo, como se estivesse na igreja; um ex-procurador de gesto imperioso e ares escarninhos, palavra ríspida e decisiva etc.


Outras vezes, eram cenas tocantes, de arrancar lágrimas aos assistentes. Amigos de além-túmulo vinham lembrar recordações da infância, serviços prestados, erros cometidos; expor seu modo de vida no espaço, falar das alegrias ou dos sofrimentos morais colhidos depois da morte, conforme a sua norma de vida na Terra. Assistíamos a animadas conversações entre Espíritos, comovedoras dissertações sobre os mistérios da vida e da morte, sobre todos os grandes problemas do Universo, e, de cada vez, sentimo-nos emocionados e fortalecidos. Essa íntima comunhão com o mundo invisível descerrava infinitas perspectivas ao nosso pensamento; influía em todos os nossos atos, esclarecia-nos com uma luz intensa a trilha da existência ainda tão obscura e tortuosa para a multidão dos que a percorrem. Dia virá em que a Humanidade conhecerá o valor desses ensinos e deles participará. Nesse dia, ter-se-á renovado a face do mundo.


Depois de haver passado em revista os principais fenômenos que servem de base ao moderno Espiritualismo, ficaria incompleto o nosso resumo se não disséssemos algumas palavras acerca das objeções apresentadas e das teorias adversas, com que se tem procurado explicá-los.


Há, em primeiro lugar, a negação absoluta. O Espiritismo – têm dito – não é mais que conjunto de fraudes e de embustes. Todos os fatos extraordinários em que se baseia são simulados.


É verdade que alguns impostores têm procurado imitar esses fenômenos; mas os artífices têm sido facilmente descobertos e os espíritas foram os primeiros a indicá-los. Em quase todos os casos mencionados acima: levitação, aparições, materialização de Espíritos, os médiuns foram ligados, amarrados à própria cadeira; frequentemente, os experimentadores lhes seguravam os pés e as mãos. Às vezes, foram mesmo colocados em casinholas fechadas, especialmente preparadas para esse fim, e cuja chave ficava em poder dos operadores, enfileirados ao redor do médium. Foi em tais condições que numerosos casos de materialização de fantasmas se produziram.


Em suma, as imposturas foram quase sempre desmascaradas e muitos fenômenos jamais foram imitados, pela simples razão de que escapam a toda imitação.


Os fenômenos espíritas têm sido observados, verificados, inspecionados por sábios cépticos, que passaram por todos os graus da incredulidade e cuja convicção não se formou senão pouco a pouco, sob a pressão dos fatos.


Esses sábios eram homens de laboratório, físicos e químicos experimentados, médicos e magistrados. Possuíam todos os requisitos necessários, toda a competência para desmascarar as mais hábeis fraudes, para frustrar as mais bem urdidas tramas.


Seus nomes pertencem ao número dos que são para toda a Humanidade objeto de respeito e veneração. Ao lado desses homens ilustres, todos os que se têm entregado a um estudo paciente, consciencioso e perseverante desses fenômenos, vêm afirmar a sua realidade; ao passo que a crítica e a negação emanam de pessoas cujo pronunciamento, baseado em insuficientes noções, só pode ser superficial.


Aconteceu a alguns deles o que muitas vezes acontece aos observadores inconstantes. Não obtiveram mais que medíocres resultados, às vezes mesmo negativos, e se tornaram mais cépticos que dantes. Não quiseram tomar em consideração uma coisa essencial: que o fenômeno espírita é regido por leis, submetido a condições que importa conhecer e observar. * Sua paciência cansou muito depressa. As provas que exigem não se obtêm em poucos dias. W Crookes, Russell Wallace, Zõllner, Aksakof, Dale Owen, Robert Hare, Myers, Lombroso, Oliver Lodge e outros muitos sábios estudaram a questão longos anos. Não se contentaram com assistir a algumas sessões mais ou menos bem dirigidas e em que bons médiuns funcionassem. Deram-se, eles próprios, ao trabalho de investigar os fatos, de os acumular e analisar; penetraram até ao fundo das coisas. Por isso, foi a sua perseverança coroada de êxito e o seu método de investigação pode ser oferecido como exemplo a todo pesquisador severo.


* Ver No Invisível, caps. IX e X.


Entre as teorias lançadas à circulação para explicar os fenômenos espíritas, a da alucinação ocupa sempre o maior lugar. Perdeu, entretanto, toda a razão de ser, à vista das fotografias de Espíritos obtidas por Aksakof, Crookes, Volpi, Ochorowicz, W Stead e tantos outros. Não se fotografam alucinações.


Os invisíveis não somente impressionaram as placas fotográficas, como também instrumentos de precisão, como os aparelhos Marey; * levantam objetos materiais e os decompõem e recompõem; deixam impressões na parafina derretida. Estão aí outras tantas provas contra a teoria da alucinação, quer individual, quer coletiva.


* Ver Annales des Sciences Psychiques, agosto, setembro e novembro 1907 e fevereiro 1909.


Certos críticos acusam os fenômenos espíritas de vulgaridade, grosseria, trivialidade; consideram-nos ridículos. Essas apreciações provam incompetência. As manifestações não podem ser diferentes do que teriam sido provindas do mesmo Espírito, quando na Terra. A morte não nos muda e nós somos, na outra vida, exclusivamente o que nós fizemos aqui na Terra. Daí a inferioridade de tantos seres desencarnados.


Por outro lado, essas manifestações grosseiras e triviais têm sua utilidade, porque é o que melhor nos revela a identidade do Espírito. Elas têm convencido inúmeros experimentadores da realidade da sobrevivência; pouco a pouco os levaram a observar, a estudar fenômenos de ordem mais elevada. Porque, como vimos, os fatos se encadeiam e ligam em ordem gradual, em virtude de um plano que parece indicar a ação de um poder, de uma vontade superior, que procura arrancar a Humanidade à sua indiferença e impeli-la para o estudo e a investigação dos seus destinos. Os fenômenos físicos, mesas falantes, casas mal-assombradas, eram necessários para atrair a atenção dos homens, mas nisso é necessário apenas ver meios preliminares, um encaminhamento para mais elevados domínios do conhecimento.


Por muito tempo foi o Espiritismo considerado coisa ridícula: por muito tempo foram os espíritas achincalhados, escarnecidos, acusados de loucura. Mas, em todos os que se fizeram portadores de uma ideia, de uma força, de uma verdade nova, não aconteceu a mesma coisa? Louco! disseram de Galileu; loucos Giordano Bruno, Galvani, Watt, Palissy, Salomão de Caus!


A senda do progresso é, muitas vezes, ingrata aos inovadores. Tem sido regada por muitas lágrimas e por muito sangue. Aqueles, cujos nomes acabamos de citar, tiveram de abrir caminho através da conspiração dos interesses. Eram desprezados por uns, detestados e perseguidos por outros. Lutaram e sofreram; comparativamente com eles, os que são hoje apenas ridiculizados devem considerar sumamente benigna a sua sorte.


Foi inspirando-se nesses grandes exemplos que os espíritas aprenderam a suportar com paciência os sofrimentos. Uma coisa os tem consolado de todos os sarcasmos: é a certeza de que também são portadores de um benefício, de uma força, de uma luz à Humanidade.


Em cada século a Humanidade retifica suas apreciações. O que parecia grande torna-se pequeno, o que se figurava pequeno se agiganta. Hoje mesmo, já se começa a compreender que o Espiritismo é um dos mais consideráveis acontecimentos dos modernos tempos, uma das mais notáveis formas da evolução do pensamento, o germe de uma das maiores revoluções morais que o mundo terá, porventura, conhecido.


Quaisquer que sejam os motejos de que é objeto, é preciso reconhecer que ao Espiritismo é que a nova ciência psíquica deve o nascimento, porque sem ele, sem o impulso que lhe deu, todas as descobertas que se vinculam a essa ciência não teriam surgido.


No que concerne ao estudo das manifestações dos Espíritos, sentem-se os espíritas em muito boa companhia. Os nomes ilustres de Russell Wallace, de Crookes, Robert Hare, Mapes, Zõllner, Aksakof, Butlerof, Wagner, Flammarion, Myers, Lombroso, têm sido repetidamente citados. Veem-se também sábios como os professores Barrett, Hyslop, Morselli, Bottazzi, William James, da Universidade de Harvard, Lodge, reitor da Universidade de Birmingham, o professor Richet, o coronel de Rochas etc., que não consideram indignos deles tais estudos. Que pensar, depois disso, das acusações de ridículo e loucura? Que provam elas senão esta coisa contestadora: que o império da rotina subsiste em certos meios? O homem se inclina, muitíssimas vezes, a julgar os fatos no limite do acanhado horizonte dos seus preconceitos e dos seus conhecimentos. É preciso elevar mais alto, projetar mais longe o olhar e medir a sua fraqueza em face do Universo. Assim se aprenderá a ser modesto, a nada rejeitar nem condenar sem prévio exame.


Tem-se procurado explicar todos os fenômenos do Espiritismo pela sugestão e pela dupla personalidade. Nas experiências, dizem, o médium se sugestiona a si mesmo, ou, ainda, padece a influência dos assistentes.


A sugestão mental, que outra coisa não é senão a transmissão do pensamento, não obstante as dificuldades que apresenta, pode compreender-se e estabelecer-se entre dois cérebros organizados, por exemplo entre o magnetizador e o sensitivo. Pode-se, porém, acreditar que a sugestão opere sobre mesas? Pode-se admitir que objetos inanimados sejam aptos a receber e reproduzir as impressões dos assistentes?


Com essa teoria não se poderiam explicar os casos de identidade, as revelações de fatos, de datas, ignorados do médium e dos circunstantes, as quais se produzem muitíssimas vezes nas experiências, tanto como as manifestações contrárias à vontade de todos os espectadores. Algumas vezes, particularidades absolutamente ignoradas de toda criatura na Terra têm sido reveladas por médiuns e depois averiguadas e reconhecidas exatas. Disso há exemplos notáveis na obra de Aksakof, Animismo e Espiritismo e na de Russell Wallace, O Moderno Espiritualismo, assim como casos de mediunidade verificados em crianças de tenra idade, os quais, do mesmo modo que os precedentes, não poderiam ser explicados pela sugestão. *


* Ver, na nota complementar nº 13, o caso do professor Hare.


Segundo os Srs. Pierre Janet e Ferre * – e aí está uma explicação de que frequentemente se servem os adversários do Espiritismo – deve-se comparar um médium escrevente a um sensitivo hipnotizado, ao qual se sugere uma personalidade durante o sono, e que, ao despertar, tem perdido a lembrança dessa sugestão. O sensitivo escreve inconscientemente uma carta, uma narrativa referente a essa pessoa imaginária. Aí está, dizem, a origem de todas as comunicações espíritas.


* E Janet, O automatismo psicológico.


Todos os que possuem alguma experiência do Espiritismo sabem que essa explicação é inadmissível. Os médiuns, escrevendo de um modo automático, não são previamente mergulhados em sono hipnótico. É no estado de vigília, na plenitude de suas faculdades e do seu “eu” consciente que os médiuns escrevem, sob o impulso dos Espíritos. Nas experiências do Senhor Janet, há sempre um hipnotizador em ligação magnética com o sensitivo. Não é isso o que se dá nas sessões espíritas; nem o evocador, nem os assistentes atuam sobre o médium; este ignora absolutamente o caráter do Espírito que vai intervir. Muitas vezes mesmo, as perguntas são dirigidas aos Espíritos por incrédulos, mais dispostos a combater a manifestação do que a facilitá-la.


O fenômeno da comunicação gráfica não consiste unicamente no caráter automático do escrito, mas, sobretudo, nas provas inteligentes, nas identidades que testifica. Ora, as experiências do Senhor Janet nada de semelhante fornecem, absolutamente. As comunicações sugeridas aos sensitivos hipnotizados são sempre de acabrunhadora banalidade, ao passo que as mensagens dos Espíritos contêm, muitas vezes, indicações, revelações que se relacionam com a vida presente e passada de seres que na Terra conhecemos, que foram nossos amigos ou parentes, particularidades ignoradas do médium e que revestem cunho de certeza que os distingue, absolutamente, das experiências de hipnotismo.


Não se conseguiria, mediante a sugestão, fazer escreverem analfabetos, obter, por meio de um velador, poesias como as que recolheram o Senhor Jaubert, presidente do Tribunal de Carcassone e que obtiveram prêmios nos jogos florais de Tolosa. Nem por esse meio se poderia, igualmente, provocar a aparição de mãos, de formas humanas, nem ainda a escrita em ardósias trazidas por observadores que não as largaram um momento.


É preciso recordar que a doutrina dos Espíritos foi constituída mediante numerosas comunicações, obtidas por médiuns escreventes, aos quais eram absolutamente estranhos tais ensinos. Quase todos haviam sido embalados em sua infância pelos ensinos das igrejas, pelas ideias de inferno e paraíso. Suas convicções religiosas, as noções que sobre a vida futura possuíam, estavam em flagrante oposição com as opiniões expostas pelos Espíritos. Neles não havia ideia alguma preconcebida da reencarnação, nem das vidas sucessivas da alma, nem da verdadeira situação do Espírito depois da morte, coisas essas expostas nas comunicações obtidas. Há nisso uma objeção irrefutável à teoria da sugestão; a realidade objetiva das comunicações ressalta com tanto mais vigor, quanto os médiuns não se achavam de modo algum preparados, pela sua educação e por suas opiniões pessoais, para as concepções transmitidas pelos Espíritos.


É evidente que, no meio da enorme quantidade de fatos espíritas atualmente registrados, muitos há medíocres e pouco concludentes, outros que podem ser explicados pela sugestão ou pela exteriorização do sensitivo. Em certos grupos espíritas, são as pessoas levadas a tudo aceitar como procedente dos Espíritos e não põem convenientemente de parte os fenômenos duvidosos. Por muito ampla, porém, que seja a parte atribuída a estes, resta um imponente conjunto de manifestações inexplicáveis pela sugestão, pelo inconsciente, pela alucinação e por outras análogas teorias.


Os críticos procedem sempre de modo uniforme a respeito do Espiritismo. Não se ocupam senão de um gênero especial de fenômenos e afastam propositadamente da discussão tudo o que não podem compreender nem refutar. Desde que acreditam haver encontrado a explicação de alguns fatos insulados, apressam-se a concluir pelo absurdo do conjunto. Ora, quase sempre a sua explicação é inexata e deixam na penumbra as provas mais flagrantes da existência dos Espíritos e da sua intervenção nas coisas humanas.


Outra teoria, muitas vezes invocada pelos contraditores da ideia espírita, é a do inconsciente, ou do ego inconsciente. A ela se reportam numerosos sistemas, obscuros e complicados.


Segundo essa teoria, dois seres coexistiriam em nós: um consciente, que se conhece e se possui; outro inconsciente, que a si próprio se ignora, como é por nós ignorado e que, todavia, possui faculdades superiores às nossas, pois que lhe são atribuídos todos os fenômenos do magnetismo e do Espiritismo; e não somente haveria um segundo “nós mesmos”, mas um terceiro, um quarto e mais até, porque certos teóricos admitem no homem a existência de grande número de personalidades, de consciências diferentes. Esse sistema é conhecido sob o nome de poli consciência.


Conforme demonstrou o Sr. Charles Richet no seu livro O homem e a inteligência, o sonambulismo provocado, o que se denomina a dupla personalidade representa, simplesmente, os diversos estados de uma única e mesma personalidade. Assim também o inconsciente não é mais que uma forma da memória, o despertar em nós de lembranças, de faculdades, de capacidades adormecidas. * Os teoristas do inconsciente pretendem, por esse meio, combater o maravilhoso e inventam um sistema ainda mais fantástico e complicado do que tudo o que colimam. Não só a sua teoria é ininteligível, mas não explica absolutamente os fenômenos espíritas, porque não se pode compreender como o inconsciente produziria formas de finados, comunicações inteligentes por meio de sons ou de pancadas e todos os fatos outros atestados por experimentadores de todos os países.


* Ver O Problema do Ser, do Destino e da Dor, cap. IV.


Também se pretendeu atribuir as mensagens ditadas em sessão a uma espécie de consciência coletiva, que se desprendesse do conjunto dos assistentes. Concepção ilógica, se assim fosse. Um fato o vai demonstrar.


No dia 25 de outubro de 1908, foi realizada uma sessão, de manhã, em Paris, no escritório do Sr. H. Rousseau, 16 Boulevard Beaumarchais. Durante a sequente refeição, no domicílio da família, em Vincennes, um batimento de pancadas chamou a atenção. Alguém desejava ser atendida e a médium, uma filha da família, foi solicitada por esse invisível a retificar certos erros de particularidades cometidos, de manhã, em Paris. Seria preciso, pois, admitir que esse hipotético ser, esse subconsciente, emanação de todo um grupo, persistisse depois da partida do maior número e pudesse vir, noutro meio, impressionar o médium para fazer corrigir, com inteligência e precisão, as indicações errôneas, registradas de manhã.


Quase sempre se confunde o subconsciente, quer com o duplo fluídico, que não é um ser, mas um organismo, quer com o Espírito familiar, preposto à guarda de toda alma encarnada neste mundo.


Pode-se perguntar em virtude de que acordo universal esses inconscientes ocultos no homem, que se ignoram entre si e a si próprios se ignoram, são unânimes, no curso das manifestações ocultas, em se dizerem Espíritos de mortos.


Pelo menos, é o que temos podido verificar nas inúmeras experiências em que temos tomado parte durante mais de trinta anos, em tão diversos pontos, na França e no estrangeiro. Em parte alguma se apresentaram os seres invisíveis como inconscientes, ou “egos” superiores dos médiuns e de outras pessoas presentes, mas sempre como personalidades diferentes, na plenitude de sua consciência, como individualidades livres, tendo vivido na Terra, conhecidos dos assistentes, na maioria dos casos com todos os caracteres do ser humano, suas qualidades e defeitos, suas fraquezas e virtudes, e dando frequentes provas de identidade. *


* Ver nota complementar nº 12 e No Invisível, "Identidade dos Espíritos", cap. XXI.


O que há de mais notável nisso, convenhamos, é a argúcia, a fecundidade de certos pensadores, sua habilidade em arquitetar teorias fantasistas, no intuito de se esquivarem a realidades que lhes desagradam e os incomodam.


Indubitavelmente, não previram todas as consequências dos seus sistemas; fecharam os olhos aos resultados que deles se podem deduzir. Não ponderando que essas doutrinas funestas aniquilam a consciência e a personalidade, dividindo-as, são conduzidos, fatal e logicamente, à negação da liberdade, da responsabilidade e, por conseguinte, à destruição de toda a lei moral.


Com essa hipótese, efetivamente, o homem seria uma dualidade, ou uma pluralidade mal equilibrada, em que cada consciência agiria à vontade, sem preocupação das outras. São tais noções que, penetrando nas almas, tornando-se para elas uma convicção, um argumento, as impelem a todos os excessos.


Resumamos: Tudo, na Natureza e no homem, é simples, claro, harmônico. O espírito de sistema é que complica e obscurece tudo.


Do exame atento, do estudo constante e aprofundado do ser humano, resulta uma coisa: a existência em nós de três elementos: o corpo físico, o corpo fluídico ou perispírito e, finalmente, a alma ou espírito. O que se chama o inconsciente, a segunda pessoa, o eu superior, a poli consciência etc., é simplesmente o espírito que, em certas condições de desprendimento e de clarividência, sente em si mesmo produzir-se uma como manifestação de potências ocultas, um conjunto de elementos que estavam momentaneamente escondidos sob o véu da carne.


Não, certamente; o homem não possui muitas consciências. A unidade psíquica do ser é a condição essencial da sua liberdade e da sua responsabilidade. Nele, porém, há muitos estados de consciência. À proporção que o Espírito se desprende da matéria e se emancipa do seu invólucro carnal, suas faculdades, suas percepções se ampliam, despertam as recordações, dilata-se a irradiação da personalidade. É o que, algumas vezes, se produz no estado de “transe”, de sono magnético. Nesse estado, o véu espesso da matéria se levanta e as capacidades latentes reaparecem. Daí certas manifestações de uma mesma Inteligência, que têm podido fazer crer numa dupla personalidade, numa pluralidade de consciências.


Isso não basta, entretanto, para explicar os fenômenos espíritas: na maioria dos casos, a intervenção de Inteligências estranhas, de vontades livres e autônomas, impõe-se como a única explicação racional.


Não citaremos, senão incidentemente, a teoria que atribui aos demônios essas manifestações. É argumento bem cediço, porque dele se tem feito uso em todos os tempos e contra quase todas as inovações. “Deve-se julgar a árvore pelos frutos” – diz a Escritura. Ora, se ponderarmos todo o bem moral que já realizou no mundo o Espiritismo, se considerarmos quantos cépticos, indiferentes, sensuais, têm sido por ele encaminhados para uma concepção mais alta e salutar da vida, da justiça e do dever, quantos ateus reconduzidos ao pensamento de Deus, teremos de concluir que o demônio, se autor dos fenômenos de além-túmulo, trabalha contra si, em detrimento dos próprios interesses. O que noutro lugar * dissemos do inferno e dos demônios nos dispensa de insistir neste ponto. Satanás não passa de um mito. Não há ser votado eternamente ao mal.


* Ver Depois da Morte, cap. XXXVII.


Se na maior parte as críticas formuladas contra o Espiritismo são injustas e errôneas, força é reconhecer que, entre elas, algumas há fundado. Muitos abusos se opõem à marcha e o desenvolvimento do moderno espiritualismo. Esses abusos não devem ser atribuídos à ideia, em si mesma, senão à má aplicação que dela é feita em certos meios. Não se dá isso com todas as coisas humanas? Não há ideia alguma, por mais santa e respeitável, que não tenha ocasionado abusos: é a inevitável consequência da inferioridade do nosso mundo. No que respeita ao Espiritismo, cumpre assinalar, antes de tudo, a mediunidade venal, que induz muitos sensitivos à simulação dos fenômenos e, em segundo lugar, as nocivas práticas adotadas em alguns grupos baldos de saber, de preparo e direção. Muitas pessoas fazem do Espiritismo frívola diversão e, por meio do que se denomina “dança das mesas”, atraem Espíritos inferiores e levianos; estes não têm escrúpulo em mistificá-las e travar com elas relações que podem conduzir até a obsessão.


Outras se aplicam, sem fiscalização, à escrita mediúnica e obtêm copiosas comunicações, subscritas por nomes célebres e que não passam de medíocres, sem estilo nem originalidade.


Há, assim, um Espiritismo de baixa esfera, domínio exclusivo dos Espíritos inferiores, não raro viciado de fraude, mentira e embuste, e contra o qual nunca seria demais nos precatarmos.


São essas práticas que têm feito acreditar na intervenção de demônios, quando não se trata senão de Espíritos vulgares e atrasados. Basta adquirir alguma experiência dessas coisas para distinguir a natureza dos seres invisíveis e eximir-se às ciladas dos Espíritos inferiores.


Esses abusos têm sido assinalados muitas vezes, e mesmo exagerados à vontade. Deles têm lançado mão para combater o moderno espiritualismo. Grave erro, porém, seria não ver na prática do Espiritismo senão esses inconvenientes e, a pretexto de os evitar, querer privar a Humanidade das vantagens reais, consideráveis, que pode auferir de um estudo sério, de uma prudente e refletida prática da mediunidade.


Quanto aos perigos que apresenta o Espiritismo, facilmente podem ser conjurados, abstendo-se as pessoas, nas sessões, de todo pensamento frívolo, de todo objetivo interesseiro, procedendo às evocações com piedoso e elevado sentimento. “Os semelhantes se atraem”, diz o provérbio. Nada mais verdadeiro no domínio dos estudos ocultos. As perguntas banais e frívolos gracejos, usuais em certos meios, atraem os Espíritos mistificadores. As disposições sérias, ao contrário, os pensamentos graves e recolhidos, agradam às Inteligências superiores.


É perigoso trabalhar sozinho, sem inspeção, sem proteção eficaz; é perigoso entregar-se insuladamente às evocações espíritas. Para evitar as más influências e manifestações grosseiras, deve-se procurar o concurso de pequeno número de pessoas esclarecidas, votadas ao bem, sob a direção de um crente experimentado. Nessas condições, pedi a Deus, com coração sincero, permita a um Espírito elevado prestar-vos seu amparo, afastar os nômades da sombra, facilitar o acesso em vosso grupo aos que amais e cuja ausência vos aflige; pedi às Inteligências superiores vos ministrem seus ensinos e vos guiem os passos nesse fecundo campo da comunhão espiritual. Se os vossos sentimentos forem desinteressados, se não procurardes nesse estudo senão um meio de purificação, eles serão felizes em acudir ao vosso chamado e o Espiritismo se tornará fonte de esclarecimento e de inspirações elevadas.


*


De nossa explanação resulta que atingimos uma hora decisiva na história da Ciência.


A ciência experimental franqueou o limite que separa dois mundos, o visível e o invisível. Ela se encontra em presença de um infinito vivo. Era o que dizia o professor Charles Richet, da Academia de Medicina de Paris, em seu relatório sobre as sessões espíritas de Milão: “É um mundo novo que se nos descerra.” De meio século para cá, lentamente, mas com segurança, encaminha-se a Ciência, de descoberta em descoberta, para o conhecimento da vida fluídica, invisível, de perfeita conformidade com o ensino do moderno espiritualismo. Dessa concordância vai resultar a mais firme certeza, que jamais o homem possuiu, da sobrevivência da alma e da sua indestrutibilidade.


Atualmente, essa questão, acompanhada de perto durante anos, resolvida por grande número de sábios que a têm estudado, ainda o não foi pela ciência oficial, que hesita ainda: mas seu veredicto não pode tardar. Acima das questões de interesse, das rivalidades, superior aos sofismas, às sutilezas, às contradições, o problema se apresenta imperativo ao tribunal do pensamento. Em presença dos fatos espíritas, da sua persistência, da sua incessante renovação e prodigiosa variedade, é forçoso pronunciar-se e dizer se a morte é o nada, ou se há, de fato, um destino para o homem.


Este um debate verdadeiramente grave e solene. Todas as negações e todas as esperanças estão em causa. Todas as escolas têm interesse na solução do problema, em saber se há, como o estabelecemos, uma prova objetiva da sobrevivência do ser escoimada de todo caráter místico.


As escolas materialistas de um lado, as igrejas do outro, se inquietam e se agitam, porque nisso descobrem um motivo de decadência e enfraquecimento para elas, ao passo que seria, realmente, essa comprovação da sobrevivência, um meio de aproximação e conciliação. Daí, também, todas as objurgatórias, todos os protestos que se levantam. Quaisquer que sejam, porém, a indecisão da Ciência, a oposição das escolas, a obstinação com que são combatidas a nova ideia e as descobertas que a originaram, as potências invisíveis que operam no mundo não empregarão menos tenacidade e energia em as defender e propagar, porque, mais alto que o interesse das escolas, que as teorias e sistemas, há uma coisa que deve triunfar e impor-se: é a verdade.


Há muito recalcado em suas profundezas, quer pelo materialismo que lhe negava a existência, quer pela Igreja que, a pretexto de feitiçaria, lhe condenava as manifestações, o mundo invisível se retraíra. Agora, entra novamente em ação. As manifestações ocultas se produzem sob todas as formas, desde as mais banais às mais transcendentes, conforme o grau de elevação das Inteligências que intervêm. Elas se desdobram de conformidade com um plano majestoso, cujo intuito claramente se revela e outro não é senão mostrar ao homem que ele não é apenas matéria perecível, mas que tem dentro de si uma essência que sobrevive ao corpo e pode entrar em comunicação com outros seres humanos, depois da morte, uma individualidade chamada a desenvolver-se livremente através do infinito do tempo e da imensidade dos espaços.


O invisível faz, pouco a pouco, irrupção no mundo visível e, a despeito dos sarcasmos, hostilidades e resistências, é evidente que a sua ação se vai estender e multiplicar, cada vez mais, até que o homem chegue, finalmente, a melhor conhecer-se, a discernir a lei da vida e dos seus destinos.


Há, pois, na observação desses fatos o germe de uma revolução que abrangerá progressivamente todo o domínio dos conhecimentos humanos.


Antes de tudo, no ponto de vista científico, esses fatos nos descerram todo um mundo de forças, de influências, de formas de vida em que estávamos mergulhados sem lhe suspeitar a existência; um mundo cuja grandeza, tesouros e energias em depósito desafiam todo o cálculo e previsão. Eles ensinam também a ver no homem a sede de faculdades, de capacidades ocultas, cuja utilização e desenvolvimento podem conduzir-nos a alturas grandiosas.


A vida aparece-nos agora sob um duplo aspecto: simultaneamente corporal e fluídica. A existência do homem é alternativamente terrestre e extraterrestre e se efetua ora na carne, sobre a Terra, ora na atmosfera ou no espaço, sempre sob a forma humana, mas imponderável e impalpável. Esses dois modos de vida se revezam e se sucedem num ritmo harmônico, como o dia sucede à noite, a vigília ao sono, ao Verão o Inverno.


No ponto de vista moral e filosófico, as consequências do fenômeno espírita não são menos importantes.


Há mais de cinquenta anos têm sido os fatos comprovados; quando, desses fatos quiseram remontar às causas que os produzem, quando, do conjunto dos fenômenos quiseram deduzir a lei que os rege, foi reconhecida a evidência de uma ordem de coisas que implica forçosamente uma nova concepção da vida e do Universo. Não somente foram obrigados a reconhecer a existência de seres invisíveis, que são os espíritos dos mortos, mas também que esses seres se acham ligados pelos vínculos de estreita solidariedade e evolvem para um objetivo comum, para estados sempre e cada vez mais elevados.


Com essa concepção, todas as ideias de lei e todas as noções de progresso, justiça e dever iluminam-se de uma nova claridade. Aumenta o sentimento das responsabilidades morais. Aí se entrevê o esperado remédio, o remédio possível para os males, os desfalecimentos e as misérias que afligem e debilitam a Humanidade.


Porque, coisa notável, essa revelação chega na hora precisa em que todas as doutrinas desmoronam ao peso do tempo, à hora em que se esboroam os sistemas religiosos, em que o homem parecia reduzido a procurar o rumo no meio das trevas. Chega na hora em que a sociedade se vê trabalhada por imensas forças destruidoras, em que, da profundeza das massas se eleva ao céu um grito de sofrimento e desespero. É nessa hora que nos chegam as mensagens de paz, amor e esperança, que as potências do espaço, os Espíritos de luz, vêm trazer à pobre Humanidade conturbada.


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