Cap. 6
Alteração do Cristianismo – os Dogmas
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Como palhetas de ouro nas ondas turvas de um rio, a Igreja mescla, em seu ensino, a pura moral evangélica à vacuidade das próprias concepções.
Acabamos de ver que, depois da morte do Mestre, os primeiros cristãos possuíam, em sua correspondência com o mundo invisível, abundante fonte de inspirações. Utilizavam-na abertamente. Mas as instruções dos Espíritos nem sempre estavam em harmonia com as opiniões do sacerdócio nascente, que, se nessas relações achava um amparo, nelas muitas vezes encontrava também uma crítica severa e, às vezes, mesmo uma condenação.
Pode-se ver no livro do padre de Longueval, * como, à medida que se constitui a obra dogmática da Igreja, nos primeiros séculos, os Espíritos afastam-se pouco a pouco dos cristãos ortodoxos, para inspirar os que eram então designados sob o nome de heresiarcas.
* História da Igreja galicana, t. 1, pág. 84.
Montanus, diz também o abade Fleury, * tinha duas profetisas, duas senhoras nobres e ricas, chamadas Priscila e Maximiza. Carente também obtinha revelações. ** Apolônio de Tainá contava-se entre esses homens favorecidos pelo céu, que são assistidos por um “espírito sobrenatural”. *** Quase todos os mestres da escola de Alexandria eram inspirados por gênios superiores.
* Hist. ecies., liv. N, 6.
** Ibidem, liv. 11, 3. lvii Ibidem, liv. I, 9.
*** Padre de Longuevsl, História da igreja galicana, 1, 84.
Todos esses Espíritos, apoiando-se na opinião de S. Paulo: “o que por ora possuímos em conhecimento e profecia é muito imperfeito” (I Coríntios, XIII, 9) – traziam, diziam eles, uma revelação que vinha confirmar e completar a de Jesus.
Desde o século III, afirmavam que os dogmas impostos pela Igreja, como um desafio à razão, não eram mais que um obscurecimento do pensamento do Cristo.
Combatiam os faustos já excessivos e escandalosos dos bispos, insurgindo-se energicamente contra o que aos seus olhos era uma corrupção da moral.
Essa oposição crescente tornava-se intolerável aos olhos da Igreja. Os “heresiarcas”, aconselhados e dirigidos pelos Espíritos, entravam em luta aberta contra ela. Interpretavam o Evangelho com amplitude de vistas que a Igreja não podia admitir, sem cavar a ruína dos seus interesses materiais. Quase todos se tornavam neoplatônicos, aceitando a sucessão das vidas do homem e o que Orígenes denominava “os castigos medicinais”, isto é, punições proporcionais às faltas da alma, reencarnada em novos corpos, para resgatar o passado e purificar-se pela dor. Essa doutrina, ensinada pelos Espíritos e cuja sanção Orígenes e muitos padres da Igreja, como vimos, encontravam nas Escrituras, era mais conforme com a justiça e misericórdia divinas. Deus não pode condenar as almas a suplícios eternos, depois de uma vida única, mas deve-lhes fornecer os meios de se elevarem mediante existências laboriosas e provas aceitas com resignação e suportadas com coragem.
Essa doutrina de esperança e de progresso não inspirava, aos olhos dos chefes da Igreja, o suficiente terror da morte e do pecado. Não permitia firmar sobre bases convenientemente sólidas a autoridade do sacerdócio. O homem, podendo resgatar-se a si próprio das suas faltas, não necessitava do padre. O dom de profecia, a comunicação constante com os Espíritos, eram forças que, sem cessar, minavam o poder da Igreja. Esta, assustada, resolveu pôr termo à luta, sufocando o profetismo. Impôs silêncio a todos os que, invisíveis ou humanos, no intuito de espiritualizar o Cristianismo, afirmavam ideias cuja elevação a amedrontava.
Depois de ter, durante três séculos, reconhecido no dom de profecia, ou de mediunidade acessível a todos, conforme a promessa dos apóstolos, um soberano meio de elucidar os problemas religiosos e fortificar a fé, a Igreja chegou a declarar que tudo o que provinha dessa fonte não era mais que pura ilusão ou obra do demônio. Ela se declarou, do alto da sua autoridade, a única profecia viva, a única revelação perpétua e permanente. Tudo o que dela não provinha foi condenado, amaldiçoado. Todo esse lado grandioso do Evangelho, de que temos falado; toda a obra dos profetas que o completava e esclarecia, foi recalcado para a sombra. Não se tratou mais dos Espíritos nem da elevação dos seres na escala das existências e dos mundos, nem do resgate das faltas cometidas, nem de progressos efetuados e trabalhos realizados através do infinito dos espaços e do tempo.
Perderam-se de vista todos os ensinos; a tal ponto se esqueceu a verdadeira natureza dos dons de profecia que os modernos comentadores das Escrituras dizem que “a profecia era o dom de explicar aos fiéis os mistérios da religião”. * Os profetas eram, a seu ver, “o bispo e o padre que julgavam, pelo dom do discernimento e as regras da Escritura, se o que fora dito provinha do espírito de Deus ou do espírito do demônio”: – contradição absoluta com a opinião dos primeiros cristãos, que nos profetas viam inspirados, não de Deus, mas dos Espíritos, como o diz S. João, na passagem de sua primeira Epístola (IV, 1), já citada.
* De Maistre de Sacy, Comentários sobre São Paulo, 1, 3, 22, 29.
Um momento, ter-se-ia podido acreditar que, aliada aos descortinos profundos dos filósofos de Alexandria, a doutrina de Jesus ia prevalecer sobre as tendências do misticismo judeu-cristão e lançar a Humanidade na ampla via do progresso, à fonte das altas inspirações espirituais. Mas os homens desinteressados, que amavam a verdade pela verdade, não eram bastante numerosos nos concílios. Doutrinas que melhor se adaptavam aos interesses terrenos da Igreja foram elaboradas por essas célebres assembleias, que não cessaram de imobilizar e materializar a Religião. Graças a elas e sob a soberana influência dos pontífices romanos é que se elevou, através dos séculos, esse amálgama de dogmas estranhos, que nada têm em comum com o Evangelho e lhe são muitíssimo posteriores – sombrio edifício em que o pensamento humano, semelhante a uma águia engaiolada, impotente para desdobrar as asas e não vendo mais que uma nesga do céu, foi encerrado durante tanto tempo como em uma catacumba.
Essa pesada construção, que obstrui o caminho à Humanidade, surgiu na Terra em 325 com o concílio de Nicéia e foi concluída em 1870 com o último concílio de Roma. Tem por alicerce o pecado original e por coroamento a imaculada conceição e a infalibilidade papal.
É por essa obra monstruosa que o homem aprende a conhecer esse Deus implacável e vingativo, esse inferno sempre atuante, esse paraíso fechado a tantas almas valorosas, a tantas generosas inteligências, e facilmente alcançado por uma vida de alguns dias, terminada após o batismo – concepções que têm impelido tantos seres humanos ao ateísmo e ao desespero.
*
Examinemos os principais dogmas e mistérios, cujo conjunto constitui o ensino das igrejas cristãs. Encontramos a sua exposição em todos os catecismos ortodoxos.
Começa com essa estranha concepção do Ser divino, que se resolve no mistério da Trindade, um só Deus em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito-Santo.
Jesus trouxera ao mundo uma noção da divindade, desconhecida ao Judaísmo. O Deus de Jesus já não é o déspota zeloso e parcial que protege Israel contra os outros povos; é o Deus Pai da Humanidade. Todas as nações, todos os homens, são seus filhos. É o Deus em quem tudo vive, move-se e respira, imanente em a Natureza e na consciência humana.
Para o mundo pagão, como para os judeus, essa noção de Deus encerrava toda uma revolução moral. A homens que tudo haviam chegado a divinizar e a temer tudo o que haviam divinizado, a doutrina de Jesus revelava a existência de um só Deus, Criador e Pai, por quem todos os homens são irmãos e em cujo nome eles se devem afeição e assistência. Ela tornava possível a comunhão com esse Pai, pela união fraternal dos membros da família humana. Franqueava a todos o caminho da perfeição pelo amor ao próximo e pela dedicação à Humanidade.
Essa doutrina, simples e grande ao mesmo tempo, devia elevar o espírito humano a alturas admiráveis, até ao Foco divino, cuja irradiação todo homem pode sentir dentro em si mesmo. Como foi essa ideia simples e pura, que podia regenerar o mundo, transformada a ponto de se tornar irreconhecível?
É o resultado das paixões e dos interesses materiais que entraram em jogo no mundo cristão, depois da morte de Jesus.
A noção da Trindade, colhida numa lenda hindu que era a expressão de um símbolo, veio obscurecer e desnaturar essa alta ideia de Deus. A inteligência humana podia elevar-se a essa concepção do Ser eterno, que abrange o Universo e dá a vida a todas as criaturas: não pode a si mesma explicar como três pessoas se unem para constituir um só Deus. A questão da consubstancialidade em nada elucida o problema. Em vão nos advertiriam que o homem não pode conhecer a natureza de Deus. Neste caso, não se trata dos atributos divinos, mas da lei dos números e medidas, lei que tudo regula no Universo, mesmo as relações que ligam a razão humana à razão suprema das coisas.
Essa concepção trinitária, tão obscura, tão incompreensível, oferecia, entretanto, grande vantagem às pretensões da Igreja. Permitia-lhe fazer de Jesus-Cristo um Deus. Conferia ao poderoso Espírito, a que ela chama seu fundador, um prestígio, uma autoridade, cujo esplendor sobre ela recaía e assegurava o seu poder. Nisso está o segredo da sua adoção pelo concílio de Nicéia. As discussões e perturbações que suscitou essa questão agitaram os espíritos durante três séculos e só vieram a cessar com a proscrição dos bispos arianos, ordenados pelo imperador Constâncio, e o banimento do papa Libero que recusava sancionar a decisão do Concílio. *
* Ver, quanto às particularidades desses fatos. E. Bellemare, Espírita e Cristão, Pág. 212.
A divindade de Jesus, rejeitada por três concílios, o mais importante dos quais foi o de Antióquia (269), foi, em 325, proclamada pelo de Nicéia, nestes termos:
“A Igreja de Deus, católica e apostólica, anatematiza os que dizem que houve um tempo em que o Filho não existia, ou que não existia antes de haver sido gerado.”
Essa declaração está em contradição formal com as opiniões dos apóstolos. Ao passo que todos acreditavam o Filho criado pelo Pai, os bispos do século IV proclamavam o Filho igual ao Pai, “eterno como ele, gerado e não criado”, opondo assim um desmentido ao próprio Cristo, que dizia e repetia: “meu Pai é maior do que eu”.
Para justificar essa afirmação, apoia-se a Igreja em certas palavras do Cristo, que, se exatas, foram mal compreendidas, mal interpretadas. Em João (X, 33), por exemplo, se diz: “Nós te apedrejamos porque, sendo homem, te fazes Deus a ti mesmo”.
A resposta de Jesus destrói essa acusação e revela o seu pensamento íntimo: “Não está escrito na vossa lei: – Eu disse: vós sois deuses?” (João, X, 34). *
* Essas palavras se referem à seguinte passagem do Salmo LXXXI, v. 6: "Eu disse: vós sois deuses e todos filhos do Excelso."
“Se ela chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida...” (João, X, 35).
Todos sabem que os antigos, latinos e orientais, chamavam deuses a todos quantos, por qualquer motivo, se tornavam superiores ao comum dos homens *. O Cristo preferia a essa qualificação abusiva, a de filho de Deus para designar os que investigavam e observavam os divinos ensinamentos. É o que ele expõe no versículo seguinte:
* Ver nota complementar nº 8.
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus, V, 9).
Os apóstolos atribuíam o mesmo sentido a essa expressão:
“Todos os que são levados pelo Espírito de Deus, esses tais são filhos de Deus.” (S. Paulo, Epístola aos Romanos, VIII, 14)
Jesus o confirma em muitas circunstâncias:
“A mim, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, porque dizeis vós “Tu blasfemas”, por eu ter dito que sou Filho de Deus?” (João, X, 36) *
* Se, em sua linguagem parabólica, Jesus algumas vezes se denomina filho de Deus, com muito mais frequência se designa filho do homem. Esta expressão se encontra setenta e seis vezes nos Evangelhos.
A um israelita redarguiu: “Por que me chamais bom? Ninguém é bom senão Deus, unicamente.” (Lucas, XVIII, 19). “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma. Não busco a minha vontade, mas à vontade daquele que me enviou.” (João, V, 30).
As seguintes palavras são ainda mais explícitas:
“Procurais tirar-me à vida, a mim que sou um homem, que vos tenho dito a verdade que de Deus ouvi.” (João, VIII, 40)
“Se me amásseis, certamente havíeis de folgar que eu vá para o Pai, porque o Pai é maior do que eu.” (João, XIV, 28)
“Jesus diz à Madalena: Vai a meus irmãos e dize-lhes que eu vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus.” (João, XX, 17)
Assim, longe de externar a ideia sacrílega de que era Deus, em todas as circunstâncias Jesus fala do Ser infinito como a criatura deve falar do Criador, ou ainda como um subordinado fala do seu senhor.
Nem mesmo sua mãe acreditava na sua divindade, e, todavia, quem mais autorizado que ela a admiti-la? Não recebera a visita do anjo que lhe anunciava a vinda do Menino, abençoado pelo Altíssimo e por sua graça concebido? * Porque tenta, pois, embaraçar-lhe a obra, imaginando que ele perdera o juízo? ** Há aí contradição patente.
* Lucas 1, 26-28.
** Marcos, 3, 21.
Os apóstolos por sua vez não viam em Jesus senão um missionário enviado do céu, um espírito sem dúvida superior por suas luzes e virtudes, mas humano. Sua atitude para com ele, sua linguagem, o provam claramente.
Se o tivessem considerado um Deus não se teriam prosternado diante dele, não seriam genuflexos que lhe teriam falado? ao passo que a sua deferência e respeito não ultrapassem o devido a um mestre, a um homem eminente. E ao demais esse título do mestre (em hebreu rabi) que lhe dispensavam habitualmente. Os evangelhos dão o testemunho disso. Quando lhe chamam de Cristo, não veem nesse qualitativo senão o sinônimo de enviado de Deus.
Respondeu Pedro: “Tu és o Cristo.” (marcos, VIII,29).
O pensamento dos apóstolos acha-se explicado, esclarecido por certas passagens dos Atos (II,22). Pedro, dirigindo-se à multidão:
“Varões israelitas, ouvi minhas palavras. Jesus Nazareno foi um varão (virium), aprovado por Deus entre nós, com virtudes, prodígios e sinais que Deus obrou por ele no meio de nós.”
Encontra o mesmo pensamento expresso em Lucas, XXIV, 19:
“Jesus de Nazaré foi um profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo.”
Se os primeiros cristãos tivessem acreditado na divindade de Jesus, se dele houvessem feito um Deus, sua religião teria se submergido na multidão que o império Romano admitia, em cada qual existindo divindades particulares. Os arroubos de entusiasmos dos apóstolos, a indomável energia dos mártires, tinham sua origem na ressurreição de Cristo. Considerando-o um homem semelhante a eles, viam nessa ressurreição a prova manifesta da sua própria imortalidade. São Paulo confirma com absoluta clareza essa opinião, quando diz:
“Pois se não há ressurreição de mortos, nem Cristo ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é logo vã a nossa pregação, é também vã a nossa fé. E somos assim mesmo convencidos por falsos testemunhos de Deus, dizendo que ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou, se os mortos não ressuscitam”. *
* Coríntios, XV, 13-15.
Assim, para os discípulos de Jesus, como para todos os que atentamente, e sem paixão, estudam o problema dessa existência admirável, o Cristo, segundo a expressão que a si próprio aplica, não é mais que o “profeta” de Deus, isto é, um intérprete, um porta-voz de Deus, um Espírito dotado de faculdades especiais, de poderes excepcionais, mas não superiores à natureza humana.
Sua clarividência, suas inspirações, o dom de curar que possuía em tão elevado grau, encontra-se em épocas diversas e em diferentes graus, em outros homens.
Pode-se comprovar a existência dessas faculdades nos médiuns de nossos dias, não agrupadas, reunidas de modo a constituírem uma poderosa personalidade como a do Cristo, mas dispersas, distribuídas por grande número de indivíduos. As curas de Jesus não são milagres, * mas a aplicação de um poder fluídico e magnético, que novamente se encontra mais ou menos desenvolvido, em certos curadores da nossa época. Essas faculdades estão sujeitas a variações, a intermitências que no próprio Cristo se observam, como o provam os versículos do Evangelho de Marcos (VI, 4, 5):
* O que se denomina milagres são fenômenos produzidos pela ação de forças desconhecidas, que a ciência descobre cedo ou tarde. Não pode existir milagre no sentido de postergarão das leis naturais. Com a violação dessas leis, a desordem e a confusão penetrariam no mundo. Deus não pode ter estabelecido leis para, em seguida, as violar. Ele nos daria, assim, o mais pernicioso exemplo; porque, se violamos a lei, poderemos ser punidos, ao passo que Deus, fonte da lei, terá atentado contra ela?
“Mas Jesus lhes dizia: Um profeta só deixa de ser honrado em sua pátria, em sua casa e entre seus parentes. E não podia ali fazer milagre algum.”
Todos os que têm de perto observado os fenômenos do Espiritismo, do magnetismo e da sugestão, e remontado dos efeitos à causa que os produz, sabem que existe uma grande analogia entre as curas operadas pelo Cristo e as obtidas pelos que exercem modernamente essas funções. Como ele, mas com menos força e êxito, os curadores espíritas tratam dos casos de obsessão e possessão e, com o auxílio de passes, tocando os indivíduos pela imposição das mãos, libertam os doentes dos males produzidos pela influência dos Espíritos impuros, daqueles que a Escritura designa sob o nome de demônios:
“À tarde, porém, apresentaram-lhe muitos endemoninhados, dos quais ele expelia os maus espíritos com a sua palavra; e curou todos os enfermos.” (Mateus, VIII, 16)
A maior parte das moléstias nervosas provém das perturbações causadas por estranhas influências em nosso organismo fluídico, ou perispírito. A Medicina, que estuda simplesmente o corpo material, não pôde descobrir a causa desses males e os remédios a eles aplicáveis. Por isso é quase sempre impotente para os curar. A ação fluídica de certos homens, firmados na vontade, na prece e na assistência dos Espíritos elevados, pode fazer cessarem essas perturbações, restituir ao invólucro fluídico dos doentes as suas vibrações normais e forçar a se retirarem os maus Espíritos. Era o que Jesus obtinha facilmente, como o obtinham, depois dele, os apóstolos e os santos.
*
Os conhecimentos difundidos entre os homens pelo moderno Espiritualismo permitem melhor compreender e definir a alta personalidade do Cristo. Jesus era um divino missionário, dotado de poderosas faculdades, um médium incomparável. Ele próprio o afirma:
“Eu não falei de mim mesmo, mas o Pai que me enviou é o mesmo que me prescreveu o que devo dizer e o que devo falar.” (João, XII, 49)
A todas as raças humanas, em todas as épocas da História, enviou Deus missionários, Espíritos superiores, chegados, por seus esforços e merecimentos, ao mais alto grau da hierarquia espiritual. Podem-se acompanhar, através dos tempos, os sulcos dos seus passos. Suas frontes dominam, sobranceiras, a multidão dos humanos que eles têm o encargo de dirigir para as altitudes intelectuais.
O céu os apercebeu para as lutas do pensamento; dele receberam o poder e a intrepidez.
Jesus é um desses divinos missionários e é de todos o maior. Destituído da falsa auréola da divindade, mais imponente nos parece ele. Seus sofrimentos, seus desfalecimentos, sua resignação, deixam-nos quase insensíveis, se oriundos de um Deus, mas tocam-nos, comovem-nos profundamente em um irmão. Jesus é, de todos os filhos dos homens, o mais digno de admiração. É extraordinário no sermão da montanha, em meio à turba dos humildes. É maior ainda no Calvário, quando a sombra da cruz se estende sobre o mundo, na tarde do suplício.
Nele vemos o homem que ascendeu à eminência final da evolução, e neste sentido é que se lhe pode chamar deus, assim conciliando os apologistas da sua divindade com os que a negam. A humanidade e a divindade do Cristo representam os extremos de sua individualidade, como o são para todo ser humano. Ao termo de nossa evolução, cada qual se tornará um “Cristo”, será um com o Pai e terá alcançado a condição divina.
A passagem de Jesus pela Terra, seus ensinamentos e exemplos, deixaram traços indeléveis; sua influência se estenderá pelos séculos vindouros. Ainda hoje, ele preside aos destinos do globo em que viveu, amou, sofreu. Governador espiritual deste planeta, veio, com seu sacrifício, encarreirá-lo para a senda do bem e é sob a sua direção oculta e com o seu apoio que se opera essa nova revelação, que, sob o nome de moderno espiritualismo, vem restabelecer sua doutrina, restituir aos homens o sentimento dos próprios deveres, o conhecimento de sua natureza e dos seus destinos.
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