XXV
O martirológio dos médiuns
O médium – nos dissemos – é muitas vezes uma vítima, e quase sempre essa vítima é uma mulher. A Idade Média a havia qualificado de feiticeira e queimava-a. A Ciência atual, menos bárbara, contenta-se em deprimi-la, aplicando-lhe o epíteto de histérica ou de charlatã.
Na origem do moderno Espiritualismo, duas mocinhas, Catarina e Margarida Fox, foram as primeiras a testemunhar as manifestações, a receber a mensagem reveladora da imortalidade. Seu testemunho foi o sinal de uma perseguição violenta. Cenas de selvageria se desenrolam, tempestades de ameaças e injúrias se desencadeiam em torno da família Fox, o que não a impedira de prosseguir sua missão e afrontar as assembléias mais hostis.
Quando se fazem necessárias grandes dedicações para reconduzir a Humanidade ao caminho de seus destinos, é na mulher que elas se encontram muitas vezes. O que dizemos das irmãs Fox, poder-se-ia dizer dos médiuns mais notáveis. Joana d'Arc foi queimada viva, por não ter querido renegar as aparições e vozes que percebia. E não termina com ela o martirológico da mulher médium. Em contraposição a algumas que se têm deixado seduzir pelas vantagens materiais e recorrido à fraude, quantas outras não têm sacrificado a própria saúde e comprometido a existência pela causa da verdade!
Se a mediunidade psíquica é isenta de perigos, como veremos adiante, quando utilizada por Espíritos adiantados, o mesmo se não dá com as manifestações físicas, sobretudo com as manifestações que, repetidas e freqüentes, vêm ocasionar ao sensitivo uma considerável perda de força e de vitalidade. As irmãs Fox se esgotaram com experiências e se extinguiram na miséria. A “Revue Spirite”, de abril de 1902, noticiou que os derradeiros membros da família Fox haviam sucumbido, em janeiro, de frio e privações.
A Sra. Hauffe, a célebre vidente de Prévorst, foi tratada com o máximo rigor por seus próprios pais e expirou aos 28 anos, ao fim de inúmeras tribulações. A Sra. d'Espérance perdeu a saúde. Depois de Home, Slade e Eglinton, Eusápia Paladino foi acusada de fraudes voluntárias.
Certos médiuns têm sido submetidos a todas as torturas morais imagináveis, e isso sem exame prévio, sem investigação verdadeiramente séria. Home, por exemplo, foi objeto das mais pérfidas acusações, William Crookes, porém, lhe fez justiça, dizendo:cclxix
“Jamais observei o mínimo caso que me pudesse fazer supor que ele enganasse. Era muito escrupuloso e não desaprovava que se tomassem precauções contra a fraude. Muitas vezes, mesmo, antes de uma sessão, me dizia ele: “Procedei como se eu fosse um prestidigitador, disposto a enganar-vos; tomai todas as precauções que a meu respeito puderdes imaginar, e não vos preocupeis com o meu amor-próprio. Quanto mais severas forem essas precauções, mais evidente se tornará a realidade dos fenômenos.” Apesar de tudo, aqueles que não conheciam a absoluta honestidade de Home o consideravam um charlatão, e os que nele acreditavam eram argüidos de loucos e reputados suspeitos.”
Em tempos mais recentes, vimos uma médium alemã perseguida com uma sanha brutal e, apesar de respeitáveis testemunhos, sacrificada às exigências de mais tacanho espírito de casta. Pretendia-se, ao que nas mais altas rodas se apregoava, “pôr um freio a todas as manifestações de um espiritualismo rebelde aos dogmas oficiais”.
Ana Rothe foi detida e recolhida à prisão. A detenção durou oito meses. Durante esse tempo, morreram-lhe o marido e a filha, sem que ela pudesse assistir aos seus últimos momentos. Permitiram-lhe unicamente que fosse ajoelhar sobre seus túmulos, metida entre dois policiais. Afinal, termina o inquérito; instaura-se o processo.cclxx Os depoimentos favoráveis afluem: o professor Koessinger, o filólogo Herman Eischacker e o Dr. Langsdorff presenciaram os fatos e nenhuma fraude conseguiram descobrir. O Sr. George Sulzer, presidente da Corte de Apelação de Zurique, atesta sua convicção na inocência da Sra. Rothe. O primeiro magistrado do cantão de Zurique, na ordem judiciária, não receia expor à publicidade suas crenças íntimas, para com elas beneficiar a acusada. Outros magistrados afirmam a autenticidade dos transportes de flores, que ela obtinha em plena luz. Essas testemunhas viam flores ou frutos desmaterializados reconstituir-se em sua presença, condensar-se em matéria palpável, como um floco de vapor que pouco a pouco se transforma e solidifica, no estado de gelo. Esses objetos moviam-se horizontalmente e outras vezes desciam lentamente do forro da sala.
O diretor da Casa de Detenção, em que ela passou os oito meses de prisão preventiva, declarou que o ensino moral dado aos seus detentos nunca se aproximou, como efeito produzido, da impressão causada pelas comovedoras práticas, do caráter mais edificante, feitas pela médium em transe a suas irmãs transviadas. Ana Rothe não passava, entretanto, de uma simples mulher do povo, sem instrução, sem cultura de espírito.
Depois de apaixonados debates, que duraram seis dias, a “médium de flores” foi condenada a 18 meses de prisão. Enganam-se, acreditando destruir o Espiritismo com tais processos. Longe disso, ao atrativo que ele exerce acrescenta-se o prestígio da perseguição.
No dia 9 de outubro de 1861, o bispo de Barcelona queimava, na esplanada pública, no lugar onde são executados os criminosos, trezentos volumes e brochuras espíritas, julgando assim estigmatizar e aniquilar a nova doutrina. Esse auto-de-fé provocou uma verdadeira revolta na opinião pública. Hoje, os espíritas se contam por milhares na Capital da Catalunha. Possuem revistas, bibliotecas, grupos de estudo e experimentação. O movimento espírita adquire dia a dia maior importância e extensão nesse país.
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Em sua maior parte, os sábios, médicos e psicólogos consideram os médiuns como histéricos, desequilibrados, enfermos, e não perdem ocasião de o proclamar. Estão habituados a experimentar com sensitivos retirados dos hospitais e dos asilos de alienados, com alguns neuróticos, pelo menos, e das observações efetuadas nessas defeituosas condições cometem o erro de tirar conclusões de ordem geral.
Certos literatos não são mais amáveis. O Sr. Júlio Bois não hesita em mimosear todos os médiuns com os epítetos de “charlatães prestidigitadores, embusteiros desequilibrados, histéricos”,cclxxi etc. É de admirar, depois disso, que estes se retraiam e só de má-vontade se prestem a experiências dirigidas por críticos de tal modo prevenidos, por juízes tão pouco atenciosos? A presença desses cépticos, com seus eflúvios glaciais, é uma causa de indisposição e de sofrimento para o médium. Falta, em geral, aos sábios a bondade; aos espíritas, aos médiuns, falta na maioria das vezes a ciência. Onde se encontrará o traço de união, a linha de aproximação? No estudo sincero, imparcial, desinteressado!
A ciência médica está longe de ser infalível em suas opiniões; diagnósticos tão célebres quão errôneos o têm, em todos os tempos, demonstrado. Testemunhos formais atestam que uma vez mais se enganou ela, considerando a mediunidade uma tara.
F. Myers o declara, em relação à Sra. Thompson,cclxxii “A impressão é de que são tão naturais como o sono ordinário. A Sra. Thompson acredita que esses transes têm contribuído poderosamente para robustecer-lhe a saúde.” O Sr. Flournoy, insuspeito de parcialidade a favor dos médiuns, reconheceu o mesmo fato a propósito de Helena Smith, cuja saúde nem de leve se alterou com o uso de suas faculdades psíquicas; nisso, ao contrário, a encontra poderoso adjuvante para o desempenho de sua tarefa cotidiana.cclxxiii
Idênticas observações têm sido feitas acerca da Sra. Piper.cclxxiv
O Sr. J. W. Colville, médium inglês muito conhecido, por sua vez o atesta:cclxxv
“É meu dever – diz ele –, ao fim de 25 anos de missões públicas, trazer sem restrições meu testemunho a respeito dos benéficos resultados que me produziu, em todos os sentidos, a mediunidade, tal como a tenho exercido. Lucrei de modo considerável, tanto mental como fisicamente, com o uso desta faculdade e com essas experiências, que parecem não raro perigosas, quando não são suficientemente estudadas. As indicações que eu recebia de meus auxiliares invisíveis eram boas, elevadas e dignas em suas mínimas particularidades.”
Eu próprio tenho travado conhecimento com grande número de médiuns em todas as regiões da França, na Bélgica, na Suíça, na Espanha, e pude sempre observar que em geral gozavam excelente saúde. Só a mediunidade de efeitos físicos, a que se presta às materializações de Espíritos e aos transportes, é que acarreta grande dispêndio de força e de vitalidade. Essas perdas podem ser compensadas com os socorros prestados pelos Espíritos protetores. Às vezes, porém, como o vimos a propósito das irmãs Fox, de Slade, Eglinton, etc., as exigências do público e dos sábios são tais que o médium se esgota rapidamente; o abuso das experiências lhes altera a saúde e compromete a vida.
O médium é um instrumento delicado e sensível, de que muitos julgam poder servir-se como de um mecanismo. De bom grado o utilizariam como o faz a criança com os brinquedos, que despedaça para ver o que neles se oculta. Não se tem suficientemente em consideração o trabalho de desenvolvimento reclamado pelas faculdades que desabrocham. Exigem-se imediatamente fatos concludentes e provas de identidade. O médium, impressionado pelos pensamentos ambientes, sofre; depois de haver sido torturado moralmente durante certo número de sessões, desgosta-se de uma faculdade que o expõe a tantos dissabores, e termina por se retrair.
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Os médiuns terão ainda por muito tempo que sofrer pela verdade. Os adversários do Espiritismo continuarão a difamá-los, a lançar-lhes acusações; procurarão fazê-los passar por desequilibrados enfermos e por todos os meios desviá-los de seu ministério. Sabendo que o médium é a condição “sine qua non” do fenômeno, esperam assim causar a ruína do Espiritismo em seus fundamentos. Em caso de necessidade farão surgir médiuns exploradores e fictícios. Cumpre neutralizar essa tática e, para esse fim, proteger e animar os bons médiuns, cercando da necessária fiscalização o exercício de suas faculdades. Magnífica é a sua tarefa, ainda que freqüentes vezes dolorosa. Quantos esforços, quantos anos de expectativa, de provanças e de súplicas, até chegarem a receber e transmitir a inspiração do Alto! São muitas vezes recompensadas unicamente com a injustiça. Mas operários de plano divino rasgaram o sulco e nele depositaram a semente donde se há de erguer a seara do futuro.
Caros médiuns, não desanimeis; furtai-vos a todo desfalecimento. Elevai as vistas acima deste mundo efêmero; atraí os auxílios divinos. Suplantai o “eu”; libertai-vos dessa afeição demasiado viva que sentimos por nós mesmos. Viver para outros – eis tudo! Tende o espírito de sacrifício. Preferi conservar-vos pobres a vos enriquecerdes com os produtos da fraude e da traição. Permanecei obscuros, de preferência, a traficardes com os vossos poderes. Sabei sofrer, por amor ao bem de todos e para vosso progresso pessoal. A pobreza, a obscuridade e o sofrimento possuem seu encanto, sua beleza e magnitude: é por esse meio que, lentamente, através das gerações silenciosas, se acumulam tesouros de paciência, de energia, de virtude, e que a alma se desprende das vaidades materiais, se depura e santifica, e adquire intrepidez para galgar os escabrosos cimos.
No domínio do Espírito, como no mundo físico, nada se perde, tudo se transforma. Toda dor, todo sacrifício é um desabrolhar do ser. O sofrimento é o misterioso operário que trabalha nas profundezas de nossa alma, e trabalha por nossa elevação. Aplicando o ouvido, quase escutareis o ruído de sua obra. Lembrai-vos de uma coisa: é no terreno da dor que se constrói o edifício de nossos poderes, de nossa virtude, de nossas vindouras alegrias.