XXI
Identidade dos Espíritos
Acabamos de ver, pela exposição dos fatos espíritas até agora feita, que a sobrevivência está amplamente demonstrada. Nenhuma outra teoria, a não ser a da intervenção dos sobrevivos, seria capaz de explicar o conjunto dos fenômenos, em suas variadas formas. Alf. Russel Wallace o disse: “O Espiritismo está tão bem demonstrado como a lei de gravitação.” E W. Crookes repetia: “O Espiritismo está cientificamente demonstrado.”
No ponto de vista objetivo ou exterior, as provas fornecidas pelas aparições e materializações não podem deixar dúvida alguma. Entretanto, na ordem subjetiva, no que concerne aos outros modos de manifestações, subsiste uma dificuldade: a de obter dos Espíritos, em número suficiente para satisfazer aos cépticos exigentes, provas de identidade, indicações precisas, que os assistentes não conheçam e que sejam mais tarde verificáveis.
Objeta-se muitas vezes aos espíritas que as comunicações, em seu conjunto, apresentam um caráter muito vago, são destituídas de indicações, revelações e fatos bem definidos, suscetíveis de estabelecer a identidade dos manifestantes e impor a convicção aos investigadores. Certamente, não é possível desconhecer essas dificuldades. Elas são inerentes à própria natureza das coisas e às diferenças de meio. Os seres que vivem num mesmo plano, como os homens, dotados dos mesmos sentidos, comunicam entre si por diferentes processos, que são outros tantos elementos de certeza. Esses diferentes modos de observação e verificação utilizáveis no habitat humano, nós o quereríamos tornar extensivos ao domínio do invisível, e exigimos de seus habitantes manifestações assaz probatórias, de uma precisão igual às que asseguram nossa convicção na ordem física. Ora, eis aí uma coisa quase irrealizável. O habitante do plano invisível tem que vencer muitos obstáculos para se comunicar. Os meios de que dispõe para nos esclarecer e persuadir são restritos. Ele não se pode manifestar sem médium e o médium, inconscientemente, introduz quase sempre uma parte de si mesmo, de sua mentalidade, nas manifestações.
O Espírito que quer exprimir seu pensamento serve-se de órgãos estranhos, experimenta grande embaço. É semelhante a uma pessoa que conversasse conosco numa situação muito incômoda que a privasse do uso de suas faculdades. É preciso conduzir-se discretamente a seu respeito, formular perguntas claras, mostrar paciência, benevolência, a fim de obter satisfatórios resultados.
“Meus caros amigos – dizia George Pelham a Hodeson e Hart ccxxxii – não me considereis com ânimo de críticos. Esforçar-nos por transmitir-vos nossos pensamentos, mediante o organismo de qualquer médium, é como se tentasse subir pelo tronco de uma árvore oca.” Robert Hyslop o repete a seu filho:ccxxxiii “Todas as coisas se me apresentam com tanta clareza, e quando venho aqui para exprimi-las, James, não posso!”
O que diziam os Espíritos da Sra. Piper, afirmava-o o Guia do nosso grupo nestes termos: “No Espaço, tudo é para nós amplo, desembaraçado, fácil. Quando baixamos à Terra tudo se restringe, se amesquinha.”
Outra objeção é esta: na maior parte dos casos de identidade assinalados, os fatos e as provas, por meio dos quais se conseguiu determinar com certeza a personalidade dos manifestantes, são de natureza comum, às vezes mesmo trivial. Ora, a experiência tem demonstrado que é quase sempre impossível proceder de outro modo. As particularidades, consideradas frívolas e vulgares, parece constituírem precisamente os meios mais seguros para se firmar juízo acerca dos autores dos fenômenos.
Com o fim de comparação e de crítica, o professor Hyslop fez estabelecer uma linha telegráfica entre dois dos edifícios da Universidade de Colúmbia, distantes de 500 pés, e postou nas extremidades dois telegrafistas profissionais, por cujo intermédio deviam interlocutores desconhecidos comunicar entre si e estabelecer sua identidade. Nessas condições, que se aproximam das da mediunidade – valendo aí a distância pela diferença de plano –, o professor pôde reconhecer quanto era difícil determinar a identificação de modo probatório. O resultado não era alcançado na maioria das vezes senão mediante as mais vulgares indicações e narrativas sem importância. Os processos empregados pelos comunicantes – constatou o professor, – eram absolutamente os mesmos que os adotados pelos Espíritos no caso da Sra. Piper. A propósito das dificuldades encontradas pelos operadores, o Sr. Hyslop assim se exprime:ccxxxiv
“Enquanto acompanhava essas experiências, chamou-me a atenção este fato, que se observa igualmente quando apenas dispomos de tempo limitado para comunicar por telefone: toda a atenção do comunicante está concentrada no desejo de escolher incidentes bem característicos para a identificação por um amigo particular. E como, para escolher, se vê urgido pelo tempo, em seu espírito se trava um conflito interessante e se produz uma confusão que toda gente pode por si mesma apreciar, desde que se aplique a fazer uma escolha de incidentes com esse fim. Podemos figurar-nos de igual modo à situação de um Espírito desencarnado que dispõe de alguns minutos para dar sua comunicação, e que luta provavelmente com enormes dificuldades de que não podemos fazer idéia.”
O professor Hyslop é um observador metódico e solerte. Cumpre, entretanto, assinalar que ele só estudou até agora um caso insulado – o da Sra. Piper. Uma experimentação de trinta anos tem demonstrado que, apesar das dificuldades inerentes a todo gênero de comunicação espírita, as provas de identidade são muito mais abundantes do que geralmente se acredita. Em certas reuniões privadas, são diariamente fornecidas provas da sobrevivência dos que nos foram caros; essas provas, porém, são quase sempre guardadas cuidadosamente, porque se referem à vida íntima dos experimentadores. Entre estes, muitos receiam as críticas mordazes e não querem expor às vistas de indiferentes, de cépticos motejadores, os mais sagrados sentimentos, os segredos mais íntimos de seu coração.
Muitas vezes Espíritos desconhecidos dos assistentes vêm dar comunicações dirigidas a seus parentes ainda vivos, comunicações que contêm, não raro, característicos originais, provas irrefutáveis. Essas manifestações, todavia, permanecem ignoradas em sua maior parte. Receiam-se os sarcasmos de sábios superficiais e as prevenções do vulgo, sempre pronto a rejeitar fatos que ultrapassam a órbita dos conhecimentos usuais. Daí resulta que as mais peremptórias manifestações raramente chegam ao conhecimento do público.
No mesmo sentido se nota extrema circunspeção e grande reserva da parte dos Espíritos nas reuniões franqueadas a todos. É principalmente na intimidade da família e de alguns amigos que se reúnem os melhores elementos para obter boas provas. Facilitada pela afeição e harmonia dos pensamentos, a confiança recíproca se estabelece e com ela a sinceridade e a sem-cerimônia. O Espírito encontra um conjunto de condições fluídicas que asseguram à transmissão de seu pensamento toda a clareza e precisão necessárias para levar a convicção ao ânimo dos assistentes.
Os Espíritos adiantados não se prestam de bom grado às nossas exigências. Suas comunicações têm sempre um caráter moral e impessoal; seu pensamento paira demasiado alto, acima das esferas da individualidade, para que lhes não seja penoso aí baixar. Em sua maioria, tiveram eles na Terra existências de sacrifícios, suportaram vidas dolorosas – condições de sua própria elevação; – não gostam, quando a si mesmo aludem, de ornar-se com seus títulos de merecimento. Para convencer os cépticos, lançam mão de outros recursos; preferem introduzir em nossas sessões Espíritos mais atrasados, individualidades que na Terra conhecemos e que, por sua originalidade, seu modo de falar, de gesticular, de pensar, nos fornecerão provas satisfatórias. Assim procediam os Guias do nosso grupo. Sob sua direção, Espíritos assaz vulgares, mas animados de boas intenções – uma vendedora de legumes, um ferreiro de aldeia, uma velhota tagarela – e outros ainda, falecidos parentes de membros do grupo, se manifestavam, no transe, por sinais característicos e inimitáveis. Sua identidade se estabelecia por considerável variedade de pormenores, de incidentes domésticos; mas, se eram de indubitável interesse para os que os haviam conhecido, seriam considerados fastidiosos por outros e assim não conviria serem trazidos a público. A multiplicidade e repetição cotidiana dos pequeninos fatos de que se compõe uma existência, ainda que impossíveis de reproduzir e analisar, terminam por impressionar os mais refratários e triunfar das mais tenazes dúvidas.
Todos os dias, em muitos grupos se obtém a revelação de nomes, datas, fatos desconhecidos e mais tarde comprovados; mas não podem ser divulgados, porque interessam pessoas ainda vivas, que não autorizam a sua publicação. Ou são ainda revelações científicas que se obtêm, como as que relata Aksakof, no caso do Sr. Barkas, de Newcastle,ccxxxv revelações muito acima da capacidade do sensitivo.
Outras vezes são fenômenos de escrita, como os que assinalou o mesmo autor,ccxxxvi e assinaturas autênticas de personalidades que o médium jamais vira, como, por exemplo, as do cura Burnier e do síndico Chaumontet, falecidos havia meio século, obtidas por Helena Smith, de Genebra.ccxxxvii O professor Flournoy as atribui a um despertar da subconsciência do sensitivo; é essa, como vimos, uma teoria “ad hoc”, muito cômoda para explicar o que se não compreende, ou não se quer compreender.
Em “Spirit Identity”, Stainton Moses relata notáveis fatos de identidade, obtidos pela mediunidade escrevente e baseados em testemunhos oficiais. Declara possuir uns cem casos desse gênero e muitos experimentadores poderiam dizer outro tanto.ccxxxviii
Entre esses numerosos fenômenos, pode-se recordar o caso citado pelo “Light”, de 27 de maio de 1899, e devido à mediunidade de Mrs. Bessie Russell-Davies, de Londres:
“Um pedido de prova de identidade, formulado por pessoas ligadas à Corte de Viena, havia sido endereçado à aludida senhora. As perguntas estavam encerradas num invólucro lacrado, que se conservou intacto. Depois de alguns dias de investigações, o Guia do médium voltou com cinco Espíritos estranhos, que ditaram uma resposta em idioma desconhecido. Feito o exame, reconheceram os interlocutores que essa língua era o antigo magiar, idioma unicamente conhecido de alguns eruditos. A resposta estava assinada por cinco personagens que tinham vivido dois séculos antes e eram membros falecidos da família húngara que solicitara esse testemunho.”
Aqui está outra prova, mais concludente em sua simplicidade que estrepitosas manifestações. É extraída da obra de Watson, publicista americano, “Spiritualism, its phenomenes”, Nova Iorque, 1880:
“Watson tinha recebido uma comunicação assinada por seu amigo o General Th. Rivers. Segundo o costume inglês, o general apusera as iniciais de seus nomes próprios, entre as quais figurava um W. Ora, nenhum de seus nomes próprios admitia essa inicial. Por escrúpulo e respeito à verdade, Watson havia publicado essa assinatura sem modificação, mas a contragosto e não sem alguma desconfiança, que certos pormenores da missiva parecia deverem dissipar. Os contraditores da imprensa não perderam a ocasião de denunciar o erro, metendo a ridículo esse Espírito que não sabia o próprio nome.
Entretanto, no curso de uma outra sessão o mesmo Espírito confirmou essa inicial, dizendo que sua mãe daria a explicação. A mãe, interrogada, respondeu que o W era um engano. Logo, porém, interveio o Espírito e disse: “Minha mãe, tu achas singular que eu assine um W; lembra-te, entretanto, de que em minha infância eu era tão irritadiço que meus camaradas me chamavam Wasp (vespa). Esse apelido me ficou; eu o havia adotado e com ele assinava as minhas composições. Repara nos meus cadernos e nos meus livros escolares, e neles o encontrarás.” Assim se fez e verificou-se a exatidão do que afirmava o Espírito.”
A “Revista de Estudios Psicológicos”, de Barcelona (setembro de 1900), publicou o seguinte caso de identidade, acompanhado de documentos comprobatórios:
“Três pessoas, um professor de Matemática, um médico e um eclesiástico, haviam pedido ao Sr. Segundo Oliver, médium desinteressado, que lhes fornecesse provas da realidade dos Espíritos. Após um instante de recolhimento, a mão do médium traçou mecanicamente as seguintes palavras: “Isidora, 50 anos de idade, nascida em San Sebastian, morta a 31 de março de 1870; moléstia, cancro intestinal; deixou três filhos; seus nomes e idades: P., 15 anos; C., 19 anos; M., 25 anos.”
Por essas particularidades, um dos assistentes reconheceu o Espírito de sua mãe. Surpreso e comovido, perguntou se tinha alguns conselhos a darlhe. O médium retomou o lápis; com grande estupefação, porém, traçou, em alguns minutos, o retrato de uma pessoa que lhe era desconhecida e no qual foi reconhecido o Espírito Isidora, que em vida jamais consentira em se fotografar. O médium nunca aprendera desenho, nem sabia desenhar. Todos os assistentes declararam que não tinham pensado em coisa alguma do que fora escrito, e que não podia haver naquilo um fenômeno de sugestão nem de leitura do pensamento.”
O Sr. G. Owen, a seu turno, escreveu o seguinte no “Spiritual Record”:
“Há doze anos, contava eu entre os meus amigos íntimos um senador pela Califórnia, muito conhecido, o Dr. Knox, que era diretor de um próspero banco em S. José. Pensador profundo, era também um decidido partidário das teorias materialistas. Sentindo aproximar-se o termo de sua vida, falava muitas vezes do sono eterno. Um dia lhe disse eu: “Façamos um pacto, doutor: se no Além vos sentirdes viver, fareis todo o possível por me comunicar estas simples palavras: Vivo ainda.”
Depois de sua morte, estando comigo um bom médium, limpei uma ardósia, coloquei-lhe um lápis e encostei na superfície inferior da mesa. Ouvimos o ranger do lápis escrevendo na ardósia e, ao retirá-la, encontramos escritas as seguintes linhas: “Amigo Owen, posto que tenha visto completamente desmoronadas as antigas idéias que tinha sobre a vida futura, foi-me agradável, confesso-o, tal desilusão; sinto-me feliz, meu amigo, em lhe poder dizer: Vivo ainda. Sempre seu amigo W. Knox.” A escrita era de tal modo igual à do desencarnado que foi reconhecida autêntica pelo pessoal do banco por ele dirigido em vida.”
O fenômeno de incorporação tem dado lugar a múltiplos fatos de identidade. Nas manifestações de que é instrumento a Sra. Piper, pode-se comprovar a mais perfeita unidade de caráter e de consciência nos manifestantes, particularmente nos Guias ou Espíritos-fiscais. Nenhum deles pode ser considerado uma personalidade secundária do médium; todos se apresentam como individualidades autônomas dotadas de grande intensidade de vida, de sinceridade e de realidade.
Apesar das dificuldades que às vezes encontram para se manifestar, as personalidades de G. Pelham e Robert Hyslop são das mais rigorosamente delineadas e jamais se contradizem.ccxxxix
O reitor da Universidade, Oliver Lodge, nos volumes XII e XIII dos “Proceedings”, cita igualmente muitos casos de identidade por ele obtidos mediante a faculdade da Sra. Piper. Um de seus tios, falecido vinte anos antes, refere particularidades de sua mocidade, completamente esquecidas de todos os membros sobreviventes da família; não foi possível verificá-las senão depois de demorada e minuciosa pesquisa. Seu finado sogro lhe veio indicar pormenores exatos de sua morte, ocorrida em condições comovedoras, citando nomes e datas, inteiramente apagados da memória dele, Lodge. Menciona este ainda outros notáveis sinais de identidade provenientes de vários de seus amigos falecidos.
O reverendo Minot-Savage, célebre orador nos Estados Unidos, cita um comovente caso de identificação, que dispensa comentários.ccxl
No curso de uma das sessões com a Sra. Piper, uma personalidade, que se afirmava seu filho, apresentou-se, não o tendo jamais o médium conhecido. “Papá – disse com ansiedade –, eu desejaria que, sem demora, fosse ao aposento que eu ocupava. Abre a minha gaveta e, entre os numerosos papéis que lá estão, encontrarás um que te peço destruas imediatamente.”
Posto que semelhante pedido parecesse inexplicável ao reverendo MinotSavage, para quem seu filho nunca tivera segredo algum, encaminhou-se ele para a rua Joy, em Boston, último domicílio do finado, penetrou no aposento, que nunca vira, e deu busca na gaveta indicada. Nela realmente encontrou documentos de grande importância, que o moço por coisa alguma deste mundo tornaria públicos e que plenamente justificavam a ansiedade manifestada na comunicação.
O fato seguinte ocorreu em S. Paulo, Brasil, em casa do Dr. O. Vidigal, residente à alameda do Triunfo nº 2, com sua família, composta de sua esposa, dois filhos e seu velho pai. Sua mãe falecera havia três meses:ccxli
O médium era uma rapariguinha espanhola de 12 anos, aceita como criada, na repartição de emigrantes, no mesmo dia em que acabava de chegar. Não conhecia uma única palavra em português, nunca vira a cidade nem conhecia o doutor. Um amigo da família, o Dr. Eduardo Silva, que sabia espanhol, falando com a rapariguinha, teve espontaneamente a idéia de a magnetizar. Deixou-se ela adormecer e, em alguns instantes, caiu em sonambulismo profundo.
Afirmava estar vendo seu pai, que lhe falava e lhe dizia estar presente uma senhora idosa, que tinha uma comunicação a transmitir ao Dr. Vidigal. Fez uma descrição tão exata dessa senhora que todos da família reconheceram a falecida mãe do doutor.
O Espírito ordenou a seu filho que fosse ao seu quarto (em que ninguém penetrara depois de sua desencarnação), que tirasse de um bolso cosido do vestido de seda preta, pendurado à parede, a quantia de 75$000 e a entregasse a seu marido.
O Dr. Vidigal, depois de refletir um momento, resolveu-se a penetrar, em companhia do Dr. Eduardo Silva e de outras testemunhas, no aposento, o que só com dificuldade conseguiu, por estar enferrujada a fechadura, e encontrou as coisas tais quais como lhe haviam sido indicadas.
Por sua vez, o Sr. Vicente Tornaro faz circunstanciada narrativa das singularidades do Espírito “Baccala”,ccxlii cujas provas de identidade foram de fácil verificação.
Tinha sido ele corretor, quando na Terra, e era um homem jovial, muito espirituoso e dissoluto, qualidades que se refletiam nas comunicações, as quais, todavia, apresentavam, apesar disso, um real interesse no ponto de vista experimental, em razão das provas de identidade fornecidas sob as mais variadas formas e até mediante espontâneas materializações.
Entre as numerosas experiências feitas com “Baccala” o Sr. Vicente Tornaro cita a mais impressiva de todas:
“Meu pai estava gravemente enfermo de uma terrível afecção nos brônquios, em conseqüência de uma influenza mal tratada. Tinham sido chamados os mais ilustres médicos; uns nos torturavam o coração com os mais funestos prognósticos; outros nos reanimavam com palavras de esperança. Todos os nossos cuidados se concentravam em conservar a vida ao nosso caro doente. Nessas dolorosas recordações “Baccala” teve sua parte. Uma noite, em meio do desânimo que transtorna a alma e o cérebro, que nos faz pensar no impossível, para nos agarrarmos a toda esperança, pedimos a “Baccala” que nos pusesse em comunicação com o Espírito de um dos mais notáveis médicos e ele nos respondeu que ia satisfazer-nos imediatamente.
Pouco depois, com efeito, as pancadas na mesinha nos advertiram de que se achava presente um Espírito. Perguntamos-lhe o nome; respondeu – “Domênico Cotugno!” “Baccala” fizera uma ótima escolha... Pedimos ao Espírito Cotugno que examinasse nosso pai e nos dissesse a verdade, fosse qual fosse. Meu pai estava dormindo; nesse momento acordou com um sentimento de desagrado e nos repreendeu, porque – dizia – o tínhamos sacudido; e ainda sonolento, sem reparar que ninguém estava ao seu lado, continuou a admoestar-nos de o estarmos virando e revirando, a bater-lhe no peito e nas costas. Evidentemente, o exame se efetuava e nós tremíamos; o coração batia-nos com violência, tínhamos o espírito suspenso.
Logo em seguida a mesinha fez um leve movimento; interrogamos ansiosos: uma única, horrível palavra nos foi dita em resposta:
“Resignação!” Compreendemos, e quinze dias depois cobria-se de luto a nossa casa.”
O Dr. Moutin, presidente da Sociedade de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, de Paris, comunicou à “Revue Scientifique et Morale” (março de 1901) o seguinte fato:
“Em 1884, em Marselha, durante a epidemia de cólera, assisti aos últimos momentos de uma das minhas parentas, que foi acometida e sucumbiu dentro de algumas horas. Antes de morrer, quando já não podia mais falar, quis-me comunicar alguma coisa que eu acreditava importante, a julgar por seus gestos de desespero. Fazendo, por fim, um derradeiro esforço, ela articulou duas vezes a palavra “espelho”, indicando com a mão o que ornava o fogão de seu quarto.
Seu marido, o Sr. J., estava no mar, nessa ocasião. Informado do ocorrido, em seu regresso, e sabendo que a falecida tinha a mania de esconder o dinheiro um pouco por toda parte, não vacilou em retirar a parte posterior do espelho, mas sem resultado.
Quinze meses mais tarde, assistindo eu a uma sessão em casa da Sra. Decius Deo, em Avignon, à rua dos Mercadores, e estando essa senhora em transe, o Espírito da Sra. J. me dirigiu a palavra pela sua boca, chamando-me por meu nome próprio, que o médium certamente não conhecia: “Luciano, venho dizer-te o que te não pude fazer antes de minha morte. Eu tinha colocado um titulo de 500 francos da Companhia Fraissinet entre o vidro e o fundo do espelho que está na cozinha. Meu marido vai mudar-se e vender, talvez, esse objeto. É preciso preveni-lo disso.”
Escrevi ao Sr. J., que deu a necessária busca, e achou o título no lugar indicado.”
Clara Galichou, em seu livro “Souveniers et Problèmes Spirites”, refere (págs. 208 e seguintes) que, tendo evocado Beethoven,, pediu ao Espírito que se havia manifestado em nome do célebre compositor que lhe desse uma prova de identidade, mencionando um fato de sua vida, que nem ela conhecesse nem a Srta. R., que assistia à sessão.
O Espírito respondeu: “De bom grado, e vem a ser: tive em minha vida um grande amor e uma profunda admiração: o amor pela Julita, a admiração por Napoleão. Sitas, foi para ele que compus a Sinfonia heróica.”
Essas duas asserções, que a Srta. R. e Clara G. ignoravam, são exatas. Beethoven não se casou, mas esteve muitos anos apaixonado pela Srta. Júlia de Guicciardi, que foi desposada, mais tarde, pelo Conde de Gallenberg.
Sabe-se igualmente que Beethoven tinha sido um admirador do gênio de Napoleão I, em quem via um herói republicano (sic) dotado das maiores virtudes patrióticas. Quando começou a escrever a “Sinfonia heróica”, tencionava dar-lhe o nome de “Bonaparte” e pretendia dedicá-la ao primeiro cônsul da República Francesa. Tinha já escrito a dedicatória, quando um dia um de seus amigos lhe veio anunciar que o primeiro cônsul acabava de se fazer proclamar imperador. Beethoven exclamou: “Ora, pois! é um ambicioso como todos.” E, em lugar da simples denominação “Bonaparte”, pôs esta outra: “Sinfonia eroica per festeggiare il sovvenire dun grand'uomo”.
Certos Espíritos revelam sua identidade, no transe, por uma linguagem convencional, ignorada pelo médium.
Tal é o caso do Espírito Fourcade, que se comunicou com o abade Grimaud, em Avignon, em 1899, por meio de sinais usados entre os surdosmudos, e segundo um método especial de que fora ele o inventor. A manifestação se produziu numa reunião em que só esse eclesiástico lhe podia compreender o sentido.ccxliii
Aksakof ccxliv cita um caso análogo. O Espírito de uma senhora falecida, que em vida fora surda e muda, transmitiu a seu marido, por intermédio da médium Sra. Corwin, em Siracusa (EE.UU.), uma comunicação mediante o alfabeto dos surdos-mudos:
“Era comovedora a cena: o marido conservava-se diante da médium em transe e dirigia à sua mulher diversas perguntas, por sinais, e esta respondia a seus pensamentos do mesmo modo, por intermédio de um organismo estranho, de uma pessoa que nunca praticara esse modo de conversação.”
Outros Espíritos, vítimas de acidentes, guiam as pessoas incumbidas de lhes encontrar os corpos:
Tendo soçobrado um barco no porto de Argel, em 1895, um homem se afogou e não foi possível encontrar-lhe o cadáver. O Comandante Courmes, da Marinha de Guerra, assistindo naquela cidade a uma reunião espírita, fez evocar o afogado. Este acudiu à evocação, incorporou-se no médium, que mudou de voz e de atitude, e fez uma narração neste sentido: “Quando o barco soçobrou, eu estava na escada e caí; minha perna direita enfiou por entre duas travessas e o braço de alavanca do casco produziu-me uma fratura da perna que me impediu de desvencilhar-me. Hão de achar preso o meu corpo na escada, quando puserem de novo o barco a flutuar. É inútil procurálo noutro lugar”.ccxlv
As manifestações pela mesa não são menos abundantes em provas de identidade.
O Comandante P. Martin (aliás Dauvil), em suas “Notas antigas”,ccxlvi refere o seguinte fato que sucedeu no seio da família de sua mulher, na ilha da Reunião, em 1860, e é confirmado pelos testemunhos de vários de seus parentes:
“Uma tarde em que estava reunida a família B. em torno de uma mesa, no grande salão, em plena luz, um Espírito pediu que chamassem o Sr. A. B., avô de minha mulher (a qual ainda não era nascida), a fim de lhe transmitir uma comunicação muito importante. O Sr. A. B. fumava tranqüilamente o seu cachimbo, no alpendre, pensando em suas plantações de cana, em sua usina, mais que nos Espíritos, nos quais não acreditava. Chamaram-no então pela segunda vez: “Vinde, meu querido pai, o Espírito vos espera, para dizer-vos seu nome.” – “Deixai-me em paz, meus filhos, com essas brincadeiras.” Finalmente, uma de suas filhas lhe veio suplicar que fosse ao salão – “Vamos lá, minha filha, ver o que teu Espírito quer de mim.” E o excelente homem se aproximou da mesa, que todos os seus filhos rodeavam, pronunciando a fórmula – “Espírito, que me queres tu?” e o invisível ditou: – “Meu caro Sr. B., eu sou o Capitão Régnier; sem dúvida vos recordais de que carreguei vossa última partida de açúcar no veleiro Bois Rouge, há dois meses. Fiz-me de vela no dia (exata, a data), estais lembrado?” – “Sim. E então?” – “Então, eu venho dizer-vos que o vosso veleiro Bois Rouge perdeu-se totalmente, com a tempestade, nos penhascos de Simon's Bay, no cabo da Boa Esperança, há dez dias. Eu e todos os meus marinheiros perecemos e minha alma não podia abandonar as ondas, sobre as quais erra desde aquele dia. Não ficarei tranqüilo senão depois de vos ter assegurado que fizemos tudo para salvar o navio; porém o mar estava muito encapelado e a vontade de Deus se cumpriu.” – “Se o ato é verdadeiro – respondeu o Sr. B. – o que eu mais deploro é vossa morte e a de vossos bravos marinheiros; mas, até prova do contrário, permiti-me duvidar da veracidade dessa triste nova. Se vos afogastes, como podeis estar aí nessa mesa?” – “E, entretanto, a verdade verdadeira – ditou a mesa, agitando-a e batendo com um pé rapidamente; – vereis, meu caro Sr. B., que o armador de Nantes vos confirmará a notícia daqui a quatro meses. Adeus, Sr. B.; passai bem, vós e vossa família.”
– “E precisamente quatro meses depois desse dia – dizia o querido avô de minha mulher, contando-me essa história trinta e cinco anos mais tarde – porque nessa época não tínhamos como hoje os vapores que nos levam o correio duas vezes por mês, a perda do navio Bois Rouge, de sua equipagem e do bravo Capitão Régnier, o que foi realmente confirmado.” “Que responder a isso?” – acrescentava filosoficamente o querido velho.”
Um outro caso demonstrativo é o seguinte, atestado por W. Stead e reproduzido pela “Revue Scientifique et Morale du Spiritisme”, de janeiro de 1904:
“Durante semanas e meses antes da morte de meu irmão, conversávamos acerca da comunhão dos Espíritos, quando certa manhã me pediu ele que lhe desse um pedaço de louça de barro, pena e tinta. Fez duas marcas a tinta num dos lados e uma no outro; quebrando em seguida em dois o fragmento de barro, deu-me um dos pedaços, recomendandome que o guardasse com cuidado e pouco tempo depois escondeu o outro num lugar somente dele conhecido, na intenção de me vir, depois de sua morte, revelar onde se achava. Ser-me-ia então possível compará-lo, o que provaria ter ele vindo comunicar-se, sem minha intervenção mental, pois que eu ignoraria completamente o esconderijo do objeto.
Depois de sua morte e de várias tentativas, nos sentamos, eu e minha mãe, à mesa, e eis que, pelo alfabeto soletrado, nos foi dito: “O pedaço de louça está no meu escritório, debaixo do tomahawk. – Benja”.ccxlvii Fui ao seu escritório, que depois de sua morte se conservava fechado, encontrei o fragmento em questão no lugar indicado e, aproximando-o do que havia guardado, vi que os dois se ajustavam perfeitamente e que os sinais com que tinham sido marcados concordavam em absoluto.
Mencionarei ainda outro incidente, que tem para mim tanto valor como o pré-citado. Meu irmão escreveu-me uma carta, na mesma ocasião em que me havia dado o fragmento de louça, lacrou-a e me disse que não a lesse, porque me indicaria o seu conteúdo. Foi ainda pelo método alfabético de pancadas com a mesa que vim a saber o conteúdo da carta, que rezava assim: “Júlia! procede bem e sê feliz! – Benja”. Era exato: as palavras da carta haviam sido essas. Não tenho a mínima hesitação em assinar meu nome, porque só digo a verdade.”
A fotografia dos Espíritos fornece também seu contingente de provas.
“La Revue”, de 15 de janeiro de 1909, publica um artigo do mesmo W. T. Stead, intitulado “Como comunicar com o Além?”, do qual extraímos o trecho referente à fotografia dos invisíveis, que assim começa:
“Apresso-me a desarmar o leitor céptico, admitindo que nada é mais fácil que adulterar fotografias desse gênero, e acrescentarei que um prestidigitador pode sempre enganar o observador desconfiado e vigilante.
As chapas de que me sirvo, por mim mesmo reveladas e que, ao demais, são marcadas, forneceriam alguma garantia contra as fraudes. Mas, se acredito na autenticidade das fotografias, é porque me firmo em argumentos demonstrativos de outra ordem. A prova de autenticidade da fotografia de um Espírito consiste antes de tudo na execução de um retrato perfeitamente reconhecível da pessoa falecida por um fotógrafo que nada absolutamente saiba da existência dessa pessoa e, em seguida, no fato de não ser percebida forma alguma visível pelo operador ou por quem assiste à operação.
Tais fotografias foram por mim obtidas, não uma, mais repetidas vezes. Referirei agora unicamente um caso.
O fotógrafo, cuja mediunidade permite fotografar o invisível, é um artista já velho e sem instrução, particularidade que o impede mesmo, em dadas circunstâncias, de se ocupar vantajosamente de sua profissão. É clarividente e, como por minha parte o denominarei, clariaudiente.
Durante a última guerra dos Boers, fui pedir-lhe uma sessão, curioso que estava de saber o que se iria passar. Mal me havia sentado em frente do bom velho, disse-me ele:
– Tive outro dia uma turra. Um velho Boer veio à minha oficina; trazia uma carabina e seu olhar feroz causou-me certo medo. “Vai-te embora – disse-lhe eu; – não gosto de armas de fogo.” Ele se foi; mas voltou e está aí. Entrou com vosmecê; não traz a carabina e o seu olhar já não é tão feroz. Devo consentir que fique?
– Certamente – respondi –. Julga que o poderá fotografar?
– Não sei – disse o velho –; posso experimentar.
Sentei-me diante da objetiva e o operador empunhou o obturador. Eu nada podia ver; antes, porém, da exposição da chapa, interroguei o fotógrafo:
– Pois que noutro dia lhe falou, poderá falar-lhe agora novamente ?
– Decerto; ele está sempre atrás de vosmecê.
– Ele lhe responderá, se o interrogar?
– Não sei, vamos a ver.
– Pergunte-lhe o nome.
O fotógrafo teve o gesto de fazer uma pergunta mental e esperar a resposta. E logo:
– Diz ele que se chama Piet Botha.
– Piet Botha? – objetei num tom de dúvida. – Conheço um Filipe, um Luís, um Cristiano e não sei quantos outros Botha, mas nunca ouvi falar desse Piet.
– Diz ele que é o seu nome – replicou, teimoso, o velho.
Quando revelou a chapa, vi, de pé, atrás de mim, um rapagão barbado, que tanto poderia ser um boer como um mujick. Não disse uma palavra; mas esperei até o fim da guerra e, quando chegou a Londres o General Botha, lhe enviei a fotografia por intermédio do Sr. Fischer, atual primeiro-ministro do Estado Livre de Orange. No dia seguinte, o Sr. Wessels, delegado de um outro Estado, me veio procurar.
– Onde obteve o senhor esta fotografia que deu ao Sr. Fischer?
Narrei-lhe fielmente como se achava ela em meu poder. Meneou a cabeça:
– Não creio em almas do outro mundo; mas diga-me seriamente de onde lhe veio esse retrato. Aquele homem jamais conheceu William Stead; nunca pisou a Inglaterra.
– Disse-lhe como o obtive – insisti eu – e o senhor pode não me acreditar; mas por que se mostra assim tão admirado?
– Porque aquele homem – disse – é um dos meus parentes; tenho em minha casa o seu retrato.
– Deveras! – exclamei. – É morto?
– Foi o primeiro comandante boer que morreu no cerco de Kimberley... Petrus Botha – acrescentou – mas, para abreviar, o apelidávamos Piet.
Conservo essa fotografia em meu poder; foi igualmente identificada por outros delegados dos Estados Livres, que também haviam conhecido Piet Botha.
Ora, isso não se explica pela telepatia nem cabe admitir a hipótese de fraude. Foi por mero acaso que pedi ao fotógrafo verificar se o Espírito daria o nome. Ninguém na Inglaterra, tanto quanto pude certificar-me, sabia que existia Piet Botha.”
Em várias circunstâncias, Espíritos desencarnados contribuem com suas indicações para a regularização de seus negócios terrestres; ajudam a encontrar testamentos ocultos ou extraviados.
O Dr. Cyriax, em sua brochura “Die Lehre Von Geist”, refere um fato desse gênero em que ele próprio tomou parte:
“Um rapaz de Baltimore, chamado Robert, havia sido educado por uma de suas tias, rica, celibatária, que, tendo-o adotado, fizera dar-lhe uma instrução completa e o havia casado. Tornara-se ele pai de família, quando sua tia faleceu subitamente. Não se lhe achou testamento algum e os parentes interessados trataram de excluir da herança o Sr. Robert. Este, extremamente perplexo, foi, por indicação de alguns amigos, consultar a Sra. Morill, médium à test, que evocou a tia falecida. Revelou então esse Espírito que o testamento estava guardado num armário de roupa branca, no andar superior de sua vivenda. Só depois de remexido todo o conteúdo do armário foi que se achou, num pé de meia, o documento, tal qual fora descrito. Ninguém no mundo, e o médium menos que qualquer outra pessoa, podia ter a mínima idéia de tal esconderijo. Só o Espírito da tia estava no caso de fornecer aquela indicação.”
Aksakof narra um fato semelhante, extraído dos “Proceedings”, vol. XVI, pág. 353.
O Príncipe de Sayn-Wittgenstein-Berlesbourg obteve do General Barão de Korff, morto havia alguns meses, uma comunicação espontânea, na qual lhe determinava que revelasse à sua família o lugar em que, por inimizade, haviam escondido seu testamento. Esse documento foi descoberto no lugar indicado pelo Espírito.ccxlviii
A esses fatos acrescentaremos dois casos de identidade, publicados por E. Bozzano em “Annales des Sciences Psychiques” de janeiro de 1910, e que consistiram em escritos ou conversações em línguas desconhecidas pelo médium.
Foi o primeiro referido por Myers em sua obra sobre a “Consciência subliminal” (“Proceedings of the S.P.R.”, vol. IX, pág. 124) e é concernente a um episódio de escrita obtida por intermédio de uma menina de 11 anos, filha do Sr. Hugh Junor Brown, que o publicou em um livro intitulado “The Holy Truth”. Myers conheceu pessoalmente o narrador e assegura a sua perfeita sinceridade. Reproduzimos a narrativa deste último:
“Passeando um dia com minha mulher, encontrei um preto que eu não conhecia, mas que logo me pareceu um cafre, em razão dos largos orifícios que apresentava nas orelhas, costume peculiar a essa raça. Depois de o ter interrogado em sua língua nativa, o que deveras o surpreendeu, convidei-o a vir a nossa casa e dei-lhe o meu endereço. Apresentou-se ele justamente na ocasião em que fazíamos experiências mediúnicas. Disse ao criado que o fizesse entrar e perguntei se não estariam presentes Espíritos amigos seus. A mão de minha filha escreveu, em resposta, vários nomes cafres, que eu li para o preto ouvir e que ele reconheceu, manifestando grande espanto. Perguntei então se tais amigos tinham alguma coisa a dizer ao preto e imediatamente foi escrita em língua cafre uma frase em que havia palavras que eu não conhecia. Li-as ao meu visitante, que lhes compreendeu perfeitamente a significação, exceto a de uma única palavra. Tentei fazê-lo entendê-la, pronunciando-a de vários modos, mas em vão. De repente, a mão de minha filha escreveu: “Dá um estalo com a língua.” Recordei-me então de um característico estalo que deve habitualmente acompanhar a letra t, na língua cafre, e pronunciei a palavra conforme o método indicado, conseguindo fazer-me compreender imediatamente.
Cumpre-me assinalar que minha filha nenhuma palavra conhece do cafre, tendo nascido anos depois de haver eu deixado aquelas regiões. Perguntei quem era o sujeito que dirigia a mão de minha filha, sendo geralmente a arte de escrever ignorada pelos cafres, e me foi respondido que o ditado fora escrito por um velho amigo meu, H. S., a pedido dos amigos do preto. Ora, H. S., pessoa culta e de elevada posição, falava perfeitamente o cafre, tendo residido longo tempo em Natal. Nesse momento expliquei ao meu visitante que os Espíritos de seus amigos estavam presentes, o que pareceu aterrorizá-lo.”
O Ministro Plenipotenciário da Sérvia em Londres, Sr. Chedo Mijatovich, escreveu o seguinte ao diretor do “Light” (1908, pág. 136)
“Não sou espírita, mas encontro-me precisamente no caminho que conduz a essa crença, e fui atraído graças a uma experiência pessoal, que julgo de meu dever tornar pública. (Aí refere ele que vários espíritas húngaros lhe escreveram, pedindo-lhe procurasse em Londres algum médium bem conceituado, a fim de, sendo possível, entrar em relação com um antigo soberano sérvio e consultá-lo sobre determinado assunto.)
A esse tempo exatamente – continua ele – minha mulher tinha dito qualquer coisa acerca de um Sr. Vango, dotado, ao que se dizia, de notáveis faculdades mediúnicas, e por esse motivo o fui procurar. Nunca o tinha visto e, por seu lado, ele também nunca me vira. Nenhuma razão há para supor-se que ele tinha informações a meu respeito, ou que as tivesse adivinhado. À minha pergunta, se me poderia por em relação com o Espírito em que eu pensava, respondeu modestamente que às vezes era bem sucedido, mas nem sempre, e que outras muitas, ao contrário, se manifestavam Espíritos não desejados pelo consulente. Em seguida se declarou à minha disposição, recomendando-me que concentrasse o pensamento no Espírito que eu desejava.
Em pouco adormeceu o Sr. Vango e começou: “Está aqui o Espírito de um moço que parece muito aflito por lhe falar, mas exprime-se numa língua que eu não conheço.” O soberano sérvio, em quem havia eu concentrado o pensamento, falecera já maduro em 1850; eu estava, entretanto, curioso de saber quem seria esse jovem Espírito aflito por me falar e pedi ao médium que repetisse ao menos uma palavra pronunciada pela entidade presente, ao que respondeu que o tentaria. Assim dizendo, inclinou o busto para a parede em frente da qual estava sentado, numa atitude de quem se põe a escutar. E logo, com extrema surpresa para mim, começou a pronunciar lentamente em língua sérvia: “Molim vas pihite moyoy materi Nataliyi da ye molim da mi oprosti”, cuja tradução é: “Peço-te o favor de escrever a minha mãe Natália, dizendo-lhe que imploro seu perdão.” Compreendi naturalmente que se tratava do Espírito do jovem Rei Alexandre. Pedi então ao Sr. Vango que lhe descrevesse a aparência, e ele prontamente: “Oh! é horrível! Seu corpo está crivado como que de punhaladas!”
Se tivesse outra prova sido necessária para me convencer da identidade do Espírito comunicante, bastava a que em seguida me deu o Sr. Vango, acrescentando: “O Espírito lhe deseja dizer que deplora amargamente não ter seguido o seu conselho relativo à ereção de um certo monumento e às medidas policiais a adotar no caso.” Referia-se isso a um conselho confidencial que eu havia dado ao Rei Alexandre, dois anos antes do seu assassínio, e que na ocasião ele julgava intempestivo, só podendo a seu ver ser posto em prática no começo de 1904. Devo acrescentar que o Sr. Vango repetiu as palavras sérvias de um modo bem característico, pronunciando-as silaba por sílaba e começando pela última de cada palavra, para voltar à primeira.
Como dou publicidade ao fato no interesse da verdade, não hesito em assinar meu nome com a indicação de meu cargo. – (Assinado) Chedo Mijatovich, Ministro Plenipotenciário da Sérvia na Corte de Saint-James; 3, Redchiffe-gardens, S.W., Londres.”
O Sr. D. Home, finalmente, em “Life and Mission” (págs. 19 a 22), descreve um conjunto de provas de identidade, obtidas pela mediunidade vidente e auditiva, que julgamos dever aqui reproduzir:ccxlix
“Ao tempo em que eu habitava Springfield (Mass), fui acometido de grave enfermidade que me reteve no leito por algum tempo. Um dia, no momento em que o médico acabava de retirar-se, veio um Espírito comunicar-se comigo e me transmitiu esta determinação: “Vais tomar esta tarde o trem para Hartford; trata-se de assunto importante para o progresso da causa. Não discutas; faze simplesmente o que te dizemos.” Dei parte a minha família dessa estranha ordem e, apesar do meu estado de fraqueza, tomei o trem, ignorando completamente o que ia fazer e qual o fim de tal viagem.
Chegado a Hartford, fui abordado por um desconhecido, que me disse: “Não tive ocasião de o ver senão uma vez; entretanto, creio não estar enganado: é o Sr. Home, não é verdade?” Respondi afirmativamente, acrescentando que chegava a Hartford, sem saber absolutamente o que aí queriam de mim. “E extraordinário! – replicou meu interlocutor – eu vinha justamente tomar o trem para ir procurá-lo em Springfield.” Explicou-me então que uma importante família, muito conhecida, me mandava convidar a visitá-la e lhe prestar meu concurso, nas investigações que desejava fazer em matéria de Espiritismo. O fim da viagem começava, portanto, a esboçar-se; mas o mistério continuava impenetrável quanto ao prosseguimento dessa aventura.
Um agradável trajeto em carruagem nos conduziu rapidamente ao nosso destino. O dono da casa, Sr. Ward Cheney, estava justamente à porta e deu-me as boas-vindas, dizendo que o mais cedo que esperava ver-me chegar era o dia seguinte. Ao penetrar no vestíbulo, atraiu-me a atenção o frufru de pesado vestido de seda. Reparo em torno de mim e fico surpreendido de não ver pessoa alguma; logo, porém, passamos a um dos salões, e não me preocupei mais com o incidente.
Pouco depois divisei no vestíbulo uma senhora idosa, baixinha, trajando um vestido de seda encorpada, cinzenta, e que parecia muito atarefada. Aí estava a explicação do mistério: eu ouvira, sem a ver, essa pessoa que andava pela casa, de um para outro lado.
Tendo-se feito novamente ouvir o frufru da seda, e tendo-o o Sr. Cheney notado ao mesmo tempo em que eu, perguntou-me ele donde poderia provir esse ruído: “Oh! – respondi – é do vestido de seda cinzenta daquela senhora idosa que está ali no vestíbulo. Quem é essa pessoa?” A aparição era tão distinta, com efeito, que eu não tinha a menor dúvida de que aquela senhora fosse uma criatura de carne e osso.
Chegando nesse momento o resto da família, as apresentações impediram o Sr. Cheney de me responder, e nada mais pude saber na ocasião; tendo sido, entretanto, servido o jantar, admirei-me de não ver à mesa a senhora do vestido de seda: aguçou-me a curiosidade e essa pessoa se tornou desde então para mim um motivo de preocupação.
Quando a sociedade se retirou da sala de jantar, tornei a ouvir o roçagar do vestido de seda. Nada via, mas ouvi distintamente uma voz que dizia: “Estou aborrecida por terem colocado um esquife sobre o meu; não quero que lá o deixem ficar.” Tendo comunicado ao chefe da família e a sua mulher o estranho recado, eles se olharam com surpresa; depois o Sr. Cheney, quebrando o silêncio, me disse que “reconhecia perfeitamente aquele vestido, sua cor e mesmo a qualidade da seda encorpada; mas, – acrescentou – a referência ao esquife colocado sobre o seu é absurda e errônea.” Essa resposta me deixou perplexo; não sabia já o que dizer, tanto mais que antes da comunicação eu não tinha suspeitado que se tratava de uma desencarnada; não conhecia mesmo as relações de família ou de amizade que pudessem existir entre a velha dama e os Cheney.
Uma hora mais tarde, ouvi de repente a mesma voz, proferindo exatamente as mesmas palavras, mas acrescentando: “Além disso, Seth não tinha o direito de cortar essa árvore.” Tendo dado parte desse novo recado ao Sr. Cheney, ficou ele muito apreensivo. “Há em tudo isso – disse ele – alguma coisa bastante singular; meu irmão Seth fez cortar uma árvore que encobria a vista da antiga vivenda e nós sempre fomos de opinião que a pessoa que lhe diz estar falando não teria consentido em derribarem-na, se ainda pertencesse a este mundo. Quanto ao resto do aviso, não tem sequer sombra de bom-senso.”
Tendo-me sido dado, à noite, a mesma comunicação pela terceira vez, arrisquei-me de novo a um desmentido formal, no que se referia ao esquife. Estava sob impressão muito aflitiva, quando me retirei para o meu quarto. Nunca tinha eu recebido comunicação falsa, e mesmo admitindo a perfeita veracidade do fato argüido, semelhante insistência, da parte de um Espírito desencarnado, em não querer que fosse um outro esquife colocado sobre o seu, me parecia absolutamente ridícula.
Pela manhã expus ao Sr. Cheney a minha profunda contrariedade; ele me respondeu que “tinha também com isso grande pesar, mas que ia provar-me que esse Espírito – se era de fato quem pretendia ser – estava completamente enganado. Vamos ao jazigo de nossa família – disse ele – e verá que, ainda que o quiséssemos, não seria possível colocar um esquife em cima do seu.”
Chegados ao cemitério, fomos procurar o coveiro que tinha a chave do jazigo. No momento em que ia abrir a porta, ele pareceu refletir e disse com um ar um tanto embaraçado, dirigindo-se ao Sr. Cheney: “Devo prevenir-vos, senhor, de que, como ficava justamente um pequeno espaço acima da Sra. ***, coloquei aí o pequenino féretro do filho de L.. Creio que isso não tem importância, mas talvez eu tivesse feito melhor avisando-vos. É só desde ontem que ele aí está.”
Jamais esquecerei o olhar que me lançou o Sr. Cheney, ao exclamar, voltando-se para mim: “Meu Deus! É então verdade!”
Nessa mesma noite tivemos uma nova manifestação do Espírito, que nos veio dizer: “Não acreditem que eu ligue a mínima importância ao féretro colocado sobre o meu; poderiam aí empilhar uma pirâmide de esquifes, que isso me seria perfeitamente indiferente. Meu único fim era provar-lhes uma vez por todas minha identidade e os induzir à absoluta convicção de que sou sempre um ser vivo e dotado de razão, a mesma E. que sempre fui. Foi esse o finito motivo que me levou a proceder como o fiz.”
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Todos os fatos que acabamos de citar estão revestidos das garantias necessárias para assegurar-lhes a autenticidade. Em sua maioria, foram eles submetidos à mais rigorosa crítica. Poderíamos ter acrescentado muitos outros casos semelhantes, se o plano deste trabalho não nos impusesse limites restritos.
Em resumo, podemos dizer que são copiosas as provas da sobrevivência para aqueles que as procuram de ânimo sincero, com inteligência e perseverança. Assim, a noção de imortalidade se destaca pouco a pouco das sombras acumuladas pelos sofismas e negações, e a alma humana se afirma em sua imperecedoura realidade.
O Universo infinito vem a ser a nossa eterna pátria. A vasta perspectiva dos tempos se desdobra aos nossos olhos como o campo de nossos trabalhos, de nossos estudos e progressos. E quando esta certeza penetrou em nosso espírito, nenhum desfalecimento nem temor nos pode mais acabrunhar, nem nesta vida nem nas inúmeras vidas que nos compele o destino a percorrer.