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XVIII


Escrita direta ou psicografia - Escrita mediúnica


A escrita é também um dos meios pelos quais os seres que amamos neste mundo podem comunicar-se conosco e transmitir-nos seus pensamentos. Duas são as formas que reveste: escrita direta, ou psicografia, e escrita mediúnica.


Desses dois modos de manifestação, a psicografia é certamente o mais seguro, o mais fácil de fiscalizar-se. Pode produzir-se em plena luz. O médium permanece em estado normal, estranho a suas peculiaridades, a ponto de parecer que não tem a mínima intervenção no fenômeno. Colocadas algumas folhas de papel numa caixa ou numa gaveta fechadas à chave, ou ainda entre ardósias duplas, amarradas e lacradas, ao serem retiradas algum tempo depois, são encontradas escritas, assinadas com os nomes de pessoas falecidas.


Nos tempos modernos, o Barão de Guldenstubbé foi o primeiro que chamou a atenção pública para essa ordem de fatos, com o seu livro “La réalité des Esprits et le phénomène de leur écriture directe”.cxlv


Sem o concurso de pessoa alguma, sendo ele próprio indubitavelmente médium, obteve, em variadíssimas condições, numerosas mensagens escritas. Suas mais notáveis experiências foram efetuadas no Louvre, no Museu de Versalhes, na basílica de Saint-Denis, na abadia de Westminster, no British Museum e em diversas igrejas ou monumentos, em ruínas, da França, da Alemanha e da Inglaterra.


Entre as testemunhas desses fatos cita ele o Sr. Delamare, redator-chefe de “La Patrie”; Croisselat, redator do “Universo”; R. Dale Owen, Lacordaire, irmão do grande orador, o historiador De Bonnechose, o Príncipe Leopoldo Galitzin, o Reverendo W. Mountfort, cujo depoimento a esse respeito foi publicado pelo “The Spiritualist”, de 21 de dezembro de 1877.


O barão colocava algumas folhas de seu próprio caderno em lugares ocultos, sem lápis nem coisa alguma que servisse para escrever. Afastava-se alguns passos, sem perder de vista um só instante o objeto da experimentação, e depois retirava o papel, em que se achavam escritas mensagens inteligíveis.


O volume é acompanhado de trinta fac-símiles de psicografias assim obtidas e escolhidas entre mais de duzentos espécimes em vinte línguas diferentes.


Em certos casos, dispostas sobre mesas ou no chão folhas de papel e lápis, sob as vistas dos experimentadores erguia-se o lápis, como empunhado por mão invisível, e traçava caracteres. Algumas vezes, via-se essa mão guiar e dirigir os movimentos do lápis; noutras, parece a escrita ser o resultado de uma ação química. Em seu livro “Investigações sobre os fenômenos do Espiritualismo”, pág. 158, W. Crookes cita vários exemplos de psicografia:


“Havia-me sentado perto da médium, a Srta. Fox, e as outras únicas pessoas presentes eram minha mulher e uma de suas parentas. Eu mantinha as duas mãos da médium numa das minhas, enquanto os seus pés descansavam sobre os meus. Uma folha de papel havia sido colocada sobre a mesa, diante de nós, e com a mão que eu conservava livre segurava um lápis.


Uma mão luminosa desceu do teto do salão e, depois de ter flutuado alguns segundos perto de mim, tomou-me o lápis da mão, escreveu rapidamente na folha de papel, atirou o lápis, depois elevou-se acima de nossas cabeças, perdendo-se pouco a pouco na obscuridade.”


Aksakof, em “Animismo e Espiritismo” (cap. I, B), cita diversos casos em que mãos de Espíritos materializados escrevem sob as vistas dos assistentes.


Aqui estão fatos mais recentes, obtidos na aldeia de Douchy (Norte) e apresentados ao Congresso Espírita de Paris, de 1900, pelo Dr. Dusart:cxlvi


“No dia 4 de março de 1898, a médium Maria D., rodeada de cinco pessoas, indica uma cadeira vazia, na qual diz ver o Espírito Agnes, sua prima, falecida há muitos anos, entretido a escrever em pedaços de papel recortados em forma de coração. Um momento depois, todos os assistentes vêem uma mão depor sobre a mesa um pacotinho contendo cinco corações de papel, num dos quais estava escrita uma pequena prece. O Sr. e a Sra. N., pais de Agnes, reconhecem a escrita de sua filha e desfazem-se em lágrimas.


Numa outra sessão viu-se, duas vezes seguidas, uma pena colocada sobre a mesa erguer-se, escrever por si mesma duas linhas e voltar à primitiva posição.”


*


Noutros casos, é sobre a ardósia que são traçadas as comunicações diretas.


Uma observação aqui se impõe. É sabido que certas radiações exercem ação dissolvente sobre os fluidos. Uma luz demasiado viva, a fixação dos olhares no ponto em que se produzem as experiências podem paralisar a força psíquica e constituir obstáculos às manifestações, ao passo que a obscuridade as favorece. Esta, porém, torna mais difícil a verificação e diminui o valor dos resultados obtidos. É preciso, portanto, a ela recorrer o menos possível, salvo no que se refere aos fenômenos luminosos, que sem a obscuridade não poderiam ocorrer.


As experiências de escrita em ardósia oferecem a preciosa vantagem de se poderem realizar em plena luz e ser submetidas a uma severa fiscalização, ao mesmo tempo em que reúnem as condições mais favoráveis à preparação dos fenômenos. As ardósias, com efeito, aplicadas uma contra a outra, constituem, com suas faces interiores, uma câmara completamente obscura, semelhante à câmara escura dos fotógrafos e, por isso mesmo, muitíssimo própria à ação fluídica.


Em todas as experiências que vamos mencionar, as ardósias eram novas, limpas de quaisquer caracteres, compradas e trazidas pelos experimentadores; muitas vezes, a fim de evitar alguma substituição fraudulenta, se lhes punha uma marca secreta. Eram, ou fortemente amarradas, ou lacradas e carimbadas, ou até, como no caso da Sra. L. Andrews e W. Petty, solidamente atarraxadas uma à outra. Nessas condições, aparecem mensagens escritas no interior de tais ardósias, que se não perderam de vista um só instante. Às vezes, mesmo as mãos dos experimentadores não as abandonam. Casos há também em que nem o médium, nem qualquer dos assistentes toca sequer nas ardósias. Colocando um pedaço de lápis no intervalo vazio, ouve-se, todo tempo que dura o fenômeno, o ranger desse lápis sobre a lousa e o ruído característico que se produz quando se põe a pontuação ou quando se cortam os "tês".


Sob o título “Psychography”, Stainton Moses (Oxon) escreveu, acerca dos fenômenos da escrita em ardósia, uma obra multo documentada, em que refere numerosos casos por ele mesmo observados num período de dez anos; a esses fatos se vêm acrescentar outros da mesma natureza, presenciados e atestados por investigadores não menos sérios.


Aí se encontram testemunhos coletivos provenientes de notáveis personalidades ou de observadores cépticos, em cujo número o autor cita muitas vezes os nomes de O'Sullivan, ministro dos Estados Unidos na Corte de Portugal, o Conselheiro Thiersch, o professor de Direito Criminal Wach; os professores Zoellner, Fechner, Weber e Scheibner, da Universidade de Leipzig; Harrison, redator-chefe do “The Spiritualist”, de Londres; Robert Dale Owen, ministro dos Estados Unidos em Nápoles, etc.


Tendo sido em sua maioria reproduzidos esses fatos em diversos jornais e revistas,cxlvii deles não citaremos mais que um limitado número.


Sergeant Cox, presidente da Sociedade Psicológica da Grã-Bretanha, declara ter obtido diversas mensagens em ardósia com o concurso do médium Slade. Eis aqui um extrato do seu testemunho: “Slade apoiava as mãos na mesa e todo o seu corpo estava sob minhas vistas, da cabeça aos pés. Tomou a ardósia, que eu havia cuidadosamente inspecionado, para assegurar-me de que nela nenhum traço de escrita existia, e, colocando-lhe um fragmento de lápis, aplicou-a contra a face inferior da tábua da mesa. No mesmo instante ouvi um ruído como se estivessem a escrever na ardósia.


Tendo algumas pancadas rápidas indicado que estava terminada a escrita, foi retirada a ardósia e, então, pudemos ler a comunicação seguinte, escrita em caracteres nítidos e corretamente dispostos:


“Caro Sergeant, estudais um assunto que merece toda a vossa atenção. O homem que chega a acreditar nesta verdade torna-se melhor, na maioria dos casos. Tal é nosso objetivo, quando volvemos à Terra, impelidos pelo desejo de tornar os homens mais conscientes e mais puros.”


O reverendo J. Savage, pregador de nomeada, cita o testemunho de um seu amigo, rabino judeu, céptico acerca da possibilidade de comunicar com um outro mundo.


“Tinha ele ido ver um médium de Chicago, munido de um bilhete que dirigira a seu pai, falecido alguns anos antes na Alemanha, e que redigira em alemão, em caracteres hebraicos, a fim de impedir que o médium, por um meio qualquer, descobrisse do que porventura se tratava. Colocou o bilhete entre duas ardósias, que amarrou solidamente, e prendeu-as a uma lâmpada suspensa que havia acima da mesa em que estavam sentados. Foi nestas condições que, ao abrir as ardósias ao fim de um instante, encontrou uma resposta ao seu bilhete, assinada por seu pai e também escrita em alemão com caracteres hebraicos.”


Algumas vezes, os caracteres traçados na ardósia são tão pequenos que só podem ser lidos com o auxílio de uma lente de fortíssimo grau. Os caracteres diferem, conforme as entidades que se comunicam, e o tipo de cada escrita se conserva uniforme durante todo o curso das experiências, por longo que seja. Não somente o caráter da escrita se mantém constante, mas as mensagens revelam a presença de uma individualidade consciente, que declara ter vivido na Terra, na condição humana. Elas têm sua originalidade, na forma e no fundo; as Inteligências se distinguem claramente umas das outras por suas comunicações, como se distinguem do médium.


Certas mensagens, obtidas em presença de Slade, de Monck ou Watkins, foram escritas em grego antigo e moderno, em espanhol, português, russo, sueco, holandês, alemão, árabe e chinês. Ora, todas as testemunhas atestam que nem um nem outro desses médiuns conheciam tais línguas. Por isso mesmo havia impossibilidade de suspeitar de sua parte a mínima fraude.


Robert Dale Owen, experimentando com Slade, tinha colocado sobre seus próprios joelhos, em plena luz, uma ardósia coberta com uma folha de papel. Uma mão fluídica, semelhante à de que fala William Crookes, e vinda de sob a mesa, apareceu e traçou uma comunicação nessa folha de papel:


“A mão se assemelhava em tudo à de uma mulher, em mármore, e tinha dedos delicados. Destacava-se visivelmente e terminava em vapor ao nível do punho. Começou a escrever e continuou, à minha vista, durante dois ou três minutos. Em seguida resvalou docemente sob a mesa. Cinco minutos depois, uma segunda mão, menor que a primeira, veio, a seu turno, escrever e desapareceu como a precedente. A primeira mensagem, em inglês, estava assinada com o nome da falecida mulher do Dr. Slade; a última estava escrita em grego.” cxlviii


Nenhum desses fenômenos poderia ser considerado uma alucinação, pois que cada vez a escrita permanece como prova irrecusável da ação dos Espíritos.


A mais extensa comunicação recebida em ardósia é a que o Sr. Owen, redator do “Golden Gate”, obteve a 24 de dezembro de 1892 com o concurso do médium Evans. Estendia-se ela por catorze ardósias duplas, amarradas e lacradas, que ficaram inteiramente escritas num quarto de hora, e compunhase de um milhar de palavras.cxlix Um outro jornalista, redator do “Light”, obteve, pelo mesmo processo, uma mensagem de seu falecido pai, em dez cores diferentes. As ardósias se conservaram fechadas entre suas mãos. Durante todo o tempo da experiência, conversava ele com o médium e desvia-lhe a atenção para vários assuntos. Cada linha da comunicação é de uma cor distinta, não escrita ou pintada, mas como precipitada, por meios que escapam à análise.cl


Na França, o Dr. Paul Gibier, preparador do Museu, estudou muito particularmente o fenômeno da escrita direta. Em trinta e três sessões, obteve ele em Paris, no ano de 1886, com o concurso do médium Slade, mensagens, em ardósias duplas e fechadas, em diferentes línguas, algumas das quais desconhecidas do médium. Encontra-se a reprodução fotográfica dessas mensagens na obra do Dr. Gibier, “Espiritismo ou Faquirismo Ocidental”.


Nessas experiências, o médium punha simplesmente a extremidade dos dedos sobre as ardósias para transmitir a força psíquica. Uma vez, as ardósias lhe foram colocadas sobre a cabeça, à vista de todos.


Ao Congresso Espírita de Paris, em 1900, o professor Moutonnier apresentou ardósias em que estavam escritas mensagens de sua falecida filha. Essa manifestação se havia produzido na América, em casa das irmãs Bangs. O professar era completamente desconhecido nesse país e os médiuns o viam pela primeira vez. Ele não perdeu de vista as ardósias, que não sofreram o mínimo contacto. A escrita é idêntica à que na Terra usava a Srta. Moutonnier.cli


Os fenômenos de escrita direta, posto que freqüentes, são contudo excedidos em número pelos da escrita mediúnica. A faculdade dos médiuns escreventes é uma das mais generalizadas e a que apresenta os mais variados aspectos.


Tendo parecido demasiado lento a certos experimentadores o processo das comunicações por meio de pancadas, imaginaram eles a construção de aparelhos especiais, como o quadrante ou a prancheta de escrever,clii a fim de facilitar as manifestações. Algumas pessoas tiveram a idéia de se substituírem elas próprias a qualquer aparelho. Tomando de um lápis, abandonaram-se ao impulso exterior e receberam comunicações, de que não tinham consciência, e que parecia provirem de Espíritos de pessoas falecidas.


Não tardaram, porém, a surgir numerosas dificuldades. Antes de tudo, reconheceu-se que o automatismo da mão que escreve não constitui, só por si, um fenômeno espírita. As experiências de Gurney e Myers, na Inglaterra, acerca da escrita dos sonâmbulos acordados, as dos Srs. Pierre Janet, Ferré, Dr. Binet, etc., na França, demonstraram que se pode provocar a escrita automática num sensitivo por meio da sugestão e dar a esse fenômeno todas as aparências da mediunidade.


Sensitivos hipnotizados recebiam dos experimentadores ordem de representar, ao despertar, tal ou tal personagem, escrever ordens, ditados, referentes ao papel que lhes era imposto. Tendo-se a sugestão realizado exatamente, sem a menor falha, concluiu o Sr. Pierre Janet, e com ele outros sábios, que haviam descoberto na ação pós-hipnótica a explicação de todos os fenômenos de escrita mediúnica. Os médiuns – disseram eles – se sugestionam a si mesmos, ou então recebem uma sugestão exterior.


Outros, como Taine e o professor Flournoy, atribuem as comunicações à influência da personalidade secundária, isto é, de um segundo “eu” subconsciente, ou “subliminal” que lhes parece existir em nós, que nos casos de mediunidade se substituiria à personalidade normal, para agir sobre o pensamento e a mão do sensitivo.


A essas dificuldades convém acrescentar ainda a ação telepática dos vivos, à distância, e a transmissão do pensamento.


Como se vê, o fenômeno da escrita mediúnica prende-se aos mais delicados problemas da personalidade e da consciência, aos estados anormais da alma, considerada em suas múltiplas manifestações.


São credores do nosso reconhecimento os sábios que estudaram esses complexos problemas. Suas pesquisas nos forneceram preciosas indicações, que permitem eliminar do domínio das investigações psíquicas certas causas de erro. Mas não poderíamos aceitar suas conclusões, tão exageradas em seu exclusivismo como as dos crentes propensos a ver em todos os fenômenos a intervenção dos seres do outro mundo. In medio stat veritas. Determinadas as causas do erro e cuidadosamente separados os fatos que a elas se prendem, veremos que resta um grande número de manifestações absolutamente inexplicáveis pelas teorias dos nossos contraditores.


Tais são os ditados que encerram idéias inteiramente imprevistas, em oposição às dos assistentes, e os que são escritos em línguas desconhecidas dos médiuns. É preciso recordar, além disso, as comunicações obtidas por crianças de tenra idade, assim como as respostas científicas e literárias dadas a pessoas de modo algum versadas em tais matérias; depois os autógrafos e as assinaturas de pessoas falecidas, reproduzidas mecanicamente por médiuns que jamais as conheceram e que nenhum escrito de seu punho tinham visto. O mesmo se aplica às comunicações triviais e grosseiras, obtidas em grupos honestos, as quais demonstram a intervenção de uma Inteligência estranha. Não se poderia, por exemplo, atribuir à sugestão a palavra “histórica”, que Espíritos atrasados se divertem a ditar pela mesa ou pelo lápis.


Convém notar que não há verdadeira correlação entre o automatismo dos sensitivos hipnotizados e a ação do médium escrevente. Este não recebeu previamente nenhuma influência hipnótica; não foi mergulhado no sono e mantém-se na posse completa de seu livre-arbítrio e vontade. Pode repelir, se o quiser, as inspirações que recebe e recusar-se a toda cooperação; ao passo que o sensitivo hipnotizado acha-se ainda, após o despertar, sob o império do sugestionador e subordina sua vontade à dele. Seria incapaz de subtrair-se à sua ação, enquanto que o médium age de pleno e próprio grado e empresta voluntariamente o cérebro e a mão, tendo em vista os resultados que se pretendem.


Outra consideração: o sensitivo hipnotizado só põe em prática a sugestão no limite restrito de suas aptidões e de seus conhecimentos normais. Por esse motivo sua linguagem e seus escritos são sempre de uma acabrunhadora banalidade, inteiramente destituídos das provas de identidade e das revelações espontâneas que constituem todo o mérito das comunicações espirituais. Em vão se há de sugerir a um sensitivo sem instrução que ele é escritor ou poeta; nada produzirá de original nem de notável. O mesmo não acontece aos médiuns, cujos ditados ultrapassam muitas vezes a esfera do seu saber e inteligência. Têm-se visto mesmo comunicações de grande alcance escritas por crianças.


Nessa ordem de fatos, é este o critério: com a sugestão hipnótica, as produções dos sensitivos são sempre adequadas a seu valor normal; na mediunidade, são quase sempre superiores à condição e ao saber do escrevente. A escrita automática e inconsciente das histéricas do Sr. Janet nunca é espontânea; só se produz depois de longo adestramento, de educação especial; é, além disso, restrita a senhoras.


Quanto à teoria subliminal, particularmente cara ao Sr. Flournoy, é verdade que há, na consciência profunda de cada um de nós, lembranças, impressões, conhecimentos, provenientes de nossas existências anteriores e mesmo da vida atual, os quais podem ser despertados em certas condições, como o veremos no capítulo das incorporações. Mas esse despertar só é possível no estado sonambúlico e, acabamos de vê-lo, não é esse o estado dos médiuns escreventes.


O inconsciente, ou subconsciente, não é um ser, mas simplesmente um estado do ser. Seria incapaz de por si mesmo produzir as variadas manifestações que passamos em revista: comunicações inteligentes, por pancadas ou escritas, com ou sem lápis ou por meio de cores precipitadas, e todos os fenômenos que constituem o objeto de tais estudos. E, ao demais, sempre se pode perguntar: por que esses inconscientes ocultos em nós seriam unânimes em declarar serem Espíritos de mortos? Não se percebe que motivo induziria o Espírito desprendido do médium, tanto como o inconsciente, a identificar-se como o Espírito de um outro homem falecido. Se existe em nós uma segunda personalidade, que possui aptidões e conhecimentos superiores aos da personalidade normal, não deve ela ser menos bem dotada em relação à moralidade, e deve ter horror à mentira. Como admitir-se, então, que toda vez que se manifesta se permita o maligno prazer de nos enganar?


A teoria de um ser coletivo consciente, criado pelas inteligências das pessoas que tomam parte nas experiências, não corresponde satisfatoriamente à realidade dos fatos. É, ao contrário, destruída pelas divergências de opiniões e os casos de identidade que freqüentemente revelam nas manifestações.


W. Crookes, em tudo tão prudente, se pronunciou a esse respeito de modo positivo:cliii


“A inteligência que dirige esses fenômenos é, às vezes, manifestamente inferior à do médium e, não raro, está em oposição direta aos seus desejos. Manifestada a determinação de fazer alguma coisa que se não pode considerar razoável, tenho visto serem dadas instantes comunicações, convidando a refletir de novo. A inteligência é, às vezes, de tal caráter, que nos leva a crer que não emana de nenhuma das pessoas presentes.”


Todas as explicações que se tem procurado dar do conjunto das manifestações, excluindo a intervenção dos Espíritos, não têm podido resistir à imponência dos fatos acumulados, nem aos processos de uma crítica severa e de um rigoroso exame; só têm conseguido demonstrar a insuficiência das pesquisas e das observações de seus autores. A teoria espírita é a única que se adapta à imensa maioria dos fatos. Duas vantagens incontestáveis apresenta: a de explicar tudo com o auxílio de princípios simples, claros, facilmente compreensíveis – e esta outra, não menos importante: não ter sido concebida por experimentadores benévolos, mas ser constante e invariavelmente formulada pela causa inteligente das manifestações. Dito isto, passemos ao exame dos fatos.


*


Os fatos de escrita mediúnica são tão antigos como a História. Deles nos fornecem numerosos exemplos a Antiguidade e a Idade Média.


Recolhido ao fundo de uma caverna, Maomet vai, com febricitante rapidez, cobrindo de caracteres grande número de folhas, que lança a esmo. Apanhadas e coordenadas essas folhas esparsas, que é que se encontra? O Alcorão! O próprio Cristo interroga o pensamento supremo e escreve a resposta sobre a areia, em certas ocasiões, como, por exemplo, no caso da mulher adúltera. Jerônimo Cardan cliv declara que suas obras foram executadas com a colaboração de um Espírito.


Quase todos os que têm lançado no mundo fermento de progresso, de justiça, de verdade, têm sido intermediários do Além, à maneira de espelhos em que se reflete a irradiação do pensamento superior. Maior seria ainda o seu número, se o nosso estado de inferioridade não tornasse difíceis de realizarem-se em nosso mundo material essas altas manifestações. Não poderia ser determinada nesse domínio a parte relativa a cada mediunidade: a intuição aí se associa intimamente com o automatismo.


Nos tempos modernos a faculdade de escrever sob uma ação oculta se tem mais nitidamente revelado em certos indivíduos. Citemos os casos mais célebres:


Hudson Tuttle, de Cleveland (Ohio), era aos dezoito anos um simples lavrador, sem educação nem instrução, ocupado todos os dias nos penosos trabalhos dos campos.


Escreveu durante noites consecutivas, sob a inspiração dos Espíritos, um livro admirável, “Arcanes de la Nature”, que excedia de muito os conhecimentos científicos da época. Não tinha ao seu alcance nem livros, nem bibliotecas, porque seus pais moravam no interior e só se ocupavam de agricultura. A obra foi publicada em 1860, com um apêndice indicando a sua origem. Teve três edições na América, foi depois reeditada na Inglaterra, traduzida em alemão pelo Dr. Aschenbrenner e publicada em Leipzig.


Particularidade curiosa: o Dr. Büchner, chefe da escola materialista alemã, leu a obra sem prestar ao apêndice a mínima atenção, acreditou que a produzira um homem de Ciência e dela extraiu numerosas citações, que figuram em seu célebre livro “Força e Matéria”, sem designação de autor.


O Dr. Cyriax o fez notar, e quando Büchner foi à América realizar uma série de conferências, passou por Cleveland e pediu para ver Hudson Tuttle, “desejoso que estava – dizia ele – de travar conhecimento com um homem que tão valioso auxílio lhe prestara para a confecção de sua obra”.


O médium lhe foi apresentado por ocasião de um banquete. Grande foi, porém, a decepção de Büchner ao ver o rapaz; e quando soube de que modo haviam sido escritos os “Arcanes”, acreditou que era uma burla. O Dr. Cyriax e o Sr. Teime, editor do jornal alemão de Cleveland, tiveram grande dificuldade em dissuadi-lo.clv


O grande escritor Hasden, senador romeno, historiador e filólogo, contava 53 anos, quando perdeu a filha única, vitimada aos 16 anos pela tuberculose. Essa perda provocou nova orientação no espírito de Hasden, dando motivo à sua iniciação no Espiritismo, conforme o explicou ele no prefácio de “Sic Cogito”, a única de suas obras escritas sobre o assunto: “Haviam decorridos seis meses da morte de minha filha; estávamos em março (1889), cessara o Inverno, tardando, porém, ainda a Primavera. Em uma tarde úmida e desagradável, achava-me eu, sozinho, sentado à minha mesa de trabalho, tendo, como de costume, diante de mim uma resma de folhas de papel e vários lápis.


Como foi? Ignoro-o; mas, sem o saber, minha mão tomou um lápis, cuja ponta apoiou sobre o papel, e eu comecei a sentir na têmpora esquerda pancadas rápidas e intensas, exatamente como se nela me houvessem introduzido um aparelho telegráfico. De repente, a mão se me pós em movimento, sem parar. Cinco minutos, no máximo. Quando se me deteve o braço e o lápis me escapou dos dedos, acreditei despertar de um sono, certo embora que estava de não haver adormecido. Olhei para o papel e li sem a menor dificuldade


“Sou feliz; amo-te, havemos de nos tornar a ver; isso te deve bastar. – Julie Hasden.” clvi


Estava escrito e assinado com a própria letra de minha filha.”


Toda a obra “Sic Cogito” se destina a explicar esse fato, o primeiro de uma longa série de comunicações espíritas que se haviam de estabelecer entre o Espírito Júlia Hasden, a “Lilica”, como lhe chamava o pai, e a inteligência, extremamente sugestionável e sob viva tensão, do próprio Hasden.


As comunicações mediúnicas exerceram desde então influência até mesmo nos trabalhos literários de Hasden. Num artigo a seu respeito, publicado no “Mercure de France”, de 16 de novembro de 1907, o Sr. M. Craiovan reproduz o fac-símile de algumas linhas de escrita automática obtida por Hasden, numa sessão de Espiritismo realizada em sua casa, no dia 13 de novembro de 1890, na qual tomaram parte o D. Steiner, os professores Florescu e Sperantia, o cavaleiro de Sazzara, cônsul-geral austro-húngaro, e, finalmente, V. Cosmovici, que serviu de médium. De repente Hasden recebeu, em russo, uma comunicação, que parecia proveniente de seu pai, cujo texto rezava assim: “Na qualidade de último descendente da família, deves desenvolver o tesouro da língua moldávia: Etimologicum magnum Romaniae.”


Esse documento automático teve sempre para Hasden o valor de verdadeira revelação, provando-lhe a realidade das inspirações que se faziam sentir em sua vida mental. Ele fez, e não sem um certo espírito crítico, longa exposição dos motivos que o levaram a acreditar no caráter espirítico dessa revelação, já lhe tendo, ao demais, calado no ânimo a idéia, por Luiz Figuier exposta, de que os artistas, pensadores e escritores, depois de haver perdido um ser caro, sentem uma como ampliação de suas faculdades. Dir-se-ia que as aptidões intelectuais da pessoa falecida se vêm acrescentar às suas e enriquecer-lhes o gênio. De todo modo, essa comunicação mediúnica valeu à România uma obra filológica que, embora não tendo ficado terminada, é indubitavelmente um dos mais preciosos tesouros da sua língua.


Um dia, em que remoques idiotas atingiam o seu Espiritismo, “única religião experimental!” possível, na sua opinião, Hasden se acreditou obrigado a demonstrar a sua boa-fé:


“Em História – escreveu ele – em Filologia, em todas as esferas do conhecimento, sempre fui céptico, repelindo o autoritarismo de cima e a popularidade cá de baixo, e por toda parte me franqueando, mediante minhas próprias investigações e indo à fonte de tudo, um rumo novo, bom ou mau, conforme o entendia, mas com o coração limpo, sem temor de quem quer que fosse, sem utilidade pessoal, sem bajulação nem preconício.” (Sic Cogito, capítulo I) clvii


O reverendo Stainton Moses, pastor da Igreja Anglicana, erudito e venerado pensador, muito imbuído dos dogmas da teologia protestante, veio a tornar-se médium escrevente mecânico. Em sua obra “Ensinos Espiritualistas”, expõe ele o estado de espírito em que acolhia as comunicações do mundo invisível. As idéias, para ele novas, que continham os ditados, provocavam-lhe protestos, e só depois de muitas lutas interiores foi que acabou por adotá-las como mais conformes com a justiça e a bondade de Deus.


Empregou sempre o máximo cuidado em evitar que seus próprios pensamentos exercessem qualquer influência sobre os assuntos tratados, a ponto de pôr-se a ler, no próprio texto, obras gregas, enquanto sua mão obedecia ao impulso estranho.


Havia entre ele e seus instrutores espirituais, conhecidos sob os nomes de Imperator, Rector e Prudens, tal divergência de opiniões, que é verdadeiramente impossível atribuir essas personalidades distintas a desdobramentos inconscientes do médium.


Stainton Moses afirma que esses Espíritos muitas vezes lhe revelavam fatos absolutamente desconhecidos de todas as pessoas que tomavam parte nas sessões, fatos ulteriormente reconhecidos verdadeiros.


Aqui está um desses casos, extraído da obra acima indicada:clviii


“No dia 29 de março de 1894 foi escrita uma comunicação em meu canhenho. A letra me era desconhecida, muito trêmula e desigual; parecia traçada por pessoa extremamente idosa e fraca. A assinatura conservouse um enigma, até que foi decifrada pelo Espírito-fiscal. Esse ditado provinha de uma velha, de quem jamais eu ouvira falar, e que falecera com mais de 90 anos, numa casa pouco distante daquela em que se reunia o nosso grupo. O nome do lugar em que se haviam passado os primeiros anos dessa senhora, sua idade, a data do falecimento, foram dados com a máxima exatidão. O Espírito deixara a Terra havia alguns meses. Ao despertar no Espaço, atraíra-o sua velha habitação, depois o grupo, que se achava na vizinhança imediata.”


Na França encontramos os mesmos fatos. Um certo número de obras foram escritas ou ditadas pelos Espíritos.


Pode-se citar: “La Clef de la Vie”, dois grossos volumes escritos em 1856 por Michel de Figanières, jovem camponês do Var, de 22 anos de idade, e que foram assinalados no “Le Siècle”, num excelente artigo de Louis Jourdan; “Les vies mysterieuses et successives de l'être humain et de l'être terre”;clix depois “Les origines et les fins”,clx obra importante obtida pela ação mediúnica de diversas senhoras lionesas, sobrepondo as mãos umas às outras.


Devemos, além disso, assinalar “Le Survie, écho de l'au-de-là”, coleção de notáveis comunicações ditadas por Espíritos e publicadas pela Sra. Noeggerath, em 1897,clxi com prefácio do Sr. Camille Flammarion.


O “Bulletin de la Société d'Études Psychiques de Nancy”, 1901,clxii publicou uma comunicação transmitida em sessão dessa sociedade, a 29 de março, pelo Sr. Fouquet, redator-chefe da “Étoile de l'Est”, sobre fenômenos de escrita mediúnica, obtidos em sua presença pelo Sr. P., seu colaborador, materialista convencido. Dela destacaremos as seguintes passagens:


“A escrita variava ao infinito, conforme o Espírito que ditava. Reconhecia-se facilmente cada uma delas e logo às primeiras palavras já sabíamos com quem nos havermos.


Nesses ditados tão dessemelhantes, jamais reconheci o estilo do Sr. P., e ter-lhe-ia sido preciso notável talento de falsário para revestir tão múltiplas formas.


P. ignorava absolutamente o que escrevia. Enquanto sua mão traçava os caracteres, o olhar se lhe tornava ligeiramente fixo e nunca se voltava na direção do papel. Entretanto, ele não dormia.


Um dia, manifestou-se nova personalidade, sob o nome de Alfantis, dizendo ter vivido no século VII, na Armênia, onde era pontífice. Desconfiamos de uma mistificação e lhe dissemos: Dai-nos vosso nome em caracteres armênios.


Imediatamente a letra do médium mudou, e vimos aparecer uma espécie de assinatura em caracteres desconhecidos, depois uma frase completa, em caracteres análogos e, em seguida, a tradução.


Nenhum de nós sabia o armênio e não podíamos, assim, fazer a verificação. Tive a idéia de pedir ao Espírito o alfabeto armênio, a fim de ter um meio de tirar a prova. Veio o alfabeto, com as letras correspondentes. Comparando-as com as frases escritas antes e o próprio nome de Alfantis, reconhecemos que havia concordância.


Alfantis nos deu, sobre a história e a geografia da antiga Armênia, informações que em parte pudemos verificar. O médium não conhecia essas particularidades.


Os experimentadores não conseguiram obter fragmento algum de escrita armênia do século VII, mas unicamente uma frase em armênio moderno. Posto que muito diferente uma da outra –, como seria o francês moderno comparado com o do século VII – o Espírito pôde traduzi-la e um estudante búlgaro, que conhecia um pouco o armênio, confirmou a tradução.”


Extrairemos da memória apresentada pelo Dr. Dusart ao Congresso Espírita de Paris, em 1900,clxiii os parágrafos seguintes, relativos aos médiuns escreventes que ele utiliza em suas experiências:


“Maria D. escreve automaticamente. O caráter da escrita e a ortografia variam conforme os manifestantes. O autor é reconhecido antes que tenha assinado o nome. Em muitos casos, o confronto entre a escrita do desencarnado e a de que ele usava quando na Terra, acusa admirável semelhança.


Quatro criancinhas, de 9 a 23 meses e de 3 a 4 anos, escreveram sós, ou reunidas a uma mesma mesa. As comunicações obtidas, quando eram simultâneas, representavam o mesmo pensamento sob três formas diferentes. Essas crianças agitavam os braços e as mãos, como para escapar a uma constrição.


A Sra. B., lavradora, completamente iletrada, a tal ponto que mais de um mês de lições e de esforços não conseguiram habituá-la a firmar sua assinatura, num ato perante o tabelião, obteve, sob a influência de um Espírito, meia página de uma escrita, informe, contendo vários conselhos.”


Citaremos ainda, reproduzindo-o da revista “Luce e Ombra”, de Milão (julho de 1905), este fato:


“Modesto porteiro da repartição dos Correios, chamado Peziárdi, mal conhecia um pouco do italiano e, não obstante, escrevia poesias em línguas que ignorava. Certa noite, encheu uma folha de papel almaço com uma série de sinais que ninguém conseguia interpretar. Foi apresentado esse estranho escrito ao professor Gorrésio, célebre paleógrafo, há esse tempo diretor da Biblioteca da Universidade. Profundamente admirado, perguntou ele quem havia escrito semelhante página, e foi-lhe narrada toda a ocorrência. Impossível seria de descrever-se o assombro do sábio e mais ainda o do visitante, ao saber que aquele escrito era a reprodução integral de uma inscrição rúnica, havia muitos anos, conservada intraduzível no Museu de Arqueologia, e que diversas vezes o professor Gorrésio tentara interpretar, mas inutilmente, porque o tempo havia apagado muitos sinais; além disso, estando quebrada a pedra, fora impossível adivinhar o resto. De posse agora do texto completo, lia ele que um certo chefe bárbaro implorava a proteção da divindade para sua tribo, etc. Desde esse dia, converteu-se Gorrésio ao Espiritismo. Numa sessão subseqüente, manifestou-se o chefe bárbaro, declarando exata a tradução do paleógrafo e acrescentando que a sua inscrição fora despedaçada por um raio.”


Sob o nome de cross-correspondence, os experimentadores ingleses imaginaram, mediante a escrita mediúnica, um novo processo de comunicação, que seria de natureza a estabelecer, do modo mais positivo, a identidade dos manifestantes.


São estes os termos em que o Sr. Oliver Lodge, reitor da Universidade de Birmingham, relata essas experiências em seu discurso, de 30 de janeiro de 1908, na “Society for Psychical Researchs”:


“Compreenderam tão bem como nós os ostensivos comunicantes a necessidade das provas de identidade e empregaram todos os esforços para satisfazer essa exigência racional. Alguns dentre nós entendem que o conseguiram; outros duvidam ainda. Pertenço ao número dos que, desejando obter novas provas, mais eficientes e contínuas, pensam, entretanto, que já foi dado um grande passo e que é legítimo admitir esses lúcidos momentos de correspondência com as pessoas falecidas, que, nos melhores casos, nos vêm trazer nova soma de argumentos, como a fazer dessa hipótese a melhor hipótese de trabalho.clxiv


Achamos, com efeito, que amigos cuja perda lamentamos, como Ed. Gurney, Rich, Hodgson, F. Myers e outros menos conhecidos, parece entrarem conosco em comunicação constante, com a idéia bem determinada e expressa de pacientemente nos demonstrar sua identidade e nos permitir a verificação recíproca de médiuns estranhos entre si. Achamos, igualmente, que suas respostas a perguntas especiais são dadas por forma que caracteriza sua bem conhecida personalidade e revela conhecimentos que eram de sua competência.


A “cross-correspondence” – acrescenta Sir Lodge – isto é, parte de uma comunicação recebida por um médium e outra parte por outro médium, não podendo cada uma dessas partes ser compreendida sem o complemento da outra, constitui excelente prova de que uma mesma inteligência opera nos dois automatistas. Se, além disso, a mensagem traz os característicos de uma pessoa falecida e a esse título é recebida por pessoas que não a conheciam intimamente, pode-se ver nesse fato a prova da persistência da atividade intelectual dessa pessoa. Se dela, finalmente, recebemos um trecho de crítica literária que está eminentemente em seu feitio e não poderia provir de indivíduos ordinários, então eu declaro que tal prova é de todo ponto concludente, com tendência a adquirir o caráter de crucial. Tais são as espécies de provas que a sociedade pode comunicar sobre esse ponto.


As fronteiras entre os dois estados, o presente e o futuro, são ainda apreciáveis, mas tendem a esbater-se gradualmente. Tal como, em meio do estrépito das águas e dos vários ruídos, durante a perfuração de um túnel, percebemos de quando em quando o rumor dos escavadores que do outro lado se encaminham para nós, assim ouvimos, a intervalos, a percussão de nossos camaradas que passaram para o Além.”


A isso não se limitaram os ingleses, dado o espírito de iniciativa que lhes é próprio. Fundaram um escritório de comunicações regulares com o outro mundo, e foi o intrépido escritor W. Stead quem o instalou em Londres, a instâncias de uma amiga desencarnada, Srta. Júlia Ames. Daí a sua denominação: Escritório Júlia. Propõe-se esse Espírito vir em auxílio assim de todos os desencarnados desejosos de entrar em relação com os vivos que aqui deixaram, como dos encarnados aflitos pela perda de um ente caro. Para ser admitido a solicitar comunicação, Júlia, que dirige pessoalmente as sessões, só exige duas coisas: afeição lícita e sincera entre o vivo e o morto e estudo prévio do problema espírita. Nenhuma retribuição é por ela admitida. O postulante, uma vez tomado em consideração seu pedido, é levado à presença de três médiuns diferentes e todos os resultados são registrados.


Esse escritório já conseguiu, desde a sua fundação, estabelecer numerosas relações com o invisível.


“Lançou uma ponte de uma a outra margem do túmulo”, disse com alguma razão W. Stead.


A clientela do Escritório Júlia é, sobretudo, composta de pessoas ilustres e instruídas: doutores, advogados, professores, etc. Um repórter do “Daily News” escreve que acompanhou, certo dia, um bem conhecido autor, cujo nome causaria admiração saber-se ligado a esse negócio. Desejava obter ele a manifestação de um amigo falecido. Concedida por Júlia a autorização, foi ele, conforme a praxe, posto em contacto sucessivo com três médiuns, assistidos por um estenógrafo, sendo lavrada minuciosa ata de cada sessão. Numa das sessões, foi a casa de sua residência exatamente descrita, com as respectivas adjacências; numa outra, recebeu ele uma mensagem, que reconheceu provir com certeza de seu falecido amigo.


Em resenha publicada no “Light”, de Londres, assim se exprime o Sr. W. Stead: “No espaço de dois anos, 500 pedidos nos vieram de toda parte. Sobre esse total, nunca viemos a saber o resultado de 126 por comunicação dos interessados; destes, 171 nos escreveram afirmando a convicção de terem sido postos em comunicação com os parentes falecidos; 80 responderam que o resultado era talvez satisfatório, mas não o podiam assegurar; 53, finalmente, declararam não ter recebido comunicações autênticas. Os êxitos foram mais numerosos do que seria lícito esperar e de molde a excluir a hipótese de poder ser invocada a telepatia para explicar as mensagens obtidas. Os postulantes declararam que, quando fixavam a atenção num assunto, nunca era esse o explanado e as provas obtidas não eram as que as perguntas reclamavam. A telepatia, portanto, não pode explicar tais fatos.”


*


O estudo desses fenômenos demonstra que os médiuns escreventes devem ser classificados em três categorias, segundo a natureza de suas faculdades. São eles:


1º- Puramente autômatos – não têm consciência do que escrevem; só o braço lhes é influenciado; seus movimentos são bruscos e sacudidos e eles têm às vezes certa dificuldade em ler o que obtiveram. Essa faculdade é a que maior garantia oferece, não sendo o médium mais que um instrumento, ou, antes, um agente passivo, cujo pensamento e vontade se conservam independentes dos movimentos da mão.


2º- Escreventes semimecânicos, nos quais o cérebro e a mão são igualmente impressionados. Têm consciência do que escrevem e as palavras lhes acodem à mente no próprio momento em que são lançadas no papel.


3º- Escreventes intuitivos ou inspirados, nos quais só o cérebro é influenciado. Essa faculdade é incerta, às vezes ilusória, porque os pensamentos do indivíduo se misturam freqüentemente com os do inspirador oculto e é difícil distingui-los uns dos outros. Daí a hesitação de certos médiuns dessa natureza. Não devem eles, todavia, desprezar esse modo de trabalho, que se aperfeiçoa com o exercício e pode tornarse com o tempo precioso método de comunicação.


Temos muitas vezes notado este fato na mediunidade intuitiva. A parte de intervenção intelectual do médium, considerável ao começo nas comunicações, a tal ponto que se chega a duvidar do próprio caráter dessa faculdade, diminui pouco a pouco, e a parte de intervenção do Espírito aumenta gradualmente, até tornar-se preponderante. Sempre se encontrarão, nas comunicações obtidas, termos, expressões, construções de frases familiares ao médium, dos quais faz ele habitual emprego, mas a originalidade, a divergência das idéias e opiniões expressas se afirmarão cada vez mais, assim como sua superioridade sobre as do sensitivo.


Aos médiuns que a si mesmos quisessem porventura atribuir o mérito das comunicações obtidas, apontaremos o seguinte fato, referido pelo Capitão Bloume, em sua carta ao Sr. L. Gordy, publicada por “Le Messager”, de Liège, de 15 de abril de 1900:


“Num grupo de oficiais do 57º de linha, um 2º tenente, homem muito vulgar no que se refere ao espírito e inteligência, pouco instruído, mas bom médium, estava persuadido de tirar de seu próprio cérebro belíssimas comunicações morais, e começava a presumir-se um imenso talento pessoal como escritor, quando um belo dia, no serão hebdomadário, em meio de uma bonita frase, pára repentinamente. Impossível continuar; seu cérebro se recusa absolutamente a produzir a mínima coisa. Durante esse tempo, um outro médium explicava que, sem que se houvesse pedido, os Espíritos davam uma lição de humildade a esse médium presunçoso.


Em uma outra sessão, esse mesmo médium escrevia, sobre três folhas de papel justapostas, três comunicações completamente diferentes, redigindo apenas uma linha em cada folha sucessivamente, e isso com a maior clareza e a rapidez habitual.”


No curso de numerosas sessões de experimentação, muitas vezes nos aconteceu propor a médiuns intuitivos questões improvisadas, de ordem assaz elevada e intencionalmente abstrata, muito acima de suas concepções pessoais. Eram resolvidas de uma assentada, em ditados bem extensos, cuja forma, tão notável como o fundo, não comportava modificações nem emendas, coisa que os sensitivos teriam sido incapazes de fazer por si mesmos, sem assistência oculta.


Não obstante as diferenças de opiniões e de educação religiosa que distinguiam entre si os nossos médiuns, todas as indicações que recebiam e transmitiam acerca da vida futura e da evolução das almas eram idênticas em suas grandes linhas, em seus aspectos essenciais. Um deles, muito refratário à crença nas existências sucessivas, recebia diariamente comunicações sobre a reencarnação e suas leis. Outros, muito imbuídos das idéias católicas ou protestantes ortodoxas, obtinham ditados demonstrativos de que as concepções de paraíso e de inferno são errôneas, ou pelo menos alegóricas, e não se baseiam em nada de real, e finalmente um conjunto de noções sobre o Além, que diferiam essencialmente das que lhes eram familiares e lhes haviam sido profundamente incutidas desde a infância.


Essas manifestações eram muitas vezes confirmadas pela visita e descrição dos Espíritos, que se conservavam ao pé dos sensitivos e os dirigiam e inspiravam. Nessas condições, o médium vidente completava o médium escrevente. É bom ter assim, num grupo, alguns sensitivos cujas diferentes faculdades servem reciprocamente de contraprova.


A mediunidade intuitiva, dizíamos nós, não deve ser desdenhada, porque com o exercício se desenvolve e torna-se bem definida. Entretanto, é preciso – como a respeito de todas as produções mediúnicas – jamais deixar de submeter os seus resultados à inspeção de nosso critério e raciocínio.


Não é a credulidade menor mal que o cepticismo intransigente. O discernimento e uma certa educação científica são necessários para determinar a verdadeira origem e o valor das comunicações, para fazer a distinção entre as diferentes causas que intervêm no fenômeno.


A autenticidade das mensagens é, às vezes, difícil de estabelecer-se. O abuso de nomes célebres, de personalidades veneradas entre os homens é freqüentemente praticado e torna-se um elemento de dúvida e de confusão para os observadores. Certas produções, de deplorável banalidade, num estilo incorretíssimo, subscritas por nomes ilustres, despertam a desconfiança e levam muitas pessoas a considerar o Espiritismo uma grosseira mistificação. Para o analista calmo e imparcial esses abusos demonstram simplesmente uma coisa: é que o autor do ditado nem sempre é o que diz ser. No mundo invisível, como entre nós, há Espíritos embusteiros, sempre prontos a apropriar-se de títulos ou merecimentos, a que nenhum direito possuem, com o fim de se imporem ao vulgo.


É, portanto, necessário dar mais atenção ao próprio conteúdo das comunicações que ao nome que as subscreve. Pela obra se julga o operário. Os Espíritos superiores, para se fazerem reconhecer, em lugar dos nomes que usavam na Terra, adotam de bom grado termos alegóricos.


Em regra, os nomes e títulos não têm no outro mundo a importância que lhes damos. Os julgamentos do Espaço não são os da Terra, e muitos nomes que fulguram na história humana se eclipsam na outra vida. As obras de dedicação, amor e caridade constituem lá valiosos e duradouros títulos. Os que as edificaram nem sempre hão deixado seus nomes na memória dos homens. Passaram obscuros, quase desconhecidos neste mundo, mas a lei divina consagrou sua existência e sua alma refulge com um brilho que muitos Espíritos, reputados grandes entre nós, estão longe de possuir.


Há nas regiões inferiores do Espaço, como na Terra, Espíritos sofísticos que tratam de impingir suas concepções sob a capa de nomes pomposos. Neles, o erro se dissimula sob as formas austeras ou sedutoras, que iludem, e são por isso ainda mais perigosas. É principalmente em tais casos que se deve exercer o nosso discernimento. Não devemos adotar as opiniões de um Espírito, simplesmente porque se trata de um Espírito, mas unicamente se nos parecem justas e boas. Devemos discutir e averiguar as produções do Além com a mesma liberdade de apreciação com que julgamos as dos autores terrestres. O Espírito não é mais que um homem libertado de seu corpo carnal; com a morte não adquire a infalibilidade. O espaço que nos envolve é povoado de uma multidão invisível pouco evoluída. Acima dela, porém, há elevadas e nobres Inteligências, cujos ensinos nos devem ser preciosos. Podemos reconhecê-las pela sabedoria que as inspira, pela clareza e amplitude de suas apreciações.


Uma objeção nos tem sido algumas vezes formulada. Diversos grupos evocam o mesmo Espírito e obtêm, ao mesmo tempo, comunicações assinadas por ele. Deve-se ver sempre nisso um embuste? Não. Sabemos que o poder do pensamento se engrandece com a elevação do Espírito e sua irradiação pode abranger um círculo vastíssimo. A alma, chegada a um elevado grau de adiantamento, torna-se um foco poderoso cujas irradiações podem penetrar em todo lugar onde uma súplica e uma evocação lhe é dirigida. É o que deve ter feito acreditar, em certos casos, no dom da ubiqüidade.


A deficiência de certas comunicações não provém unicamente dos que as ditam: pode-se também atribuí-la à falta de aptidão, de preparo, de conhecimentos do médium que as recebe. Espíritos de real valor se vêem muitas vezes reduzidos a empregar instrumentos imperfeitíssimos, por meio dos quais não percebemos mais que enfraquecidas manifestações de seu pensamento, pálidos reflexos de seu gênio.


Na generalidade dos casos, médiuns imperfeitos só conseguem transmitir comunicações imperfeitas, no que se refere à linguagem e à riqueza das idéias; mas há também organizações mediúnicas admiráveis, que se prestam, com uma facilidade que chega a ser prodigiosa, às intenções do Espírito. Vimos em Paris, em casa da Duquesa de P. e noutros centros, uma jovem médium, a Srta. J. D., que, numa obscuridade quase completa, enchia em muito pouco tempo numerosas páginas de uma escrita rápida e corrente. Esses ditados sempre se referiram às mais altas questões de moral e de filosofia. Num estilo grandioso, exprimiam os mais nobres pensamentos. Era um profundo encanto ouvir-lhes a leitura e, apesar de não trazerem assinatura, provinham, sem dúvida possível, das mais brilhantes Inteligências do Espaço.


As contradições que apresentam certos ditados entre si e a raridade das provas de identidade constituem também grandes motivos de incerteza. Assim, por exemplo, comunicações assinadas por parentes nossos nem sempre oferecem o caráter de autenticidade que nelas nos agradaria encontrar. Muitas incoerências devem ser antes atribuídas aos obstáculos encontrados pelos manifestantes, que à intenção de enganar. Se aos que evocamos falta a aptidão para se comunicar, têm que recorrer a intermediários, a Espíritos mais experientes, que tomarão seu nome, a fim de tornar mais inteligível ou mais eficaz a comunicação. Daí certas inexatidões ou deficiências, imputáveis aos transmissores.


Nossos meios de percepção, de investigação e análise são ainda fracos e, na maioria dos casos, nada fazemos do que é necessário, como método de adestramento moral e físico, para estabelecer a comunicação em mais perfeitas condições.


No médium inspirado deve a razão equilibrar-se com a intuição. Esta é sempre segura e fecunda, quando provém das almas elevadas; é às vezes enganadora e perigosa quando emana de Espíritos de ordem inferior, cujas idéias e apreciações são errôneas.


Nisto, como em tudo que se refere às nossas relações com o mundo oculto, só há uma regra: espiritualizar-se. A matéria é qual muralha que se ergue entre nós e o invisível. Procuremos por todos os meios atenuar-lhe a opacidade. Para isso é preciso recorrer aos seres superiores e, pelas irradiações de nossa alma, facilitar a comunhão com eles. Não empreguemos senão com respeito e desinteresse as faculdades que nos são concedidas, isto é, nunca as utilizemos a pretexto ou para interesses materiais, mas visando unicamente o nosso bem moral. Quanto mais se desprende o médium das influências terrestres, mais se engrandecem e aprimoram as suas faculdades.


A escrita mediúnica reveste algumas vezes as mais caprichosas formas. Enquanto fora da influência oculta, os médiuns seriam incapazes de escrever nessas condições, alguns obtêm a escrita invertida, também denominada “escrita em espelho”, legível somente por meio de um espelho. Outros escrevem às avessas, de tal sorte que é preciso ler as suas produções em sentido inverso, começando as frases pela última letra e terminando na primeira.clxv


Nos “Proceedings da S. P. R.”, Frederic Myers menciona o seguinte caso: “A viúva de um clérigo punha absolutamente em dúvida a escrita automática: “Pegasse eu num lápis – dizia ela – até à consumação dos séculos, e minha, mão só escreveria o que eu quisesse.” Não tardou, entretanto, a entrar-lhe a mão em movimento, enquanto ela desafiava o Espírito a escrever o nome e troçava da sua incapacidade em tal sentido. Era um tanto ilógico, pois a mão lhe era já vencida pelo movimento, apesar dos esforços que fazia por imobilizá-la. E rabiscava, contra a vontade, linhas incoerentes, que uma resistência intencional desfigurava por completo. Abandonou por fim o lápis, cantando vitória. Eis aqui, porém, o ardil; lembrou-se uma das pessoas presentes de colocar o papel em frente a um espelho, e todos puderam ler: – “Unkind, my name is Norman.” (Mau! Meu nome é Norman.) É evidente que a vontade hostil do sensitivo teria impedido esse rascunho, se a formação dos caracteres no sentido normal tivesse podido ser acompanhada pela vista.” clxvi


A essa ordem de fenômenos se acha ligado um conjunto de trabalhos que não poderíamos passar em silêncio. Trata-se de desenhos executados, quer a pena, quer a lápis, por pessoas que não tinham de desenho a mínima noção. Cobrem o papel de folhas, de flores esquisitas e graciosas de cores brilhantes, de arabescos, de animais, ora de pura fantasia, ora imitando a flora ou a fauna de planetas longínquos.


Victorien Sardou obteve gravuras representando construções ideais. Hugo d'Alési desenhou retratos de pessoas falecidas, cuja semelhança foi reconhecida. Helena Smith, completamente ignorante do assunto, pintou quadros que impressionam. Rosa Agullana e Segundo Oliver obtiveram perturbadores desenhos, ornatos, flores, figuras estranhas, ou executaram deliciosos trabalhos. Pode-se dizer que a mediunidade se presta a mil variadas obras. Um bom médium é como uma lira, que vibra sob o impulso dos Espíritos.


No Congresso Espírita, efetuado em Paris, em setembro de 1900, à rua d'Atenas, algumas dessas obras foram colecionadas numa sala especial e expostas à curiosidade do público.


Atraiu particularmente a atenção uma série de retratos obtidos automaticamente pelo Sr. Fernand Desmoulins, pintor de talento, muito conhecido no mundo parisiense. Havia figuras de sonho e de assombro, cuja vista causava desagradável impressão; perfis deliciosos, de melancólico sorriso; cabeças de supliciados, que exprimiam uma dor horrível; semblantes de uma intensidade de expressão extraordinária, de olhares súplices ou interrogativos.


Esses desenhos tinham sido executados, ora obliquamente, as mais das vezes às avessas, outras na obscuridade ou com os olhos fechados, sob o império de uma vontade estranha – a de um invisível, que assina: “O Preceptor”.


O Sr. Desmoulins emprega de dez a vinte minutos para fazer esses quadros, ao passo que lhe são necessários cinco ou seis dias para compor um dos de sua autoria.


Sua mão desenha com vertiginosa rapidez, sem que ele tenha a mínima consciência do que faz. Põe-se a mirá-la curiosamente e ele próprio o diz:clxvii


“Ela trabalha à maneira de Rodin. Muitas vezes é arrebatada com a rapidez do raio, numa sorte de turbilhão ou de giro fulgurante. Curvas, volutas e linhas retas, olhos, nariz, boca e cabelos, tudo é traçado, desenhado num ápice. Um retrato feito às avessas representa uma velha de semblante contraído, apoiando a cabeça na mão. Ora, eu comecei por desenhar o braço ao inverso, e como me era naturalmente impossível reconhecer que desenhava um braço, pus-me a indagar qual poderia ser o objeto que esboçava.”


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“Quando o Espírito quer fazer, por nosso intermédio, certos retoques, opera deste modo: o lápis, que empunho, traça, inconscientemente por minha parte, antes de tudo, um círculo em determinada parte do rosto – a que ele deseja modificar – depois a ponta do lápis é conduzida para fora da parte desenhada, a um canto do papel, onde escreve: apaga. Sei o que isso quer dizer; com a minha borracha apago a parte compreendida pelo círculo e retomo o lápis.


Ele gosta, sobretudo, de causar-me admiração. É assim que várias vezes me tem feito executar, em presença de terceiros, retratos de pessoas que eu nunca vi e que se verifica serem, quer parentes, quer amigos (falecidos) das pessoas que me cercavam, e que me atribuíam, não sem espanto, essas espécies de instantâneos do invisível.


Não tenho – eu, o escrupuloso e amigo da exatidão – a mínima relação com esse extravagante “preceptor”, que faz um retrato começando por onde se acaba, sem cuidar onde colocará os olhos, o nariz e a boca.”


Assim se afirma, sob mil formas, estranhas, inesperadas, variadíssimas, a comunhão do visível com o invisível, a colaboração do homem e do Espírito. E por ela ficamos sabendo que a morte é irreal. Todas as almas agem e trabalham, tanto na carne como fora dela. A vida reveste aspectos diferentes, mas não tem fim!


 


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