XVII
Fenômenos físicos - As mesas
Os fenômenos físicos se apresentam sob as mais variadas formas. A força que serve para produz-los presta-se a todas as combinações; penetra todos os corpos, atravessa todos os obstáculos, transpõe todas as distâncias. Sob a ação de uma vontade poderosa, consegue decompor e recompor a matéria compacta. É o que demonstra o fenômeno dos “apports”, ou transportes de flores, frutos e outros objetos através das paredes, em aposentos fechados.cxxi Zoellner, o astrônomo alemão, observou a penetração da matéria por uma outra matéria, sem que fosse possível distinguir solução de continuidade em um e outro corpo.cxxii
Com o auxílio da força psíquica, as entidades a que são devidas as manifestações chegam a imitar os mais estranhos ruídos.
W. Crookes, em sua obra já citada, ocupa-se desse gênero de fenômenos.cxxiii
“O nome popular de “raps” (percussões) dá uma idéia muito pouco verdadeira desses fenômenos. Repetidas vezes, durante minhas experiências, ouvi pancadas delicadíssimas, que dir-se-ia produzidas pela ponta de um alfinete, uma cascata de sons penetrantes como os de máquina de indução em pleno movimento, detonações no ar, ligeiros ruídos metálicos agudos, sons que se assemelhavam a raspaduras, trinados como os de um pássaro, etc.”
Entende o célebre químico que esses toques, que ele diz “haver sentido em seus próprios ombros e nas mãos”, devem ser atribuídos, na maioria dos casos, a Inteligências invisíveis, pois que, mediante sinais convencionados, se pode conversar, horas inteiras, com essas entidades (ob. cit., pág. 147).
Em presença do médium Home, um acordeão, encerrado numa caixa ou suspenso no ar, tocava sozinho doces melodias.cxxiv O peso dos corpos aumentava ou diminuía à vontade. Uma mesa tornava-se alternadamente pesada, a ponto de se não poder levantá-la, ou tão leve que se suspendia ao menor esforço.
Home foi recebido por vários soberanos. O Imperador Alexandre II obteve em sua presença uma manifestação pouco comum:
“Em plena luz, a mão de um Espírito abriu um medalhão que se ajustava sobre um dos botões do uniforme que o imperador trazia, medalhão em que estava encerrado o retrato do falecido czarevitch; uma comunicação, ditada por pancadinhas sobre o botão, veio em seguida demonstrar ao czar que o Espírito que se manifestava era exatamente aquele em que havia pensado.” cxxv
Em memorável sessão, a 16 de dezembro de 1868, em Ashleyhouse, Londres, sessão a que assistiu Lorde Lindsay, Lorde Adare e o Capitão Wyne, seu primo, Home, em transe mediúnico, foi levantado e projetado da parte de fora de uma janela, suspenso a essa altura da rua, e entrou por uma outra janela.
Lorde Lindsay foi convidado a dar testemunho desse fato perante a Sociedade Dialética:cxxvi
“Víamos Home – diz ele – flutuando no ar, fora da janela, a uma distância de seis polegadas. Depois de ter ficado nessa posição durante alguns segundos, levantou a outra janela, resvalou pelo quarto, com os pés para a frente, e voltou a sentar-se. As duas janelas ficam a 70 pés acima do solo, separadas entre si de sete pés e seis polegadas.”
Esses fenômenos se produziam em casas em que Home jamais havia penetrado antes e onde não poderia fazer preparativo algum, nem recorrer a artifícios especiais.
A 27 de maio de 1886, em Paris, o Dr. Paul Gibier, preparador do Museu de História Natural, observou, em presença do médium Slade, o caso de levitação de uma mesa, que se ergue, vira-se e vai tocar com os quatro pés o forro da sala, “em menos tempo que o necessário para o referir”.cxxvii
Com um fim de experimentação psíquica, viu-se depois ilustres sábios – Charles Richet, Lombroso, A. De Rochas, Flammarion, etc. – colocarem as mãos nessas mesas tão ridicularizadas, em companhia da médium napolitana Eusápia Paladino, e interrogarem o fenômeno. Numerosas fotografias, tiradas durante essas sessões, mostram a mesa completamente afastada do solo, enquanto a médium tem as mãos e os pés seguros pelos experimentadores.
Essas sessões começaram em Nápoles, em 1891, em seguida a um desafio lançado pelo cavalheiro Chiaia ao professor Lombroso).cxxviii Foram renovadas em Milão, em 1892; depois em Nápoles, em 1893; em Roma e em Varsóvia, em 1894; em 1895, em casa do Sr. Charles Richet, no castelo de
Carqueiranne e na ilha Roubaud, nas costas da Provença; em 1896, em Agnelas, em casa do Coronel De Rochas; em 1897, em Montfort-l'Amaury, em presença do Sr. Flammarion; em 1901, em Auteil, onde Sully-Prudhomme se reuniu aos experimentadores habituais.cxxix
Outras sessões se efetuaram no círculo “Minerva”, em Gênova, em 1901, as quais tiveram grande repercussão na Itália.
O Sr. Vassalo, diretor do “Secolo XIX”, reuniu em um volume cxxx as narrativas dessas sessões, que ele acompanhou com escrupulosa atenção. A 5 de abril de 1902, realizava ele, sobre o mesmo assunto e sob o titulo “A mediunidade e a teoria espírita”, na Associação da Imprensa, em Roma, uma conferência presidida pelo ex-ministro Luzzatti, presidente da Associação, conferência de que todos os jornais italianos deram notícias em termos elogiosos e cujo resumo pode ser assim feito:
“1ª Sessão – Em plena luz, a mesa de pinho tosco, de quatro pés, com um metro de comprimento, levanta-se, afasta-se do solo um grande número de vezes e fica suspensa a 10 centímetros do ladrilho, sem que mão humana a tocasse. Durante esse tempo as mãos de Eusápia se conservaram seguras por seus vizinhos, que lhe examinavam igualmente os pés e as pernas, de modo que nenhuma parte de seu corpo pudesse exercer o mínimo esforço.”
“2ª Sessão – Pancadas violentas, de quebrar a mesa, ressoam. Aparecem mãos, cujo contacto e cujas carícias se sentem – mãos largas e vigorosas de homens, mãos menores de mulher, mãozinhas minúsculas de crianças. Lábios invisíveis colam-se à fronte dos assistentes, e ouvemse beijos. Impressões de mãos invisíveis são obtidas em plastilina.”
“5ª Sessão – O médium, cujas mãos estão sempre seguras, é levantado, com a cadeira, por uma ação oculta, sem choques, sem abalos, num movimento lento, e é conservado suspenso no ar, ficando com os dois pés e os pés anteriores da cadeira em cima da mesa, já estragada pelos trambolhões. O peso erguido é de 70 quilogramas e exige uma força considerável.
Coisa mais extraordinária: da superfície da mesa, Eusápia, com a cadeira, é ainda levitada de tal sorte que o professor Porro, astrônomo, e uma outra pessoa chegam a passar as mãos sobre os seus pés e os da cadeira, sem acordo prévio e com perfeita concordância de impressões. O fato de destacar-se da mesa a cadeira denota, mais ainda que o de se afastar do solo, a intervenção de uma força extrínseca ao médium, inteligente, calculadora, que soube proporcionar os atos aos resultados e evitar um acidente sempre possível, dado o peso de Eusápia, o apoio precário de uma mesa meio quebrada e o fato de que dois pés da cadeira se achavam suspensos no vácuo.”
“6ª Sessão – Transporte de objetos, sem contacto: flores, anéis, instrumentos de música, ardósias, bússola e, sobretudo, um desses dinamômetros que servem para medir a força com que se pode apertar uma mola; quatro ou cinco vezes, como por brincadeira, esse dinamômetro é arrebatado ao seu proprietário, que o havia reposto na marcação de zero, depois restituído, de cada vez, com indicações variantes, desde um “maximum” correspondente a uma força hercúlea até um “minimum” igual à força de uma criancinha.
Como atribuir – diz o professor Porro – a uma emanação de Eusápia um processo tão complicado de atos volitivos e conscientes, acompanhados de tão acertada graduação de efeitos dinâmicos? Poderia ela alternativamente simular diversas entidades e desenvolver em cada caso uma força apropriada?”
No correr das sessões subseqüentes produziram-se materializações das quais nos ocuparemos no capítulo especialmente consagrado a esse gênero de manifestações.
O Dr. Ochorowicz, de Varsóvia, obteve, em pleno dia, e muitas vezes à vontade, com o concurso da médium Srta. Stanislas Tomszick, deslocamentos, sem contacto, de objetos materiais: lápis, agulhas, tubos de experiências, etc., e os conseguiu fotografar suspensos no vácuo.cxxxi
É um erro considerar-se, como se tem feito, o fenômeno da levitação uma violação das leis da gravidade. Ele demonstra simplesmente a ação de uma força e de uma inteligência invisíveis. O médium não poderia encontrar em si mesmo o poder de se elevar sem ponto de apoio e permanecer suspenso. E preciso admitir necessariamente a intervenção de uma vontade estranha, que acumula a força fluídica em quantidade suficiente para contrabalançar o peso do médium ou dos objetos levitados e os afastar do solo. Os fluidos são fornecidos em parte pelo próprio médium que, em tal caso, desempenha a função de pilha, bem como pelas outras pessoas presentes e, ainda, se são insuficientes, por outras entidades invisíveis, que prestam seu concurso ao operador.
O mesmo se dá com os “raps” ou pancadas. Esses ruídos são produzidos pela condensação e projeção de aglomerações fluídicas sobre corpos resistentes. Essas aglomerações são às vezes luminosas. Lê-se nas notas do Sr. Livermore:cxxxii
“Todos esses fenômenos – é evidente – são conformes às leis físicas conhecidas. Basta apenas tornar extensiva a aplicação dessas leis ao mundo invisível como ao visível, e tudo imediatamente se explica e esclarece. Nada há nisso de sobrenatural. O Espiritismo é a ciência que nos ensina a conhecer a natureza e a ação das forças ocultas, como a Mecânica nos faz conhecer as leis do movimento e a Óptica as da luz. Seus fenômenos vêm reunir-se aos fenômenos conhecidos, sem alterar nem destruir a ordem imponente que os rege. Dilata-lhes simplesmente a órbita de ação, ao mesmo tempo que nos faz penetrar nas remotas profundezas da vida e da Natureza.”
*
As mesas não representam unicamente um papel importante nas manifestações físicas espontâneas: figuram também nos fenômenos de ordem intelectual.
As mesas giratórias e falantes suscitaram muitas críticas e zombarias; mas, como o disse Victor Hugo: “essa zombaria é estulta.” Se, pondo de parte o motejo, ocioso e estéril, consideramos o fato em si mesmo, que reconheceremos nas manifestações da mesa? Quase sempre o modo de ação de um ser inteligente e consciente.
A mesa é um dos móveis mais fáceis de manejar. Encontra-se por toda parte, em todos os aposentos. É por isso que de preferência é ela utilizada. O que é preciso ver antes de tudo nesses fatos são os resultados obtidos, e não o objeto que serviu para os produzir. Quando lemos uma bela página ou contemplamos um quadro, cuidamos acaso da pena que a escreveu ou do pincel que o executou? A mesa não tem maior importância; não passa do instrumento vulgar que transmite o pensamento dos Espíritos. Conforme os manifestantes, esse pensamento será alternativamente banal, grosseiro, espirituoso, poético, malicioso ou sublime. Os investigadores que por esse meio recebem testemunhos de afeto dos seres que lhes foram caros esquecem facilmente a insignificância do processo utilizado.
Certos movimentos da mesa podem, sem dúvida, ser atribuídos à ação de forças exteriorizadas pelos assistentes e transmitidas por suas própria mãos ao móvel. Nessas experiências é preciso considerar sempre os movimentos involuntários dos operadores, quando se trata de fenômenos físicos, e a sugestão, quando se trata do fato intelectual.
Na maioria dos casos, entretanto, são insuficientes essas duas causas para explicar os fenômenos. Em primeiro lugar, o contacto das mãos nem sempre é necessário para provocar os movimentos. Faraday, Babinet, Chevreul e outros sábios haviam adotado, para resolver o problema, a teoria dos movimentos musculares inconscientes. Eis que, porém, as mesas se moveram livres de todo contacto humano. Foi o que ficou demonstrado nas experiências de Robert Hare e W. Crookes, que fiscalizaram os movimentos da mesa por meio de registros de precisão empregados nos laboratórios de Física.
Um relatório da Comissão designada pela Sociedade Dialética de Londres em 1869 cxxxiii veio confirmar suas deduções. E concluía assim:cxxxiv
“1º – Uma força emanante dos operadores pode agir sem contacto ou possibilidade de contacto sobre objetos materiais;
2º – É freqüentemente dirigida com inteligência.”
As experiências, continuadas durante muitos anos em Paris, à rua de Beaune nº 2, por Eugênio Nus, o argustíssimo escritor, e a quem vieram reunir-se o pintor Ch. Brunier, o compositor Allyre Bureau, o engenheiro Franchot, etc., são das mais célebres. Recordemo-las sucintamente.cxxxv
Utilizam-se, ao começo, de uma mesa de jantar, pesada e maciça, que se ergue sobre dois pés e permanece imóvel em equilíbrio. Uma enérgica pressão sobre ela consegue, com dificuldade, restituí-la à posição normal. Experimentam, em seguida, com uma mesinha que, mais leve, saltita, erguendo-se sob as mãos nela apoiadas, imita o movimento oscilatório do berço e o arfar da vaga. “Já não é um objeto: é um ser. Não necessita, para compreender, nem de palavras, nem de gestos, nem de sinais. Basta querer-se e, rápida como o pensamento, vai, volta, detém-se, ergue-se nos dois pés e obedece.”
Fala... mediante a percussão de golpes, dita sentenças, ensinos, frases delicadas ou profundas. Por exemplo: “A experimentação solitária é fonte de erros, de alucinações, de loucura. Para fazer experiências proveitosas, é preciso ter o pensamento voltado para Deus. Elevai vossas almas a Deus, a fim de serdes fortalecidos contra os descoroçoamentos da dúvida.”
Pedem-lhe que se exprima em inglês. Ela o faz de modo extremamente poético. Muitas expressões desconhecidas dos assistentes não conseguem ser traduzidas senão a poder de dicionário.
Vêm depois as definições em doze palavras. “Desafio – diz Eugênio Nus – todas as academias reunidas a formular bruscamente, instantaneamente, sem preparo prévio, sem reflexão, definições circunscritas em doze palavras, tão claras, tão completas e, muitas vezes, tão elegantes como as improvisadas pela nossa mesa.”
Eis aqui algumas delas:
“Harmonia é o equilíbrio perfeito do todo com as partes entre si.”
“Amor: pólo das paixões mortais; força atrativa dos sentidos; elementos da continuação.”
“Religião futura: ideal progressivo por dogma, artes por culto, Natureza por templo.”
“As vezes – acrescenta o escritor – para maior prova da espontaneidade do fenômeno, nos recusávamos a aceitar uma definição. A mesa recomeçava imediatamente e nos ditava uma frase de doze palavras, inteiramente nova.” “Outras vezes, interrompíamos o fenômeno para procurar por nós mesmos o fim da frase, e nunca o encontrávamos.”
“Um exemplo: a mesa nos dava a definição da Fé: “A Fé diviniza o que o sentimento nos revela e...” “E... quê? disse eu de repente, detendo a mesinha para impedir determinar o ditado: nada mais que três palavras. Procuremos! Olhamos uns para os outros, refletimos e ficamos boquiabertos. Afinal, restituímos à mesa a liberdade de movimentos, e ela conclui tranqüilamente a frase: “... a razão explica.” cxxxvi
“Por mais vontade que tivéssemos de nos limitar ao papel de experimentadores, não nos era possível permanecer indiferentes às afirmações desse interlocutor misterioso que exibia e impunha sua estranha personalidade com tanto vigor e independência, superior a todos nós, pelo menos na expressão e na concentração das idéias, não raro nos descerrando perspectivas de que cada um confessava de boa-fé não ter tido jamais a intuição.”
“A mesma mesa compôs melodias. Ouviu-lhe Felicien David a execução e ficou encantado. Entre outras havia: O canto da Terra no Espaço; o canto do mar; a melodia do vento; o canto do satélite lunar; o canto de Saturno, de Júpiter, de Vesta; a Adoração, etc.” cxxxvii
Foram também ditadas comunicações mediante pancadas vibradas, não já sobre o soalho, mas na própria mesa. Depois, foi o lápis de Ch. Brunier, tornado médium escrevente, que interpretou o pensamento do invisível visitante. A uma pergunta formulada por Eugênio Nus: Que é o dever? respondia ele: “O dever é o cumprimento, por livre volição, do destino do ser inteligente. O dever é proporcional ao grau do indivíduo, na grande hierarquia divina necessária. Digo necessária, porque sempre a necessidade implica Deus.”
Uma comparação, para definir a prece: “Suponhamos um ser representado por um círculo. Esse ser tem uma vida interna e uma vida externa. Sua vida externa ou irradiante, ou expansão divina, parte do ponto que está no centro e ultrapassa o círculo que corresponde ao finito para dirigir-se ao infinito. Aí está, portanto, a elevação na vida. Como religião atual, chama-se isso, no ponto de vista da prece, simples ascensão para Deus. Sondai essas três palavras, e podereis concluir com a Ciência.”
O misterioso interlocutor de Eugênio Nus não se deu a conhecer.cxxxviii Noutros casos, porém, manifestaram-se, por intermédio da mesa, personalidades invisíveis absolutamente desconhecidas dos experimentadores, e sua identidade pôde ser positivamente verificada.
Foi, entre outros, o caso de Anastácia Perelyguine, falecida no hospital de Tambov (Rússia), em novembro de 1887, e que se manifestou espontaneamente pela mesa, no dia seguinte ao de sua morte, em casa do Sr. Nartzeff, a um grupo de pessoas, as quais lhe desconheciam a existência.cxxxix
Depois foi Abraão Florentino, soldado da milícia americana, morto a 5 de agosto de 1874 em Brooklin (Estados Unidos), que se comunicou em Shanklyn, ilha de Wight (Inglaterra), no mesmo mês, indicando de modo claríssimo sua idade, seu endereço, com abundantes particularidades acerca de sua vida passada. De minuciosa pesquisa resultou constatar-se que todas essas particularidades eram exatas.cxl
As provas de identidade obtidas por intermédio da mesa são numerosas; muitas, porém, se têm perdido para a publicidade e para a Ciência, em virtude do caráter de intimidade associado a essas manifestações. Muitas almas sensíveis receiam expor à curiosidade pública o segredo de suas afeições e de seus padecimentos.
O Dr. Chazarain transmitiu duas comunicações dessa ordem ao Congresso de Paris, de 1900, nos termos seguintes:cxli
“Durante dez anos, em um grupo familiar a que eu presidia, e cujo médium (minha filha Joana) não tinha mais de treze anos quando começaram as sessões, comunicamos de modo mais satisfatório com os nossos amigos do Além, pois que nos deram, sobre a vida do Espaço, instruções valiosas, como raramente se obtém.
A primeira comunicação, de 16 de maio de 1888, vinha ao encontro da grande dor que me causara a perda de meus dois melhores amigos, falecidos dois meses antes, com alguns dias de intervalo um do outro. É a seguinte:
“Desejaríeis ouvir os festivos cânticos entoados lá em cima, quando uma alma querida e esperada faz seu reingresso no mundo dos Espíritos? Desejaríeis contemplar o espetáculo da felicidade desse novo encontro?
Oh! Nós que experimentamos essas alegrias, quereríamos vo-las fazer partilhar. Mas ai! por que é forçoso que seja muitas vezes a nossa felicidade perturbada por vossas tristezas? Quando um de vós se acha voltado para o país das almas, é necessário que se eleve acima dos sofrimentos terrestres e despedace todos os laços que o prendam à Terra. Nada seria capaz de o reter ou encadear por mais tempo; semelhante ao prisioneiro, a quem foi restituída a liberdade, ala-se aos novos horizontes que se lhe descerram. Oh! Não choreis pelos vossos caros libertados, porque, depois de haverdes conhecido as amarguras da separação, conhecereis também as doçuras de os tornar a ver.”
As mesas foram consultadas por altas Inteligências. Graças a elas, a Sra. E. de Girardin conversava com Espíritos de escol. Augusto Vacquerie, nas “Miettes de l'Histoire”, refere que em Jersey iniciou ela nessas práticas toda a família de Victor Hugo. Dentre outras, reproduziremos esta comovedora narrativa:
“Uma noite, a mesa soletrou o nome de uma morta, sempre, entretanto, viva na lembrança de todos os que ali se achavam... Era inadmissível a desconfiança: ninguém teria tido a coragem ou a ousadia de em nossa presença tripudiar sobre esse túmulo. Uma mistificação era já bem difícil dá admitir, quanto mais uma infâmia! A suspeita seria de si mesma desprezível! O irmão interrogou a irmã, que surgia da morte para consolar o exilado; a mãe chorava; uma emoção inexprimível oprimia todos os corações; eu sentia distintamente a presença daquela que o vendaval arrebatara. Onde estava? Amava-nos sempre? Era feliz? Ela satisfazia a todas as perguntas, ou respondia que lhe era defeso responder. A noite escoava e nós permanecíamos ali, com a alma presa à invisível aparição. Afinal, nos disse ela: “Adeus!” e a mesa ficou imóvel.”
Após.a partida da Sra. De Girardin, o grande exilado continuou esses misteriosos exercícios e os consignou em muitos cadernos, que o Sr. Camille Flammarion pôde compulsar, dos quais publicou alguns fragmentos em “Annales Politiques et Littéraires”, de 7 de maio de 1899. Aí se encontra o seguinte:
“A Sra. Victor Hugo cxlii e seu filho François reuniam-se quase sempre em torno da mesa. Vacquerie e alguns outros não se aproximavam senão alternativamente; Hugo jamais. Ele desempenhava o papel de secretário, escrevendo, à parte, em folhas de papel os ditados da mesa. Esta, consultada, anunciava, geralmente, a presença de poetas, autores dramáticos e outras personagens célebres, como Molière, Shakespeare, Galileu, etc. Na maioria das vezes, porém, quando interrogados, em lugar do nome que se esperava, a mesa soletrava o de um ser imaginário, como este por exemplo, que reaparecia com freqüência: “a Sombra do Sepulcro”.
Um dia, os Espíritos pediram que os interrogassem em verso. Victor Hugo declarou que não sabia improvisar como repentista e pediu que fosse adiada a sessão. No dia seguinte, tendo Molière ditado seu nome, o autor de “La Légende des Siècles” recitou os seguintes versos:
VICTOR HUGO A MOLIÈRE
Toi qui du vieux Shakespeare as ramaassé le ceste,
Toi qui, près d'Othello, sculpta le sombre Alceste,
Astre qui resplenuiis sur un double horizon, Poète au Louvre, archange au ciel, ò grande Molière! Ta visite splenlide honore una maison.
Me tendras-tu là haut ta main hospitalière ?
Que la fosse pour moí s'ouvre dans le gazon,
Je vois sans peur la tombe aux ombres éternelles, Car je saís que le corps y trouve une prison, Mais que l’âme y trouve des ailes!
Espera-se. Não é Molière quem responde, mas ainda a “Sombra do Sepulcro”; e, em verdade, ninguém pode ler essa resposta sem ficar maravilhado de sua irônica imponência:
L'OMBRE DU SEPULCRE A VICTOR HUGO
Esprit qui veux savoir le secret des ténèbres,
Et qui, tenant en main le terrestre fìambeau, Viens, furtif, à tátons, dans nos ombres funèbres Crocheter l'immense tombeau!
Rentre dans ton silence et souffle tes chandelles!
Rentre dans cette muit dont quelques fois tu sors. L'oeil vivant ne lit pas les choses éternelles Par-dessus l'épaule des morts!
A lição era ríspida. Indignado com a conduta dos Espíritos, Victor Hugo largou o caderno e abandonou a sala.
VICTOR HUGO A MOLIÈRE cxliii
Tu, que de Shakespeare a manopla empunhaste,
E que opuseste a Otelo o taciturno Alceste,
Astro a resplandecer num dúplice horizonte, Já no Louvre, ou no céu, poeta, arcanjo, ó Molière! Honrosa é para mim tua insigne visita.
No espaço prestar-me-ás hospitaleiro auxílio?
Seja-me sob a relva a sepultura aberta;
Encaro sem temor da eterna sombra a cova, Porque nela, bem sei, se aprisiona o corpo, De asas porém a alma se adorna.
A SOMBRA DO SEPULCRO A VICTOR HUGO
Espírito que a treva devassar pretendes,
E que, o facho terrestre empunhando, aqui vens, Furtivo, a tatear, nestas funéreas sombras, Forçar do túmulo os umbrais!
Recolhe-te ao silêncio e apaga essa candeia! Volve à noite, da qual só a espaços emerges. Não pode o humano olhar ler as eternas coisas Dos mortos na espádua inclinado.
As comunicações ditadas pela mesa, em Jersey – conclui o Sr. Flammarion – apresentam uma grande elevação de pensamento e esplêndida linguagem. O autor das “Contemplações” acreditou sempre que nelas havia uma entidade exterior, independente dele, às vezes mesmo hostil, que com ele discutia e o chamava à ordem. E entretanto, examinando-se esses três cadernos, força é reconhecer que ali está Victor Hugo, algumas vezes mesmo o Victor Hugo sublime.
Longe de mim a idéia de acusar sequer de leve nem Victor Hugo, nem Vacquerie, nem alguns dos assistentes, de haver trapaceado, de ter conscientemente engendrado frases para as reproduzir pelo movimento da mesa. Isso está fora de questão. Restam, pois, duas hipóteses: ou uma ação inconsciente do Espírito Victor Hugo, de um ou de alguns dos assistentes, ou a presença de um Espírito independente.”
Não nos seria possível partilhar da hesitação do Sr. Flammarion em face desse problema. Os versos da “Sombra do Sepulcro” não são o produto de Victor Hugo, pois que ele antecipadamente declara “não saber improvisar” e zanga-se com a resposta altaneira e espontânea do Espírito. Se não é admissível que se tivesse ele querido a si mesmo infligir uma lição, o respeito que lhe votavam ainda menos permite atribuir essa intenção às pessoas que o cercavam. Ao demais – assegura-se – ele jamais estava ao pé da mesa. Quanto à linguagem, não esqueçamos que os Espíritos não a empregam entre si, mas se comunicam simplesmente pelo pensamento. Eles não se utilizam da linguagem articulada senão em relação conosco e sempre na forma que nos é habitual. Que admira que um Espírito de grande elevação, como parece o interlocutor de Victor Hugo, tenha querido falar ao poeta em sua própria linguagem? Qualquer outro estilo teria ficado abaixo das circunstâncias e do meio.
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Os fenômenos da mesa têm trazido numerosas adesões ao Espiritismo. A mesa que se ergue e se move, com ou sem contacto, e dita frases imprevistas, impressiona os cépticos, abala a incredulidade. Mas as convicções não se firmam e consolidam senão quando o fenômeno reveste um caráter inteligente e fornece provas de identidade. Sem isso, a primeira impressão não tarda a dissipar-se, e chega-se a explicar o fato por qualquer outra coisa que não a intervenção dos Espíritos.
Os fatos puramente físicos são impotentes para produzir convicções duradouras. O próprio professor Charles Richet o reconhece. Ele presenciou em Milão, Roma e Paris manifestações muito significativas; subscreveu relatórios concludentes; mas, a breve trecho, pela força do hábito, reincide em suas hesitações de antanho. Diz ele em seu discurso proferido em 1899, na Sociedade Inglesa de Investigações Psíquicas: cxliv
“Nossa convicção, isto é, a dos homens que observaram, deveria servir para convencer os outros; ao contrário, porém, é a convicção negativa dos que nada viram, e nada deveriam dizer, que enfraquece e chega a destruir a nossa.”
Acabamos de ver, nos casos mencionados, que a mesa pode tornar-se o instrumento de Espíritos eminentes. Esses casos são bem raros. Na maioria das vezes são almas de fraca inteligência que se manifestam por esse processo. Suas comunicações são geralmente banais ou mesmo grosseiras e sem valor. Quanto mais inferior é o Espírito, mais fácil lhe é agir sobre os objetos materiais. Os Espíritos adiantados só excepcionalmente se servem da mesa, em falta de outro meio. O contacto e a manipulação dos fluidos necessários às manifestações desse gênero impõem um certo constrangimento aos Espíritos de natureza etérea e delicada; não raro, contudo, o afeto e solicitude que nos votam lhes fazem superar muitas dificuldades.
As manifestações da mesa são apenas o vestíbulo do Espiritismo, uma preparação para fenômenos mais nobres e instrutivos. Não vos detenhais nas experiências físicas; logo que delas houverdes colhido o que vos podem fornecer como certeza, procurai modos de comunicação mais perfeitos, suscetíveis de vos conduzirem ao verdadeiro conhecimento do ser e de seus destinos.