XVI
Fenômenos espontâneos -
Casas mal-assombradas - Tiptologia
Logo que se esflora o estudo das manifestações espíritas, uma primeira necessidade se impõe: a de uma classificação metódica e rigorosa. Ao primeiro aspecto, a massa dos fatos é considerável e apresenta uma certa confusão. Tanto que, porém, ao examinarmos de perto, acompanhando o desenvolvimento do moderno Espiritualismo, há meio século, reconhecemos que esses fatos se têm graduado, desdobrado em série, obedecendo a um programa traçado, a um método preciso, de modo a pôr cada vez mais em evidência a causa que os produzia.
Vaga e confusa a princípio, nos fenômenos das casas mal-assombradas, a personalidade oculta começa a afirmar-se na Tiptologia e depois na escrita; adquire caracteres determinados na incorporação mediúnica e torna-se visível e tangível nas materializações. Nessa ordem é que se têm desenvolvido os fatos, multiplicando-se progressivamente, de modo a atrair a atenção dos indiferentes, a forçar a opinião dos cépticos e a demonstrar a todos a sobrevivência da alma humana.
Essa ordem, a que se poderia chamar histórica, é a que por nossa parte adotaremos em nosso estudo dos fenômenos espíritas. Poder-se-ia igualmente dividir este em duas categorias: os fatos de natureza física e os fatos intelectuais. Nos primeiros, o médium desempenha papel passivo; é o foco de emissão, de que emanam os fluidos e as energias com cujo concurso os invisíveis atuarão sobre a matéria e manifestarão sua presença. Nos outros fenômenos o médium exerce função mais importante. É ele o agente transmissor dos pensamentos do Espírito; e, como vimos precedentemente, seu estado psíquico, suas aptidões, seus conhecimentos, influem, às vezes, de modo sensível nas comunicações obtidas.
*
A história do moderno Espiritualismo começou por um caso de natureza mal-assombrada. As manifestações da casa de Hydesville, assim visitada, em 1848, e as tribulações da família Fox, que nela residia, são bem conhecidas. Recordá-las-emos apenas em um breve resumo. Todas as noites, uma Inteligência invisível acusava estar presente por meio de ruídos violentos e contínuos, abrindo e fechando as portas, arrastando os móveis, arrebatando as roupas das camas. Mãos frias e rudes agarravam as Srtas. Fox e o soalho oscilava sob uma ação desconhecida.
Mediante pancadas nas paredes – sendo cada letra do alfabeto designada por um número correspondente de pancadas –, essa Inteligência afirmava ter vivido na Terra. Soletrava seu nome, Carlos Rosna, indicava sua profissão de mascate e entrava em muitas particularidades acerca do seu fim trágico, particularidades ignoradas de todos e cuja exatidão foi reconhecida pela descoberta de ossadas humanas na adega, precisamente no lugar indicado pelo Espírito como o do enterramento do seu cadáver, após o assassínio.cxi
Essas ossadas achavam-se misturadas com resíduos de carvão e cal, que demonstravam a evidente intenção de fazer desaparecer todo vestígio desse misterioso acontecimento.
Afluíram os curiosos; a casa tornou-se insuficiente para conter a multidão, vinda de todas as partes. Ocasião houve em que se reuniram quinhentas pessoas para ouvirem os ruídos.
Foi por essa manifestação, tão nova e tão estranha para aqueles que a testemunharam, numa humilde casa de uma pobre vila do Estado de Nova Iorque, em presença de pessoas da mais modesta condição, que o segredo da morte foi divulgado por um ser invisível, no silêncio da noite. Pela primeira vez, nos tempos modernos, um pouco de claridade penetrou por sob a porta que separa o mundo dos vivos do mundo dos desencarnados.cxii
Por sua natureza espontânea, inesperada, pelas comovedoras circunstâncias que a rodeiam, essa manifestação escapa a todas as explicações e teorias que se têm procurado opor ao Espiritismo. A sugestão, do mesmo modo que a alucinação e o inconsciente, é impotente para explicála. A família Fox era de uma honorabilidade a toda prova, ligada à Igreja Episcopal Metodista, cujos ofícios freqüentava com regularidade. Educados na mais estrita rotina religiosa, todos os seus membros ignoravam a possibilidade de tais fatos, a cujo respeito se achavam absolutamente desprevenidos.
Longe de obterem de tais manifestações a mínima vantagem, estas foram para eles a causa de desgostos e de perseguições sem conta. Com elas perderam a saúde e o sossego. Sua reputação e seus recursos ficaram destruídos. Apesar de todos os esforços que empregaram para os evitar, e de uma partida precipitada e mudança de residência, os fenômenos os perseguiram sem tréguas, sendo tudo inútil para escaparem à ação dos Espíritos. Às reiteradas injunções dos invisíveis, não houve remédio senão tornar públicas as manifestações, afrontar o palco do Corinthian-Hall, em Rochester, suportar os humilhantes rigores de muitas comissões de exame e os insultos de um público hostil, para provar a possibilidade das relações entre os dois mundos, visível e invisível.
Voltemos à casa mal-assombrada de Hydesville. Carlos Rosna não era o único a aí se manifestar. Um grande número de Espíritos de todas as condições, parentes ou amigos das pessoas presentes, intervinham, respondendo por pancadas às perguntas feitas, soletrando seus nomes próprios, fornecendo indicações exatas e inesperadas de sua identidade, dando explicações sobre os fenômenos produzidos e o modo de os obter, explicações que tiveram como resultado a formação dos primeiros círculos ou grupos, nos quais os fatos foram estudados e provocados com o auxílio de mesinhas, pranchetas e outros objetos materiais.
Os Espíritos precursores declaravam não agir por sua iniciativa. Essas manifestações, diziam eles, eram o resultado da vontade e da direção dos Espíritos mais elevados, filósofos e sábios, executores, por sua vez, de ordens vindas de mais alto e tendo por objetivo uma vasta e importante revelação que se devia estender ao mundo inteiro.
Com efeito, a intervenção desses Espíritos e, entre outros, do Dr. Benjamim Franklin, foi repetidas vezes comprovada. Mais tarde, nas sessões de aparição de Estela Livermore, em Nova Iorque, esse mesmo Benjamim Franklin se tornou visível e foi reconhecido por várias pessoas.
Dentro em pouco as manifestações se multiplicam e propagam. De cidade em cidade, de Estado em Estado, invadem todo o norte da América. O poder mediúnico se revela num grande número de pessoas e até no seio de famílias ricas, influentes, ao abrigo de toda suspeita de fraude.
Houve, sem dúvida, ao começo muita incerteza e confusão. Nem sempre os atores invisíveis eram sérios: Espíritos levianos e atrasados se imiscuíam nas sessões, ditando comunicações pueris, absurdas, e permitindo-se toda sorte de divagações e excentricidades; mas também se obtinham fatos importantes, ditados de real merecimento, como o atestam o reverendo Jervis, ministro metodista de Rochester, o Dr. Langworth, o reverendo Ch. Hannon,cxiii etc. Todos esses fatos tiveram sua utilidade, no sentido de ensinarem a conhecer os diferentes aspectos do mundo invisível. Graças aos erros e decepções, pôde ser adquirida a experiência das coisas ocultas e pouco a pouco se fez luz sobre as condições da vida no além-túmulo.
O movimento se tornou permanente e simultâneo. Pode-se dizer que o Espiritismo não partiu de um ponto fixo; brotou espontaneamente de todos os Estados da União, independente da iniciativa humana, e prosseguiu sua rota, apesar dos obstáculos de toda ordem acumulados pela ignorância e pelos malévolos preconceitos. Desde seu aparecimento, sublevou contra si todos os poderes constituídos, todas as influências, todas as autoridades deste mundo, e por único sustentáculo teve alguns humildes servidores da Verdade, pessoas na maior parte obscuras, mas que uma legião invisível fortalecia e amparava. Nada mais tocante que as exortações e conselhos prodigalizados às irmãs Fox por seus Espíritos protetores, conselhos sem os quais, mocinhas tímidas e assustadiças, jamais teriam ousado arrostar, com risco da própria vida, um público ameaçador, nem suportar as cenas tumultuosas do Corinthian-Hall.
As injúrias, as calúnias, todos os excessos de uma imprensa em delírio tiveram sobretudo como resultado atrair a atenção pública para esses fenômenos estranhos e demonstrar aos observadores sérios que aí intervinham causas independentes da vontade do homem. Delineado por mãos poderosas e impalpáveis, desdobrava-se um plano, cuja realização nada poderia embaraçar.
*
Ao movimento espiritualista não tardaram em aderir homens eminentes pelo saber, pelo caráter e pela posição social. O reverendo Brittain, o Dr. Hallock, o reverendo Griswold, os professores Robert Hare e Mapes, o grande juiz Edmonds, o senador Tallmadge, o diplomata R. Dale Owen, etc., estudaram atenta e demoradamente os fenômenos e afirmaram publicamente a intervenção dos Espíritos.
Enumerar aqui suas experiências, citar seus depoimentos, seria exorbitar do plano deste estudo. Sua exposição se encontra na notável obra da Sra. Ema Hardinge, da qual apenas destacaremos algumas atestações acerca de fenômenos físicos extraordinários.
O senador Tallmadge, ex-governador do Wisconsin, descreve um caso de levitação de que foi objeto, em Washington:cxiv
“A mesa tinha quatro pés; era uma grande mesa para chá. Sentei-me ao centro. As três senhoras colocaram as mãos em cima, aumentando assim o peso de 200 libras que nela já existia. Ao começo, dois pés se elevaram do solo, depois outros dois se puseram ao nível dos primeiros, e a mesa ficou completamente suspensa no ar, a seis polegadas de altura. Tendo-me sentado em cima, senti um movimento brando, como se ela flutuasse. A mesa ficou alguns instantes suspensa e tornou a descer docemente.”
Veremos, dentro em breve, fatos semelhantes se produzirem em diferentes pontos da Europa, em particular nas sessões da médium napolitana Eusápia Paladino. Em rigor se poderia explicá-los pela ação de forças fluídicas emanadas dos assistentes, posto que pareça bem pouco provável que forças humanas exteriorizadas sejam, só por si, suficientes para por em movimento objetos tão pesados. Aqui estão, porém, outros fatos que denotam a intervenção de Inteligências invisíveis.
É sempre o senador Tallmadge quem fala:
“O fenômeno seguinte se produziu numa outra sessão com as senhoritas Fox. Estávamos presentes, os generais Hamilton e Waddy Thompson e eu. Recomendaram-nos que colocássemos a Bíblia, fechada, em uma gaveta sob a mesa. Era uma pequena Bíblia de algibeira, impressa em caracteres minúsculos.
Durante algum tempo numerosos “raps” (pancadas vibradas) tamborilaram uma marcha que havíamos pedido. Foram depois se enfraquecendo como passos que se afastam, e cessaram inteiramente; e outros “raps”, dado o sinal do alfabeto, soletraram esta única palavra:“Olhai”.
Tomei o livro com precaução, porque estava aberto. Soletraram:
“Lede”, indicando os números dos versículos que desejavam que eu lesse. Durante essa leitura, pancadas violentas acentuaram com uma força estranha os sentimentos traduzidos.
O livro estava aberto no evangelho de S. João, cap. III; os versículos a ler eram os seguintes:
“8. O espírito sopra onde quer, e tu ouves a sua voz, mas não sabes donde ele vem nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.
11. Em verdade, em verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e que damos testemunho do que vimos; e vós, com tudo isso, não recebeis o nosso testemunho.
19. E a causa desta condenação é: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque eram más as suas obras.
34. Porque aquele que Deus enviou fala palavras de Deus; porque não lhe dá Deus o espírito por medida.”
Depois disso, mandaram-me colocar diversas folhas de papel para carta, com um lápis, na gaveta sob a mesa. Daí a pouco ouvimos o ruído do lápis no papel e bateram. Olhei debaixo da mesa; as folhas que eu aí havia colocado estavam em desordem e na folha de cima estava escrito:
“I'm with you still (estou ainda convosco) – John C. Calhoun.”
Mostrei essa frase ao general Hamilton, antigo governador da Carolina do Sul, ao general Waddy Thompson, antigo ministro do México, ao general Robert Campbell, de Havana, assim como a outros amigos íntimos do Senhor Calhoun. Mostrei-a também a um de seus filhos, e todos afirmavam que era um fac-símile perfeito da escrita de John Calhoun. O general Hamilton e a generala Macomb, que possuem muitas cartas particulares de Calhoun, indicaram como particularmente significativo o hábito constante que ele tinha de abreviar I am em I’m; de sorte que essa frase “I'm with you still”, breve como é, caracteriza perfeitamente o seu estilo e o seu modo peculiar de dizer.”
Na mesma ordem de fatos, citemos ainda o testemunho de Charles Cathcart, antigo membro do Congresso, homem instruído e influente, que ocupa em Indiana uma elevada posição social:cxv
“Constituído o circulo, reconheci que o médium mais poderoso era meu filho Henry, criança de 7 anos apenas. A família não tivera ainda tempo de habituar-se a essa mediunidade, e inesperadas demonstrações se produziram. O pequeno Henry era balouçado no quarto como uma pena. Suspenso pelos Espíritos, era transportado até ao teto, às cornijas das janelas, aos recantos mais elevados dos aposentos, fora do alcance das mãos humanas.
Às vezes, ficava o menino em transe mediúnico, e nesse estado dizia coisas admiráveis de sabedoria e de beleza; mas, apesar da confiança que a família depositava nos ternos cuidados e no caráter perfeitamente bom dos Espíritos seus amigos, a mãe não podia ver sem inquietação seu filhinho sob esse poder anormal, e suplicava aos invisíveis que o não sonambulizassem. Eles lhe repetiam constantemente, por intermédio da mesa, que essa influência era benéfica para o menino e lhes permitia a realização de atas muito importantes, como doutro modo o não poderiam fazer; mas como a Sra. Cathcart não se pôde conformar com essa fase de mediunidade, os Espíritos se abstiveram benevolamente de continuar os transes.”
O grande juiz Edmonds, presidente da Corte Suprema de Nova Iorque, em seu “Apelo ao público”, no qual refuta as malévolas imputações de que fora objeto após as suas investigações espiritualistas, assim resume o problema dos fenômenos e de sua causa:cxvi
“Vi uma mesa de pinho, de quatro pés, levantada do soalho, em meio de uma reunião de oito pessoas, derribada desordenadamente aos nossos pés, elevada acima de nossas cabeças, em seguida apoiada no encosto de um sofá em que estávamos sentados. Vi essa mesma mesa levantar-se sobre dois pés com uma inclinação de 45º, e assim permanecer, sem que se pudesse fazê-la voltar à sua posição normal. Vi uma mesa de acaju, de um único pé e tendo em cima uma lâmpada acesa, erguida a distância de, pelo menos, um pé acima do soalho, apesar dos nossos esforços em contrário, e agitada como um copo que se tivesse empunhado, conservando-se a lâmpada em seu lugar, mas entrechocando-se os pingentes. Vi essa mesa oscilar com a lâmpada em cima, a qual deveria ter caído, se não fosse amparada por outro meio que não pelo seu próprio peso, e, entretanto, não caiu e nem sequer se moveu.
Vi, muitas vezes, mais de uma pessoa ser puxada com uma força a que lhe era impossível resistir, mesmo em ocasião em que eu juntava os meus esforços aos da pessoa empuxada.
O que refiro não é sequer a centésima parte do que presenciei, mas é suficiente para mostrar o caráter do fenômeno.
Nessa época, os jornais formularam diferentes explicações para “desmascarar a farsa”, como diziam eles. Li-os atentamente, contando receber auxilio em minhas pesquisas, e não pude menos que sorrir da audácia e inanidade dessas explicações. Enquanto, por exemplo, certos professores de Buffalo se jactavam de tudo haverem explicado pelo estalo das articulações dos dedos e dos joelhos, as manifestações consistiam no tilintar de uma campainha, que soava debaixo de uma mesa, e que era depois transportada de um para outro aposento.
Ouvi médiuns servirem-se de termos gregos, latinos, espanhóis e franceses, quando sei que não conheciam outra língua além da sua. E é um fato que muitas pessoas podem atestar, esse de terem os médiuns, muitas vezes, falado e escrito em línguas que lhes eram desconhecidas.
Pergunta-se então se, por qualquer misteriosa operação do espírito, tudo isso não é simplesmente um reflexo mental de algum dos assistentes. E a resposta é que se tem recebido comunicação de fatos
ignorados e que em seguida são reconhecidos verdadeiros.” O autor cita vários casos e depois acrescenta:
“Muitos pensamentos que me não estavam na mente, ou que eram mesmo contrários às minhas idéias, me foram revelados. Isso me aconteceu várias vezes, a mim como a outras pessoas, como para me convencer de que o nosso próprio espírito não toma parte alguma nessas comunicações. Tudo isso, porém, e muitas outras coisas semelhantes, me têm demonstrado que existe nesse fenômeno uma classe de Inteligências elevadas, colocadas fora da Humanidade; porque não há outra hipótese que eu possa imaginar, que explique todos os fatos estabelecidos pelo testemunho de dez mil pessoas, os quais podem ser verificados por quem quer que se dê ao trabalho de procurar.
Reconheci que essas Inteligências invisíveis comunicavam conosco de vários modos, sem contar os “raps”,cxvii as mesas giratórias, e que, mediante esses outros processos, se obtinham, não raro, comunicações eloqüentes e da mais pura e alta moralidade, entre muitas inconseqüências e contradições.”
*
O fenômeno das casas mal-assombradas é um dos mais conhecidos e freqüentes. Encontramo-lo um pouco por toda a parte. Numerosíssimos são os lugares mal-assombrados, as casas em cujos soalhos, móveis e paredes se ouvem ruídos e pancadas. Em certas habitações, os objetos se deslocam sem contacto; caem pedras lançadas do exterior por uma força desconhecida; ouvem-se estrépitos de louça a quebrar-se, gritos, rumores diversos, que incomodam e atemorizam as pessoas impressionáveis.
Visitei algumas dessas casas, nelas permaneci demoradamente e pude quase sempre me certificar da presença de seres invisíveis, com os quais era possível entrar em comunicação, quer pela mesa, quer pela escrita mediúnica. Em tais casos adquiri eu a convicção de que os agentes das manifestações eram as almas das pessoas que haviam habitado esses lugares, almas sofredoras, que procuravam atrair a atenção; na maior parte das vezes, bastam pensamentos compassivos e preces para lhes dar alívio. Certos Espíritos são levados a esses sítios pela recordação de remotos crimes; outros, por um desejo de vingança; outros, ainda, por seu apego aos bens terrestres.
As pesquisas da polícia jamais conseguem descobrir os autores de semelhantes fatos. Mesmo nos arremessos de pedras, nota-se que os projéteis são dirigidos por uma Inteligência invisível.
No caso da paróquia de Groben (Alemanha), descrito pelo pastor Hennisch,cxviii no de Munchkof, que foi objeto de uma investigação dirigida pelo professor Arschauer, viam-se pedras descreverem um arco de círculo, depois um ângulo. Em Munchkof, mais de sessenta pessoas viram pedras saírem por uma janela, depois voltarem ao interior, descrevendo uma curva. Esses projéteis nunca feriram pessoa alguma: quando atingiam as testemunhas de tais cenas, resvalavam-lhes ao longo do corpo, sem produzir choque. Objetos que se procuravam interpor, a fim de lhes servirem de anteparo, eram arrebatados, por uma força oculta, das mãos dos que os sustinham e recolocados em seu lugar habitual.
O mesmo aconteceu na chácara de La Liodière, próximo a Tours. As pedras aí caíam em profusão, sem ferir ninguém. Parecia provirem de muito longe e eram de uma natureza geológica diferente da do país.
Em Izeures (Indre-et-Loire), numa casa habitada pela família do empreiteiro Sr. Saboureau, ouvia-se, durante a noite, um corpo pesado, uma massa enorme, descer as escadas, fazendo ranger ao seu peso os degraus e os tabiques. Logo que se fazia luz, restabelecia-se o silêncio.
A Srta. Saboureau, que é médium,cxix foi várias vezes levantada, com a cadeira em que se achava sentada, e depois atirada ao chão. Estabeleceu-se um diálogo, por meio de pancadas convencionais, com um ser invisível que disse chamar-se Roberto e, por suas familiaridades, velo, com o tempo, a ser considerado amigo da casa.
Em “Animismo e Espiritismo” (cap. III, 1), Aksakof refere diversos casos de natureza mal-assombrada. Um deles teve por teatro uma chácara do distrito de Uralsk, no este da Rússia. O proprietário, Sr. Schtchapov, transmitiu ao “Mensageiro do Ural”, em 1886, a circunstanciada narrativa das perseguições ocultas a que esteve exposta sua família durante seis meses. Em vão se havia ele dirigido a todas as pessoas esclarecidas de seu conhecimento, algumas das quais se distinguiam por grande erudição:
“Todas as suas teorias cientificas – diz ele – se aniquilavam diante da evidência dos fatos. É preciso ter feito por si mesmo a experiência; é preciso ter visto e ouvido, ter passado noites em claro e experimentado moral e fisicamente verdadeiras torturas até ao esgotamento das próprias forças, para adquirir finalmente a convicção inabalável de que há coisas de que os sábios nem mesmo suspeitam.
As pancadas se faziam ouvir dia e noite. Os objetos cuidadosamente guardados em armários e cofres eram espalhados pelos quartos. A inteligência oculta se revelava acompanhando de pancadas ritmadas os cantos, as palavras e mesmo os pensamentos. Mediante pancadas e ruídos peculiares, como de arranhaduras de unhas, se estabeleceram diálogos entre o Sr. Akoutine, engenheiro químico, adido do governador do Oremburgo, e os Agentes invisíveis, sobre assuntos superiores aos conhecimentos dos habitantes da chácara. Globos luminosos surgiam de sob os leitos e dos recantos do quarto e flutuavam no espaço. A mão de uma criança aparece. Coisa mais grave: atearam fogo em diversos lugares e até nas roupas da Sra. Schtchapov, que escapou de ficar queimada. Foi preciso abandonar a toda pressa a casa tornada perigosa.”
Allan Kardec, na “Revue Spirite”, assinala vários fenômenos de natureza mal-assombrada, entre outros o caso do Espírito batedor de Bergzabern, cujas proezas duraram oito anos (números de maio, junho e julho de 1858); o do padeiro de Grandes-Ventes, próximo a Dieppe (março de 1860); o da rua des Noyers n° 95, em Paris (agosto de 1860); depois, sob o título “História de um condenado”, a história do Espírito batedor de Castelnaudary (fevereiro de 1860); a de um industrial de São Petersburgo (abril de 1860), etc. A “Revue d'Études Psychiques”, de dezembro de 1903, refere, transcrevendo-o do “Daily Express”, de Londres, os curiosos sucessos que ocorreram na “Raikes Farm”, ocupada pela família Webster, em Beverley: “O pão comprado ou fabricado para o consumo da casa diminuía, desaparecia de modo inexplicável, assim durante o dia como à noite. Um redator do Express fez uma pesquisa minuciosa a tal respeito e não pôde encontrar uma explicação razoável. Um ex-comissário de polícia, de Bishop-Burton, chamado Berridge, a quem foi, dias seguidos, confiada a guarda do lugar em que se arrecadava a farinha e fabricava o pão, confessou francamente que o fenômeno o desorientava por completo. Um dia, resolvido a tirar o caso a limpo, trouxe para o sítio dois pãezinhos que havia comprado em Beverley, guardou-os no compartimento da casa, cuja vigilância lhe fora confiada, reforçou com uma outra fechadura a que já existia, e esperou.
O pão estava intacto. Cortando, porém, um dos pãezinhos que trouxera, ficou surpreendido o comissário de o achar metade oco. O próprio Sr. Webster, desconfiado antes de tudo de uma pilhéria de mau gosto, guardou o pão fresco no guarda-comidas, polvilhou de farinha o soalho do compartimento, perfeitamente seco, fechou a porta à chave e selou-a com duas tiras de percal. No dia seguinte, estava tudo intacto, menos os dois pãezinhos ali guardados, um dos quais havia desaparecido e estava o outro reduzido à metade. A situação se tornava cada vez mais inquietadora, apesar de toda a vigilância exercida, resultando ao mesmo tempo numa perda sensível de dinheiro, pelo que resolveu o Sr. Webster mudar-se.
Outros fenômenos igualmente se produziram no aludido sítio. Depois que vinha a noite, começavam a ouvir-se estranhos ruídos de passos na escada e mudança de cadeiras e de utensílios de ferro do fogão, de um lugar para outro, despertando os moradores da casa. O rendeiro e o comissário faziam numerosas rondas e não descobriam coisa alguma. Certa noite, a Sra. Webster e um filho seu, de 14 anos, foram despertados por uma música extremamente doce. “Dir-se-ia um coro” – referiu no dia seguinte a Sra. Webster.”
Os “Annales des Sciences Psychiques”, de novembro de 1907, publicaram um memorial, redigido pelo eminente advogado de Nápoles, Francisco Zingaropoli, a favor da Duquesa de Castelpoto e contra a Baronesa Laura Engien, relativamente à rescisão de arrendamento, quando se trate de casa freqüentada por Espíritos. Eis os fatos que motivaram esse processo:
“No segundo andar do prédio pertencente à Baronesa de Engien, no largo de San Carlo alle Mortelle nº 7, arrendado pela Duquesa de Castelpoto, decorreram misteriosas manifestações, tão variadas e incômodas que perturbaram profundamente a tranqüilidade dos moradores. Ao começo, eram pancadas e rumores estranhos no corredor; em seguida, começaram a observar-se mudanças de móveis de um lugar para outro, com tamanho ruído que provocaram reclamações dos locatários dos pavimentos inferiores. Uma noite, foram três camas completamente desfeitas: colchões, lençóis e travesseiros foram arrebatados e espalhados pelo chão. Noutra noite, ao regressarem, os locatários da casa encontraram a porta da rua atravancada pelo lado de dentro com móveis pesadíssimos. E não houve recurso que pusesse termo à desordem; nem o comissário de Polícia, nem a Cúria Arquiepiscopal, para que apelaram, nem os exorcismos deram resultado algum. A duquesa foi por isso obrigada, em 4 de outubro de 1906, a requerer ao juiz a rescisão do contrato, que tinha, de locação.”
Em seu memorial, cita o Sr. Zingaropoli um outro caso do mesmo gênero, cuja narrativa foi publicada pelo engenheiro professor Henrique Pássaro:
“Em Florença, à rua Ghibellina nº 14, produziam-se, em fins de setembro de 1867, fenômenos consistentes em rumores ou estrondos subterrâneos e pancadas, que se faziam de repente ouvir na mesa em torno da qual se achava reunida a família B.. Um dos filhos, confiante em sua incredulidade e na robustez dos próprios braços, propôs-se a ficar sozinho de vigília uma noite e descobrir a causa de tais fenômenos. Passada meia-noite, desceu à cozinha a verificar o barulho, que ouvira, dos objetos nos armários; um formidável rumor o assustou; sentiu que lhe apertavam os braços e que, ao mesmo tempo, lhe davam um soco.
Em seguida a esses outros numerosos fatos, o locatário abandonou a casa, citou o proprietário, reclamando indenização dos prejuízos causados, e ganhou a demanda. Os pormenores foram relatados na crônica judiciária da Opinione, de 18 de julho de 1868. Várias testemunhas depuseram no Tribunal, atestando os fatos.”
Finalmente, os “Annales des Sciences Psychiques”, de novembro de 1907, ainda publicaram uma narrativa do professor César Lombroso, escrita especialmente para os leitores dessa revista:
“O célebre chefe da escola positivista italiana trata de um caso de natureza “mal-assombrada”, que não pôde observar de viso, a cujo respeito fez uma pesquisa, que deu os mais atraentes resultados. Tinha ele que, porém, visitar uma dessas casas mal-assombradas, logo que se lhe oferecesse a ocasião. Esta se apresentou, em novembro de 1900, na taverna situada à rua Bava nº 6, em Turim, de propriedade de um Sr. Tunero.
Lombroso ali compareceu no dia 12 de novembro e pediu informações acerca dos fenômenos divulgados. Os donos do local lhe responderam que à chegada do professor Lombroso tudo havia cessado. Muito intrigado, o professor pediu explicações, a fim de averiguar se alguém teria abusado de seu nome, pois que jamais pusera os pés em semelhante lugar. Soube então que fora pelo receio da policia e para evitar a curiosidade do público que haviam inventado aquela notícia de que a sua visita afugentava “os Espíritos”, mas que infelizmente continuavam na adega. Aí desceu Lombroso e ouviu imediatamente um ruído de vidros a quebrar-se. Fez colocar seis velas acesas numa mesa, na esperança de que sob uma viva claridade cessassem os fenômenos. Bem ao contrário, porém, viu garrafas vazias ou cheias saírem das prateleiras onde estavam, elevarem-se, caírem por terra lentamente e, antes na descida que propriamente na queda, quebrarem-se no chão. Lombroso se havia previamente assegurado de que nenhum fio de arame ou barbante poderia explicar tais insólitos movimentos.
No mês de maio de 1903, teve ainda o professor ocasião de examinar de viso fenômenos de natureza mal-assombrada, numa outra casa de Turim: a do tipógrafo Mignóti, à rua Massena nº 30, tendo-se feito acompanhar pelo Dr. Imoda. Apenas o filho do dono da casa se havia deitado, ouviram pancadas muito fortes na parede. Estabelecendo uma combinação dessas pancadas com as letras do alfabeto, puderam travar conversação com o ser invisível.”
Depois disso, idênticas manifestações se produziram um pouco por toda parte. Mal cessam num lugar esses fenômenos, reaparecem noutros. Não parece haver nisso um encadeamento de fatos sucessivos e volitivos, com o fim de atrair e prender a atenção, de provocar investigações e pesquisas? Apreciadores superficiais consideram essas manifestações vulgares, grotescas, indignas de interesses de sua parte. Em verdade, elas são perfeitamente adaptadas às exigências positivas e materialistas da nossa época. Eram necessários fenômenos ruidosos e repetidos para sacudir a indiferença e inércia de nossos contemporâneos.
Essa indiferença é das mais difíceis de vencer-se. Os sábios franceses, sobretudo, se têm esquivado sistematicamente e têm evitado estudar esses fatos. Em vão se repetem e permanecem insistentes os casos. Em certos lugares, como em Valente-en-Brie, às portas de Paris, as manifestações duraram meses inteiros, sem que nenhum sábio oficial se resolva a incomodar-se, o que não impedirá esses senhores de declarar, quando se ofereça ocasião, como o fez um grande químico, a respeito do Espiritismo, “que nada viram e são obrigados a negar”.cxx
Uma exceção cumpre fazer-se em favor do Sr. Maxwell, doutor em Medicina, atualmente procurador-geral perante a Corte de Apelação do Sena.
Em seu número de julho de 1905, a “Revue Scientifique et Morale du Spiritisme” publicou um resumo da conferência “sobre os fenômenos de natureza mal-assombrada”, por ele feita em Bordéus, a 19 de junho do mesmo ano.
Em dezesseis casos de que teve conhecimento, a polícia efetuou pesquisas para descobrir o autor dos fenômenos: arremessos de pedras, mudanças de objetos de lugar, etc., e só em dois casos o conseguiu descobrir. “Observei de perto um desses casos – diz ele –, na aldeia de Objat (Corrèze), em uma casa denominada “La Constantinie”.
O Sr. Maxwell destacou dos “Proceedings”, da Sociedade de Investigações Psíquicas, 235 casos de casas mal-assombradas, em que as manifestações foram apreciadas por todos. Encontram-se, ao demais, nos arquivos do Tribunal Superior de Guiana vários processos de rescisão de contratos por motivo de “mal-assombrado”, que datam do século XVIII.
*
Sobre as casas mal-assombradas, acrescentarei meu testemunho pessoal aos que acabo de citar.
Residi, por muito tempo, em Tours, numa casa em que se ouviam ruídos de passos, pancadas nas paredes e nos móveis. Abriam-se portas, logo após haver a mão invisível mexido na fechadura e dado volta à chave. A campainha tinia, sem que alguém a tivesse tocado. Algumas vezes, no momento mesmo em que uma visita levava a mão em sua direção, antes que a houvesse alcançado, já estava ela vibrando.
Durante a guerra de 1870, sendo eu oficial dos mobilizados do Indre-etLoire, aboletei-me durante alguns dias em uma vasta e antiga casa, nas proximidades do campo de Dompierre, onde estava aquartelado o nosso batalhão. Quando à noite eu regressava ao meu quarto, através das escadas e dos extensos corredores, experimentava singulares sensações: sopros e contactos indefiníveis me impressionavam. Toda noite era incomodado por misteriosos ruídos, por vibrações que faziam tremer cama e soalho.
Como fosse médium um sargento da minha companhia, levei-o a esse aposento, em uma noite de inverno, e ambos nos sentamos a uma mesa, buscando penetrar o segredo dessas manifestações. A mesa foi, dentro em pouco, sacudida e logo derribada por uma força invisível. Quebraram-se os lápis, o papel ficou rasgado; pancadas abalavam as paredes; faziam-se ouvir surdos ruídos, que pareciam provir das profundezas do solo. De repente, apagou-se a luz. Um estrondo, mais forte que todos os precedentes ruídos, fez estremecer a casa e em seguida perdeu-se ao longe, no silêncio da noite.
Antes de deixar essa casa mal-assombrada, soubemos que ela outrora havia sido teatro de cenas sanguinolentas. Almas penadas também freqüentam os palácios. A Duquesa de Pomar, cuja perda seus amigos hão de sempre deplorar, pelo encanto, pelas elevadas aspirações de sua alma e pelo carinho de sua hospitalidade principesca, possuía em Paris, na Avenida de Wagram, um suntuoso palácio, aberto a todos os que se tornaram conhecidos no domínio das investigações psíquicas. Aí a reservara para si uma espécie de oratório, em forma de capela. Numa indecisa claridade, coada por vitrais, em meio de um recolhimento provocado pelos sons graves de um harmônio, rodeada de vários médiuns, recebia ela muitas vezes as instruções das Inteligências invisíveis e, em particular, as do Espírito Maria Stuart, que ela considerava sua assídua inspiradora.
Em uma tarde de sessão, as paredes do oratório vibraram sob violentas correntes fluídicas; soaram pancadas no retrato, em pé, de Maria Stuart, colocado em uma espécie de santuário. Uma estatueta de bronze agitou-se e a mesa, em torno da qual estávamos colocados, se pôs a oscilar e a gemer. Digo gemer e, com efeito, do pequeno móvel parecia saírem gemidos. O General C. de B. formulou algumas perguntas, e por meio de “raps”, entrecortados de gemidos semelhantes a soluços, um Espírito, que dizia ser o General Boulanger, que se suicidou recentemente em Ixelles, nos referiu sua angústia, seus sofrimentos morais.
Apesar dos laços de amizade que uniam os dois generais, nada obtivemos que pudesse estabelecer de modo positivo a identidade do manifestante; mas os gemidos que se ouviram, impossíveis de imitar-se, nos deixaram penosíssima impressão.