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XIX


Transe e incorporações


O estado de transe é esse grau de sono magnético que permite ao corpo fluídico exteriorizar-se, desprender-se do corpo carnal, e à alma tornar a viver por um instante sua vida livre e independente. A separação, todavia, nunca é completa; a separação absoluta seria a morte. Um laço invisível continua a prender a alma ao seu invólucro terrestre. Semelhante ao fio telefônico que assegura a transmissão entre dois pontos, esse laço fluídico permite à alma desprendida transmitir suas impressões pelos órgãos do corpo adormecido. No transe, o médium fala, move-se, escreve automaticamente; desses atos, porém, nenhuma lembrança conserva ao despertar.


O estado de transe pode ser provocado, quer pela ação de um magnetizador, quer pela de um Espírito. Sob o influxo magnético, os laços que unem os dois corpos se afrouxam. A alma, com seu corpo sutil, vai-se emancipando pouco a pouco; recobra o uso de seus poderes ocultos, comprimidos pela matéria. Quanto mais profundo é o sono, mais completo vem a ser o desprendimento. As radiações da psique aumentam e se dilatam; um estado diferente de consciência, faculdades novas se revelam. Um mundo de recordações e conhecimentos, sepultados nas profundezas do “eu”, se patenteia. O médium pode, sob o império de uma vontade superior, reconstituir-se numa de suas passadas existências, revivê-la em todas as suas particularidades, com as atitudes, a linguagem e os atributos que caracterizam essa existência. Entram ao mesmo tempo em ação os sentidos psíquicos. A visão e audição à distância se produzem tanto mais claras e fiéis quanto mais completa é a exteriorização da alma.


No corpo do médium, momentaneamente abandonado, pode dar-se uma substituição de Espírito. É o fenômeno das incorporações. A alma de um desencarnado, mesmo a alma de um vivo adormecido, pode tomar o lugar do médium e servir-se de seu organismo material, para se comunicar pela palavra e pelo gesto com as pessoas presentes.


Sábios eminentes dão testemunho da realidade desses fatos. O Dr. Oliver Lodge, em seu discurso na Royal Society, de Londres, em 31 de janeiro de 1902,clxviii assim se exprime:


“Uma máquina, elaborada como o são os nossos corpos, pode ser empregada, no caso de transe, não só pela Inteligência que, por assim dizer, a fabricou, mas também por outras Inteligências a que dela se permite fazer uso. Isso naturalmente não se realizaria senão por um certo tempo e com bastante dificuldade.


Em sua comunicação transmitida ao Congresso Oficial de Psicologia, de Paris, em 1900,clxix o professor Myers, de Cambridge, era ainda mais afirmativo. Depois de haver enumerado os fenômenos obtidos no estado de transe pelas Sras. Piper e Thompson, fenômenos que ele estuda há 25 anos, assim concluía o professor:


“Em sua maioria, os fatos enunciados lembram o caráter e a memória de certas pessoas mortas...


Estou convencido de que essa substituição de personalidade, ou mudança de Espírito, ou possessão, é um sensível progresso na evolução da nossa raça.”


Durante o transe, o Espírito do médium pouco se afasta; permanece quase sempre confundido no grupo espiritual que cerca o seu invólucro terrestre. Sua influência às vezes se faz ainda sentir sobre o corpo, ao qual seus próprios hábitos o atraem. Sua ação se torna em tal caso um incômodo, um estorvo para os Espíritos que se comunicam.


Quando a força oculta é insuficiente e o transe pouco profundo, o desprendimento é incompleto; as personalidades se confundem. O médium resiste à ação exterior do Espírito, que se esforça por tomar posse de seus órgãos.


Suas radiações psíquicas se mesclam às do manifestante. Daí, em variadas proporções, conforme os casos, duas partes se distinguem na manifestação: a do médium e a do Espírito, operação delicada, que exige profundo conhecimento das personalidades que se apresentam e das condições do fenômeno.


O estado de transe facilita a sugestão. Nos fenômenos de escrita e da mesa o médium se conserva na plena posse do seu “eu”, de sua vontade, e poderia repelir as inspirações que recebe. No desprendimento já se não dá o mesmo. A alma se tem retirado e o cérebro material fica exposto a todas as influências. Quando está suficientemente protegido, o médium torna-se receptivo, tanto às sugestões de um magnetizador como às dos assistentes ou de um Espírito. É o que muitas vezes lança uma certa confusão na interpretação dos fatos e exige, da parte dos experimentadores, extrema prudência. Em tal caso é difícil distinguir a natureza real das influências atuantes. Hudson Tuttle, médium ele próprio, o faz notar em seu livro


“Arcana of Spiritualism”:


“Os grupos espíritas são freqüentemente joguete de uma ilusão, enganados por suas próprias forças positivas. Afastam os ditados espíritas, substituindo-os pelo reflexo de seus próprios pensamentos; e então observam contradições e confusões que ingenuamente atribuem à intervenção de Espíritos malévolos.”


É preferível, por isso, deixar agirem sozinhos os Espíritos sobre o médium, abstendo-se de toda intervenção magnética humana. Foi sempre o que fizemos, no curso de nossos estudos experimentais. Em raras circunstancia, quando, faltando-lhes de repente a força psíquica, as Inteligências nos pediam que atuássemos sobre o médium por meio de passes; bastava essa passageira intervenção para fazer crer aos assistentes numa ação sugestiva de nossa parte.


Na maioria das vezes, os fluídos de um magnetizador, por seu estado vibratório particular, contrariam os dos Espíritos, em lugar de auxiliá-los. Têm estes que se entregar a um trabalho de adaptação, ou purificação, que esgota as forças indispensáveis à manutenção. Um magnetizador, cujos fluidos não sejam puros, que não possua um caráter reto, nem irrepreensível moralidade, pode, mesmo sem o querer, influenciar o sensitivo num sentido muito desfavorável.


Mesmo quando a ação oculta é poderosa e bem determinada, é preciso ter ainda em conta o embaraço do Espírito que se deve comunicar com o auxílio de um organismo estranho, mediante recursos muitas vezes restritos. O estado de harmonia entre as faculdades do Espírito e as do médium raramente existe; o desenvolvimento dos cérebros não é idêntico e as manifestações são por isso contrariadas. É o que nos diziam certos Espíritos, no curso de nossas experiências de incorporação:


“Estamos acanhadamente encerrados; faltam-nos meios suficientes para exprimir os nossos pensamentos. As partículas físicas deste cérebro são muito grosseiras para poderem vibrar sob nossa ação e as nossas comunicações se tornam por isso consideravelmente enfraquecidas.”


O Espírito Robert Hyslop o repete a seu filho, o professor Hyslop.


Quando penetra na atmosfera terrestre e no organismo do médium, as coisas, diz ele, se lhe amesquinham: “Todas as coisas se me apresentam tão nitidamente, e quando aqui venho para exprimi-las, James, não o posso.” clxx


Entretanto, quando se pode dispor de um médium de real valor, quando a possessão é completa e a força é suficiente para afastar as influências contrárias, deparam-se fenômenos imponentes. O Espírito se manifesta na plenitude do seu “eu”, em toda a sua originalidade. O fenômeno das incorporações se mostra então superior a todos os outros.


Indagam certos experimentadores: o Espírito do manifestante se incorpora efetivamente no organismo do médium? ou opera ele antes, a distância, pela sugestão mental e pela transmissão de pensamento, como o pode fazer um espírito exteriorizado do sensitivo?


Um exame atento dos fatos nos leva a crer que essas duas explicações são igualmente admissíveis, conforme os casos. As citações que acabamos de fazer provam que a incorporação pode ser real e completa. É mesmo algumas vezes inconsciente, quando, por exemplo, certos Espíritos pouco adiantados são conduzidos por uma vontade superior ao corpo de um médium e postos em comunicação conosco, a fim de serem esclarecidos sobre sua verdadeira situação. Esses Espíritos, perturbados pela morte, acreditam ainda, muito tempo depois, pertencerem à vida terrestre. Não lhes permitindo seus fluidos grosseiros entrarem em relação com Espíritos mais adiantados, são levados aos grupos de estudo, para serem instruídos acerca de sua nova condição. É difícil às vezes fazer-lhes compreender que abandonaram a vida carnal e sua estupefação atinge o cômico, quando, convidados a comparar o organismo que momentaneamente animam com o que possuíam na Terra, são obrigados a reconhecer o seu engano. Não se poderia duvidar, em tal caso, na incorporação completa do Espírito.


Noutras circunstâncias, a teoria da transmissão à distância parece melhor explicar os fatos. As impressões oriundas de fora são mais ou menos fielmente percebidas e transmitidas pelos órgãos. Ao lado de provas de identidade, que nenhuma hesitação permitem sobre a autenticidade do fenômeno e intervenção dos Espíritos, verificam-se, na linguagem do sensitivo em transe, expressões, construções de frases, um modo de pronunciar que lhe são habituais. O Espírito parece projetar o pensamento no cérebro do médium, onde adquire, de passagem, formas de linguagem familiares a este. A transmissão se efetua, em tal caso, no limite dos conhecimentos e aptidões do sensitivo, em termos vulgares ou escolhidos, conforme o seu grau de instrução. Daí também certas incoerências que se devem atribuir à imperfeição do instrumento.


Ao despertar, o Espírito do médium perde toda consciência das impressões recebidas no sentido de liberdade, do mesmo modo que não guardará o menor conhecimento do papel que seu corpo tenha desempenhado durante o transe. Os sentidos psíquicos, de que por um momento havia readquirido a posse, se extinguem de novo; a matéria estende o seu manto; a noite se produz; toda recordação se desvanece. O médium desperta num estado de perturbação, que lentamente se dissipa.


Às vezes o regresso à carne origina cenas pungitivas, quando o médium, durante a exteriorização, tornou a ver, no Espaço, entes amados, e no instante que precede o despertar ainda conserva essa impressão. O contraste entre a vida livre e luminosa, que acaba de fruir, e o cárcere sombrio a que é obrigado novamente a descer, provoca cenas de lágrimas e lamentos, repugnâncias de reintegrar-se na carne, que se traduzem por lamentos e comovedoras súplicas. Temos sido muitas vezes testemunhas de tais cenas.


*


Não nos sendo possível examinar todos os fatos relacionados com o fenômeno do transe, limitar-nos-emos a citar os mais importantes, não só entre os que têm sido verificados nestes últimos anos, por diversos homens de Ciência, como entre os que temos por nossa parte observado.


Figuram em primeiro plano as manifestações devidas à mediunidade da Sra. Piper.


Essa senhora esteve muito tempo ligada por contrato à Sociedade de Investigações Psíquicas (S.P.R.), de que já temos falado, e que possui uma seção em Londres e outra em Nova Iorque. A Sra. Piper foi o agente principal das experiências levadas a efeito nesses centros por sábios como os professores Lodge, Myers, Hodgson, W. James, Hyslop e outros, todos pertencentes a universidades inglesas ou americanas, e que são, decerto, os homens mais competentes que podem ser ainda citados em matéria de Psiquismo. O estudo de suas faculdades constituiu o objetivo de numerosas sessões, cujos resultados foram consignados nos “Proceedings”, boletins da Sociedade supramencionada. Esses documentos formam um volume de 650 páginas, constituindo o tomo XVI dos “Proceedings”. Um resumo dele foi publicado em francês.clxxi


A Sra. Piper – os experimentadores o atestam – goza de excelente saúde. Não há em sua família nenhuma tara hereditária. Só duas vezes no curso das experiências, em 1893 e 1895, esteve enferma; em ambas, suas faculdades mediúnicas declinaram e não foi possível obter boas comunicações.


A Sra. Piper foi objeto de constante e minuciosa vigilância. Policiais lhe acompanhavam os passos e observavam-lhe os menores atos; tomaram-se todas as providências para descobrir a fonte em que ela poderia colher informações. Durante sua permanência na Inglaterra, em casa dos professores Myers e Lodge, ela ficou insulada, privada de toda relação estranha; suas malas foram revistadas, suas cartas abertas a pedido seu. Nada se encontrou de suspeito. Ao contrário, quanto mais rigorosa era a vigilância, maior caráter de certeza revestiam as manifestações obtidas.


Durante o transe ela se conserva indiferente à dor e os globos dos olhos se lhe reviram nas órbitas. Fala ou escreve e a voz muda a cada Espírito. Todas as perguntas feitas são breves e ela nunca sabe quem as formula, porque os visitantes são introduzidos durante o seu sono e uniformemente designados sob o nome de Sr. Smith. Alguns levam a precaução ao ponto de vir de carruagem, tendo o rosto coberto com uma máscara.


Um testemunho, primeiro que todos, nos deve prender a atenção. É o do Dr. Richard Hodgson, vice-presidente da S.P.R. na América, que abordou o estudo do fenômeno espírita como crítico severo e meticuloso. Foi ele quem estudou os fatos extraordinários atribuídos à Sra. Blavatsky e concluiu pelo embuste. Pôs em evidência as fraudes inconscientes de Eusápia Paladino e mostrou-se, durante anos, um implacável adversário da mediunidade. Aqui está o que ele declarou nos “Proceedings”:


“Há doze anos estudo a mediunidade da Sra. Piper. Ao começo, uma só coisa desejava: descobrir nela a fraude e o embuste. Entrei em sua casa profundamente materialista, com o fim de a desmascarar. Hoje, digo simplesmente: Creio!... A demonstração me foi feita por modo a tirar-me até a possibilidade de uma dúvida.”


Para transformar a esse ponto a opinião de um homem tão prevenido como o Dr. Hodgson, foram precisos fatos bem eloqüentes. O mais significativo é a manifestação espontânea de seu amigo George Pellew (aliás Pelham), homem de letras, falecido havia alguns meses, e que a médium não podia conhecer. A identidade do defunto foi estabelecida de modo muito positivo, no curso de numerosos diálogos.


O Dr. Hodgson trouxe à presença da médium adormecida todos os antigos amigos de G. Pelham que pôde encontrar – cerca de uns trinta. O Espírito os reconhecia a todos, logo à chegada, e os acolhia com ditos imprevistos. Não somente os chamava por seus nomes, como lhes falava no mesmo tom familiar, usando das expressões habituais de que se servia com cada um deles, segundo o grau de intimidade que os ligava na Terra, e isso sem a menor hesitação da parte da médium, antes com a máxima espontaneidade. A todos fornecia as mais minuciosas provas de identidade.


Um deles, o professor Newbold, propôs a Pelham uma tradução do grego, língua que ele conhecia, mas que a Sra. Piper ignorava absolutamente. O Espírito traduziu com exatidão, acompanhando o texto literal grego.


Durante a primeira fase das experiências, o médium é influenciado, dirigido, fiscalizado (segundo a expressão americana) por Espíritos pouco adiantados. Um certo Phinuit responde de modo incoerente às perguntas formuladas e torna-se necessária toda a paciência anglo-saxônia para acompanhar o desenvolvimento do fenômeno durante anos, através do labirinto de suas divagações. É provável que investigadores franceses não tivessem tido essa perseverança e houvessem perdido todo o beneficio das concludentes manifestações que sucederam a esse período confuso.


Com G. Pelham as comunicações se tornam mais claras; mas, no correr do tempo, sente-se a falta de direção competente. Phinuit e Pelham não são Espíritos que tenham bastante força nem aptidões para manterem o transe em grau profundo e impedirem a personalidade do sensitivo de imiscuir-se algumas vezes nos fenômenos e os perturbar. Estimulada por influências contrárias, a médium se esgota rapidamente. A “máquina”, conforme a expressão dos guias, se deteriora. As manifestações se tornam de novo confusas.


Evoca-se o Espírito Stainton Moses, autor dos “Ensinos Espiritualistas”, há pouco restituído à vida do Espaço, e trava-se com ele controvérsia sobre um ponto de doutrina. O escritor inglês afirmava em seu livro que os Espíritos atrasados conservam no outro mundo suas paixões e apetites terrestres e ainda os procuram satisfazer. Essa teoria desagrada em extremo ao professor Newbold, que pede a Stainton Moses se retrate. Este acede imediatamente, e suas explicações são deploráveis. Certos escritores, comentando este fato, acreditaram dele poder tirar conclusões desfavoráveis à filosofia espírita. As condições em que Stainton Moses se pronunciou nos parecem suspeitas. A médium funcionava mal; o Espírito não pôde sobre ela firmar seu império, nem mesmo chegou a provar sua identidade. Talvez não houvesse afinidade suficiente entre seu organismo fluídico e o da Sra. Piper. É essa uma dificuldade que os críticos não tomam bastante em consideração. Por seu lado, o professor Newbold, com sua opinião muito arraigada, teria exercido ação sugestiva sobre o sensitivo.


De resto, aí estão os fatos, aos milhares, para demonstrar a inanidade dessa teoria muito cômoda, dessa opinião de que a morte bastaria para nos desembaraçar de nossos vícios. O Espírito, na realidade, conserva-se o mesmo que se fez durante a vida terrestre. As necessidades procedem do corpo e com ele se extinguem. Os desejos e as paixões são do Espírito e o acompanham. Quase todos os fenômenos das casas mal-assombradas são produzidos por Espíritos atrasados que vêm satisfazer, post-mortem, rancores nascidos aqui na Terra, de males ou de prejuízos causados por certas famílias, que assim se tornam presa de nefastas influências. O mesmo se dá em todos os fatos de obsessão e em certos casos de loucura. Todos os observadores de longa data o sabem. A sensualidade e a avareza subsistem nas almas inferiores. Os fenômenos produzidos por Espíritos “incubos” e “súcubos” não são imaginários e assentam em testemunhos formais; fácil negar; seria preferível observar e curar.


A manifestação efêmera de Stainton Moses e a discussão de seus “Ensaios” sugeriram aos experimentadores a idéia de evocar os Espíritos que os haviam ditado, Espíritos superiores, designados nessa obra sob os nomes de Imperator, Rector, Doctor e Prudens. Estes acudiram ao chamado, e imediatamente o aspecto das sessões mudou. Sentiu-se que ação nova e combinada se exercia sob a direção de alta Inteligência. Cessam as incoerências; as obscuridades, os erros se dissipam; as explicações se tornam claras, as provas abundantes; as últimas dúvidas dos experimentadores se desvanecem. O médium é objeto de cuidados fluídicos assíduos; a “máquina”, reparada, funciona daí em diante com precisão. Rector é especialmente preposto a sua guarda e afasta os intrusos, os Espíritos levianos. Todas as manifestações têm que se submeter à sua fiscalização. É ele quem se encarregará de transmitir as comunicações úteis, as respostas às perguntas formuladas. Imperator começa sempre por uma prece. Quando fala pela boca da Sra. Piper, sua voz é grave, imponente; impressiona e comove. Suas vibrações provocam o recolhimento, restabelecem a harmonia nos pensamentos dos consultantes.


Isso vem confirmar o que tantas vezes notamos em nosso longo tirocínio de experimentadores. Quando se empreende o estudo dos fenômenos, como diletante, sem nenhum cuidado pelas condições psíquicas a preencher, raramente se obtêm resultados perfeitos e satisfatórios. Nas sessões que eu dirigia, de acordo com um método rigoroso, desde que a unidade e elevação dos pensamentos cessavam entre os assistentes, desde que o recolhimento era interrompido por conversas ou discussões inoportunas e surgiam divergências de opinião, logo as manifestações diminuíam de valor e intensidade. Espíritos inferiores se intrometiam e, sob a sua influência, as faculdades dos médiuns se turbavam, não produzindo mais que imperfeitíssimos resultados. Era preciso um enérgico esforço de reação interior e obter a intervenção das potências invisíveis, para restabelecer o curso regular das manifestações.


Na experiência espírita – não o esqueçamos – os resultados dependem da proteção oculta que podemos obter e, sobretudo, da extensão e eficácia dessa proteção. Ora, esta só se pode exercer no limite em que a tornemos possível, colocando-nos em estado moral e mental de harmonia que facilite a ação dos Espíritos adiantados. Sem afinidade de pensamento e de sentimento, sem comunhão entre si, não podem as almas comunicar-se senão confusa e acidentalmente.


Eis aí a lei suprema e a suprema ciência das manifestações! Que valem as críticas dos teóricos fantasistas diante da lição dos fatos? Os que só vêem no Espiritismo uma ciência semelhante às outras ciências hão de forçosamente chegar a reconhecer a insuficiência de suas concepções, desde que, passando da teoria à prática, verifiquem o mau resultado de seus esforços, ou, pelo menos, a indigência dos resultados obtidos.


*


Outro notável investigador, tão perspicaz quão escrupuloso, cujo testemunho não podemos deixar em esquecimento, é o professor Hyslop, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. Esse sábio entregou-se a demorada pesquisa sobre a mediunidade da Sra. Piper, da qual resulta que os fenômenos obtidos não se poderiam explicar nem pela telepatia, nem pela leitura de pensamento.clxxii


O professor formulou duzentas perguntas, dirigidas ao Espírito de seu falecido pai, por intermédio do Dr. Hodgson. Enquanto este falava, J. Hyslop, disfarçado com uma máscara e colocado por trás da médium, não proferia uma só palavra. Nessas condições, a Sra. Piper não podia ler no cérebro do interrogante respostas que este ignorava, porque o professor tivera o cuidado de escolher assuntos de caráter inteiramente íntimo, ignorados por todos.


Assim se pôde verificar, depois de longas e laboriosas investigações, que das 205 respostas obtidas, 152 eram perfeitamente exatas e 16 inexatas; 37 ficaram em dúvida, porque não puderam ser averiguadas. Essa verificação exigiu numerosas viagens através dos Estados Unidos, a fim de serem reconstituídas minuciosamente certas particularidades da história da família Hyslop, a que se referiam as perguntas.


Todas essas respostas são admiráveis por sua clareza e precisão. Nelas, a personalidade dos manifestantes, suas idéias, suas expressões familiares se patenteiam com tamanha fidelidade que impõem fatalmente aos observadores a convicção. O professor Hyslop, abrindo mão de toda desconfiança, conversa, pelo órgão da Senhora Piper em transe, e sob a vigilância de Rector, com seu pai desencarnado, “com tanta facilidade como se ele estivesse vivo. Nós nos compreendíamos por meias palavras clxxiii – diz ele – como numa conversação ordinária”.


Além disso, pôde o Sr. Hyslop, em diálogos animados e cheios de incidentes, conversar com alguns de seus tios e primos falecidos, com seu irmão Carlos,clxxiv morto quando ele tinha quatro anos, com suas irmãs Ana e Elisa, e de todos obteve respostas satisfatórias, cuja enumeração enche centenas de páginas de seu relatório publicado no “Harpers Magazine”, depois nos “Proceedings” da S.P.R., tomo XVI. Aí se encontram reunidos em quantidade considerável fatos miúdos, incidentes da vida de família esquecidos pelo professor e, após exame, reconhecidos verdadeiros. Eram precisas às vezes semanas inteiras de pesquisas para os averiguar, e encontrava-se então algum parente afastado que lhes atestava a realidade. Os resultados eram quase sempre conformes ao dizer dos Espíritos. Sobre as provas colhidas, diz o professor:clxxv


“Para o leitor estranho, a narrativa de uma sessão não pode produzir a convicção que se apodera do parente ou do amigo que torna a encontrar, depois de longo tempo, os hábitos de linguagem, as construções de frases, as expressões pitorescas, a maneira de discutir, tão bem conhecidas e que caracterizavam de modo inconfundível aquele com quem outrora convivera.”


Vêm depois característicos novos, desconhecidos e de profunda originalidade. Por exemplo:


“Em que subconsciente teria podido a Sra. Piper achar essas personagens – Imperator, Rector, G. Pelham, etc. – com seus modos de intervenção tão justos e apropriados a cada incidente, sem que jamais seus caracteres se confundam? A todo instante, Imperator revela seu caráter cheio de dignidade e suas tendências imperiosas, que tão bem justificam o seu pseudônimo, enquanto Rector encaminha as conversações e Pelham resolve as dúvidas e retifica os erros quanto aos fatos e, sobretudo, às pessoas e às relações entre elas e os consultantes.” clxxvi


A telepatia, acrescenta o professor, não pode explicar melhor essas revelações. Os próprios erros, em sua opinião, contribuem para excluir a possibilidade dessa hipótese, porque diversas vezes os Espíritos se enganaram em pontos que ele, Hyslop, conhecia perfeitamente, e sobre os quais a médium tinha toda a facilidade de informar-se. E conclui nestes termos:


“Considerando o problema com imparcialidade, outra explicação não há senão a intervenção dos mortos.”


A história do novo Espiritualismo nos fornece numerosos exemplos de médiuns que possuem, no estado de transe, faculdades extraordinárias e se exprimem com arrebatadora eloqüência.


Cora Tappan percorreu os Estados Unidos e a Inglaterra, fazendo ouvir em cada cidade maravilhosos discursos, em verso e em prosa. Respondia, além disso, a perguntas de todos os gêneros, dando prova de surpreendente erudição. Afirmava que suas respostas não provinham dela mesma e disso não tirava motivo de vaidade. Suas prédicas – dizia – emanavam de um grupo de Guias, sempre prontos a falar por sua boca, toda vez que seus serviços eram reclamados.clxxvii


T. G. Forster não causava menos impressão. Eis o que dele dizia um literato de Luisiana que, depois de haver perdido três filhos e a esposa idolatrada, à força de desespero chegara a trazer consigo “o vidro fatal que deveria pôr termo às suas misérias e adormecer suas dores para sempre”. clxxviii


“Fui ouvir T. G. Forster; entrei disposto a rir e divertir-me; fiquei para escutar e maravilhar-me; saí comovido e abalado, e lá voltei ainda. Esse homem falava de tudo com uma eloqüência de que nunca até então pudera ter idéia. Tenho ouvido oradores célebres: li Cícero, Chatham, Pitt e outros; jamais vi coisa que se aproximasse da eloqüência irrefutável desse homem adormecido. Os oradores de cátedra e de tribuna são obrigados a preencher com palavras o intervalo entre duas idéias; com ele não se dá isso: as idéias, os fatos, as datas se sucediam sem interrupção nem esforço e sem a menor hesitação. A história de todos os povos lhe era conhecida; todas as ciências lhe eram familiares, como se lhe houvesse consagrado todo o prazo de uma vida humana ao estudo de cada uma delas, e sua linguagem, ao mesmo tempo simples e elevada, sempre se conservava à altura de sua ciência. Procurei ser-lhe apresentado, quando voltou a seu estado normal, e nele encontrei um homem eminente, mas não – e bem longe disso – o homem universal de seus discursos. Ele concedeu-me uma sessão de transe e por seu intermédio conversei com o professor Drayton, seu Espírito-guia. Fiquei convencido. Sou agora outro homem; sou feliz, oh! bem feliz!”


O seguinte caso ocorreu na França e a pessoa do manifestante se revelou de modo irrefragável. Citamos textualmente o relatório, cujo original se acha em nosso poder:


“A 13 de janeiro de 1899, doze pessoas se haviam reunido em casa do Sr. David, à praça Corps-Saints nº 9, em Avignon, para a sessão hebdomadária de Espiritismo.


Após um instante de recolhimento, vimos a médium, a Sra. Gallas, em estado de transe, voltar-se para o lado do Sr. Abade Grimaud e lhe falar na linguagem dos sinais empregados por certos surdos-mudos. Sua volubilidade mímica era tal que foi preciso pedir ao Espírito que se comunicasse mais devagar, o que imediatamente fez. Por precaução, cuja importância vai ser apreciada, o Sr. Abade Grimaud limitava-se a enunciar as letras, à medida que eram transmitidas pela médium. Como cada letra insulada nada significa, era impossível, mesmo que o tivéssemos querido, interpretar o pensamento do Espírito; e só no fim da comunicação foi que ficamos conhecendo o seu conteúdo, após a leitura dela por um dos membros do grupo encarregado de registrar os caracteres.


Ao demais, a médium empregou um duplo método: o que consiste em enunciar todas as letras de uma só palavra, para indicar-lhes a ortografia, única forma perceptível à vista, e o que enuncia a articulação sem se preocupar com a forma gráfica, método inventado pelo Sr. Fourcade, e que só é usado no Instituto dos Surdos-mudos de Avignon. Estes pormenores são fornecidos pelo Abade Grimaud, diretor e fundador do estabelecimento.


A comunicação, relativa à obra de excelsa filantropia a que se dedicou o Sr. Abade Grimaud, estava assinada: “Irmão Fourcade, falecido em Caen.” Nenhum dos assistentes, com exceção do venerável sacerdote, conheceu nem podia conhecer, quer o autor dessa comunicação, posto que ele tivesse passado, há trinta anos, algum tempo em Avignon, quer o seu método.”


Subscreveram o relatório os membros do grupo que assistiram à sessão: Toursier, diretor aposentado do Banco de França; Roussel, mestre de música do 58º; Domenach, tenente do 58º; David, negociante; Bremond, Canuel, Sras. Toursier, Roussel, David, Bremond. Junto ao relatório vinha o seguinte atestado:


“Eu, abaixo assinado, Grimaud, padre, diretor-fundador do Instituto dos enfermos dos órgãos vocais, surdos-mudos, gagos e crianças anormais em Avignon, certifico a absoluta exatidão de tudo o que acima é referido. Devo dizer, em testemunho da verdade, que estava longe de esperar semelhante manifestação, da qual compreendo toda a importância, no ponto de vista da realidade do Espiritismo, de que sou fervoroso adepto. Não tenho a menor dúvida em o declarar publicamente.


Avignon, 17 de abril de 1899.


(assinado) Grimaud, padre.”


De 1893 a 1901 tínhamos, no Grupo de Estudos Psíquicos de Tours, três senhoras, médiuns de transe, todas pertencentes à burguesia, e cujo concurso era absolutamente desinteressado.


Relatórios estenográficos, que formam diversos volumes, permitem comparar os discursos pronunciados, as comunicações obtidas com o auxilio de suas faculdades, e comprovar, a muitos anos de distância, uma perfeita identidade de caráter e de opiniões em relação a cada um dos Espíritos que se comunicavam.


Logo que se produz a obscuridade, os médiuns sentem a influência magnética dos invisíveis. No primeiro grau do transe, estando ainda acordados, eles vêem um grupo completo de Espíritos formar-se atrás dos experimentadores e descrevem as aparições; ouvem e transmitem as indicações, os pedidos desses Espíritos, e por sua linguagem, por certas particularidades da fisionomia ou da atitude, os assistentes facilmente reconhecem parentes e amigos falecidos.


Dentro em pouco se acentua o transe, o médium adormece, a incorporação se verifica. Em nosso grupo o poder fluídico dos Espíritos-guia era suficiente para anular por completo a personalidade do sensitivo e evitar qualquer intervenção da subconsciência. Quando muito, pôde-se observar algumas vezes num dos sensitivos, a Sra. D., uma interferência de personalidades, quando o transe não era profundo.


Quase sempre as incorporações se sucedem. Desde que a possessão é completa, faz-se a luz, e depois, quando o Espírito se retira, torna-se a diminuí-la para facilitar a ação fluídica dos invisíveis e o ingresso de um novo manifestante. Cada médium serve habitualmente de órgão a três Espíritos diferentes, numa mesma sessão. Enquanto a incorporação se produz num dos médiuns, os outros descansam; algumas vezes as incorporações são simultâneas. Diálogos, discussões se travam então entre diversos Espíritos e o presidente do grupo. Essas conversações entre quatro pessoas, três das quais pertencem ao mundo dos Espíritos, são das que mais vivamente impressionam.


Em geral, são os Espíritos-guia que primeiro se manifestam, dando conselhos, instruções, repassadas de lógica e de grandeza, sobre os problemas da vida e do destino. Sucedem-se depois conversas com Espíritos menos elevados, alguns dos quais viveram entre nós e participaram dos nossos trabalhos. Cenas patéticas se produzem. É um pai, uma mãe, que vêm exortar seus filhos, presentes à reunião. São amigos de além-túmulo, que nos despertam recordações de infância, relembram serviços prestados, faltas cometidas. Descrevem suas condições de vida no Espaço, falam das alegrias e dos sofrimentos morais, experimentados depois da morte, conseqüências inevitáveis de sua conduta na Terra. Como lições vivas de coisas, palpitantes de colorido e movimento, essas expansões, essas confissões nos deixavam profundamente comovidos.


Muitas vezes se travaram discussões um tanto veementes entre Espíritos. Dois políticos célebres, adversários declarados na Terra, continuavam a hostilizar-se pela boca dos nossos médiuns, com arroubos oratórios, uma dialética cerrada, argumentos de tribuna e de pretório, um conjunto de ditos característicos e acerados que constituíam outras tantas provas de identidade. Um duelo de vontade, entre um de nossos Guias e um Espírito obsessor, ambos incorporados, atingia culminâncias verdadeiramente épicas. Essas cenas, de uma intensidade de vida e de expressão como se não pode ver em teatro algum, deixaram em nossa memória indeléveis recordações.


Dois Espíritos assumem mais particularmente a direção do grupo e se manifestam em todas as sessões: o Espírito Azul clxxix e Jerônimo. O Espírito Azul é uma entidade feminina de ordem assaz elevada. Quando anima o organismo da médium, pessoa tímida e de modesta instrução, as linhas do semblante adquirem uma expressão seráfica, a voz se torna extremamente doce e melodiosa, a linguagem reveste forma poética e irrepreensível. A cada um dos assistentes, por sua vez, dirige ela advertências, conselhos, relativos à sua conduta privada, os quais atestam, mesmo ao primeiro encontro, perfeito conhecimento do caráter e da vida íntima daqueles a quem são dirigidos.


Acontece freqüentemente que pessoas vindas pela primeira vez às nossas reuniões, e desconhecidas da médium, recebiam conselhos, palavras de animação ou de censura, apropriadas a seu estado moral e a seus mais secretos pensamentos. Essas advertências, obscuras para os outros ouvintes, eram sempre claras e positivas para os interessados. E não era um dos menores atrativos de tais manifestações essa arte que empregava o Espírito Azul em falar, diante de todos, as coisas íntimas e ocultas, de modo a evitar qualquer indiscrição, tornando-se perfeitamente claro para a pessoa alvejada.


A solicitude e a proteção do Espírito Azul se estendiam a todos os membros do grupo e se patentearam muitas vezes no domínio dos fatos. Vários dentre nós, premidos por sérias dificuldades, conseguimos vencê-las, graças à ação providencial desse Espírito, que, nos casos mais melindrosos e no momento oportuno, sabia fazer surgir um socorro, provocar uma intervenção inesperada. Suas instruções se referem geralmente à família e à educação das crianças. “La Tribune Psychique”, de março de 1900, reproduziu uma dessas comunicações, que resume em termos elevados o método do nosso guia. O Espírito Azul vê, numa profunda reforma da educação da infância e da mocidade, o verdadeiro remédio aos males do presente e aos perigos que ameaçam a sociedade moderna.


Jerônimo se comunica pela mesma médium; mas o contraste entre os dois Espíritos é flagrante. Jerônimo, que foi um apóstolo e um mártir, conservouse orador e combatente; sua palavra é vibrante, seu gesto amplo e dominador. Exprime-se por períodos incisivos, em termos escolhidos. Sua energia é tal que esgota rapidamente o sensitivo, de sorte que nem sempre pode terminar os seus discursos, por falta de força fluídica. Ele dirige mais especialmente os estudos filosóficos do grupo. Numerosas existências, passadas no silêncio dos claustros e entre a poeira das bibliotecas, lhe permitiram acumular tesouros de conhecimentos e imprimiram-lhe maior vigor ao pensamento. Os séculos o viram imerso na investigação, no estudo, na meditação. As percepções mais nítidas e as impressões da vida do Espaço vieram completar sua ciência, já de si tão extensa. Por isso, que amplitude em suas apreciações, que habilidade em dissipar as contradições e resumir em linhas sóbrias e claras as mais transcendentes leis da vida e do Universo! E tudo isso pela boca de uma pobre senhora, de gestos tímidos e instrução elementar!


Deveremos examinar, a propósito desses fenômenos, a objeção habitual que lhes é feita, isto é, de serem produtos da subconsciência do médium, das personalidades secundárias criadas por uma divisão temporária da consciência normal, como o pretendem os Srs. Pierre Janet e Flournoy?


Essa teoria não poderia resistir a um exame atento dos fatos. É precisamente nos fenômenos de incorporação que mais positiva se revela a identidade dos Espíritos, quando o transe é profundo e completa a posse daqueles sobre o sensitivo. Por suas atitudes, seus gestos, suas alocuções, o Espírito se mostra tal qual era aqui na Terra. Os que o conheceram durante sua existência humana o reconhecem em locuções familiares, em mil detalhes psicológicos que escapam à análise.


O mesmo acontece com as individualidades que viveram em épocas remotas. Em nosso grupo, os Espíritos-guia se comunicavam pelo órgão do médium mais modesto. Uma outra senhora, de maneiras elegantes, era preferida, para a incorporação, por Espíritos de ordem inferior. Ouvia-se uma vendedora de legumes falar, por sua boca, o calão de um país em que essa senhora jamais estivera. Uma velhota leviana discorria numa verbiagem ociosa, ou punha-se a contar-nos anedotas engraçadas. Depois disso, era um sacristão de voz arrastada que se apresentava ou ainda um antigo procurador que, pelo órgão da própria médium, dizia ao marido dela, em tom veemente, duras verdades.


O caráter de cada um desses Espíritos e de outros muitos clxxx se manteve e afirmou em sua originalidade, sem a mínima alteração, através de um período de sete anos. Disso dão testemunho as nossas atas. Ao mesmo tempo nos foi dado acompanhar os progressos graduais de um deles. Sofia, a vendedora de legumes, que graças à sua boa-vontade e à proteção de nossos Guias conseguiu emendar-se e instruir-se, até que para ela soou a hora da reencarnação. Sua volta à vida terrestre foi antecipadamente anunciada e nós pudemos observar-lhe as fases dolorosas. Consumado esse ato, Sofia nunca mais reapareceu em nossas sessões.


Se aí estão personalidades secundárias do médium, como explicar que sejam em tão grande número e revistam aspectos e nomes tão diferentes? Em nosso grupo contavam-se por dezenas os Espíritos que se comunicavam. Em cada sessão, tínhamos de seis a oito, dos quais dois ou três para cada médium. À medida que cada um deles se apresentava, mudava a fisionomia do sensitivo, a expressão das feições se modificava. Pela inflexão da voz, pela linguagem e atitude, a personalidade invisível se revelava, antes de ter dado o nome. Esses Espíritos não se manifestavam todos seguidamente. Alguns só reapareciam depois de longas ausências, mas sempre com a mesma originalidade de caráter, com a mesma intensa realidade de vida e de ação.


Como explicar pela subconsciência, ou dupla personalidade, essa variedade de personagens que, do sacristão ao Espírito Azul, representam todos os tipos da gradação hierárquica do mundo invisível, desde o bruto até o anjo, todas as formas do aviltamento, da mediocridade ou da elevação; de um lado, poder, bondade, saber, penetração das coisas; de outro, fraqueza, ignorância, grosseria, miséria moral?


Esses Espíritos observam, uns para com os outros, a atitude que convém à sua posição. Todos, por exemplo, mostram pronunciada deferência aos Espíritos-guia. Deles não falam senão com respeito; e é sempre num tom comovido e suplicante que Sofia se recomenda à proteção da “dama azul”.


Não se trata de personagens ilusórias, de vagos fantasmas subconscientes. Esses Espíritos vivem e agem como homens. Suas opiniões, suas percepções são diferentes. As divergências são às vezes categóricas; discussões veementes e apaixonadas se travam entre eles; surgem incidentes dramáticos e a isso se vêm intercalar mil provas de identidade que dissipam as dúvidas mais tenazes e obrigam à convicção. Se a personalidade secundária pode engendrar semelhantes contrastes, animar tão variadas criações, força é reconhecer que ela ultrapassa em talento, em gênio, as mais prodigiosas concepções do pensamento normal. Produz obras-primas à vontade e sem esforço; é a mais portentosa das explicações que se possa dar do fenômeno; orça pelo sobrenatural. E é preciso que os nossos contraditores se sintam verdadeiramente em extremos apuros, para lançar mão de teoria tão contrária às exigências de uma crítica sensata e de uma rigorosa ciência, e recorrer a uma hipótese tão fantástica quão inverossímil, ao passo que a teoria espírita explica os fatos mediante leis naturais, simples e claras.


*


Estudemos mais de perto essa teoria da subconsciência, de que incidentemente acabamos de falar, e com a qual acreditam certos psicólogos poder explicar os fenômenos do transe e da incorporação.


Os Srs. Pierre Janet,clxxxi A. Binet, Taine, Ribot e Flournoy acreditam que uma cisão se produz na consciência dos sensitivos adormecidos e que daí resulta uma segunda personalidade, desconhecida da pessoa normal, e com a qual se relacionam todos os fenômenos. Deram-lhe eles os mais diversos nomes: inconsciente, subconsciência, consciência subliminal, personalidade secundária, etc. Essa hipótese serviria para explicar a maior parte das anomalias observadas em histéricas, nos casos de sugestão, assim como os diferentes aspectos do sonambulismo e todas as variações da personalidade. A unidade do “eu-consciente” não passaria de uma ilusão. Este seria suscetível de desagregação em certos casos patológicos, e personalidades distintas, inconscientes ou dotadas de subconsciência, ignorando-se reciprocamente, poderiam surgir no estado de sono e manifestar-se à revelia uma da outra. Assim se explicariam os fatos espíritas. Os médiuns seriam apenas histéricos, neuróticos, particularmente predispostos, por seu estado fisiológico, a tais cisões da personalidade.clxxxii Observemos antes de tudo, com o Dr. Geley, que a histeria e a neurose nada explicam.clxxxiii Por outro lado, os médiuns não são histéricos. O Dr. Hodgson e Myers atestam que as Sras. Piper e Thompson gozam perfeita saúde. O professor Flournoy, que é médico, diz a mesma coisa de Helena Smith. Nenhum sinal de histeria se manifesta nessas três célebres médiuns. À menor indisposição nelas, ao contrário, os fenômenos diminuem de intensidade, cessam de se produzir. A mesma declaração posso eu fazer em relação aos sensitivos de transe que por muito tempo fizeram parte do nosso grupo. Sobre esse ponto as comparações que os nossos adversários procuram estabelecer são errôneas e sua argumentação é completamente falha. As personalidades fictícias que eles provocam, por meio de sugestões pós-hipnóticas, nas histéricas, têm apenas uma vaga semelhança com as manifestações de personalidades no transe. Em relação a estas, não passam de imperfeitas cópias, de esmaecidas e longínquas imitações.


No transe, a entidade psíquica, a alma, se revela por distinta atividade do funcionamento orgânico, por particular acuidade das faculdades. Quando é completa a exteriorização, o Espírito do médium pode agir sobre o corpo adormecido com mais eficácia que no estado de vigília e do mesmo modo que um Espírito estranho. O cérebro não é então, como no estado normal, um instrumento movido diretamente pela alma, mas um receptor que ela aciona de fora.


É o que resulta de numerosas observações.


O Sr. Cromwell Varley, engenheiro-chefe dos Telégrafos da GrãBretanha, em seu depoimento perante a comissão de inquérito da Sociedade Dialética, a respeito de sua esposa que é médium de transe, refere o seguinte fato:clxxxiv


“A Sra. Varley, adormecida, me diz: Agora não são os Espíritos que vos falam; sou eu mesma, e sirvo-me de meu corpo do mesmo modo que o fazem os Espíritos quando falam por minha boca.”


Myers, em seu relatório ao Congresso de Psicologia, 1900,clxxxv faz a seguinte declaração a propósito dos transes da Sra. Thompson:


“Os ditados são, em sua maioria, transmitidos mediante o organismo do médium, por Espíritos que nesse momento o influenciam ou se apossam desse organismo. Alguns são diretamente colhidos no mundo invisível por seu próprio Espírito e por ele transmitidos.”


Uma coisa evidente para o psicólogo refletido é que muito pouco nos conhecemos ainda. Há em nós profundezas cheias de mistério, que às vezes se entreabrem e cuja visão nos perturba. Um mundo inteiro aí reside, mundo de intuições, de aspirações, de sensações, cuja origem nos é desconhecida, e que parece provirem de um passado distante; mescla de aquisições pessoais, de hereditariedades psíquicas e atavismos étnicos, vestígios das existências percorridas na sucessão dos tempos, tudo isso está gravado nos refolhos abscônditos do “eu”.


A consciência, no estado normal, é acanhada; no de desprendimento é vasta e profunda. Não há, porém, duas consciências, do mesmo modo que não há em nós duas entidades. É sempre o mesmo ser, a mesma personalidade vista sob dois aspectos diferentes.


A permanência e unidade do “eu” consciente são demonstradas por um fato bem conhecido; enquanto o nosso corpo físico incessantemente se renova, a consciência e a memória persistem em nós, através das flutuações da matéria. É verdade que a consciência normal não conserva todas as impressões recolhidas pelos sentidos. Muitas sensações e conhecimentos ficam, na aparência, esquecidos; mas são realmente arquivados na consciência profunda. Podem ressurgir por um esforço intelectual, sob o influxo de uma emoção, ou ainda no sono e, em geral, em todos os estados que provocam o despertar das faculdades adormecidas.


No estado de exteriorização total, esse despertar é completo. O Espírito readquire, com a plenitude de suas faculdades latentes, de seus conhecimentos e recordações, uma liberdade e uma energia de ação amplificadas. Atinge o seu maximum de vibrações e pode reconstituir seu passado.


Há, portanto, duas ordens de fatos no transe e é preciso distingui-los com cuidado: primeiramente a intervenção dos desencarnados, e depois os outros casos, em que o médium, sob o influxo magnético de seu guia espiritual, se reconstitui numa de suas anteriores existências.


No caso de Helena Smith, que o Sr. Flournoy, professor de Psicologia da Universidade de Genebra, estudou durante quatro anos, a médium em transe reproduz as cenas de uma de suas existências, passada na Índia, no século XII. Nesse estado, serve-se freqüentemente de termos sanscríticos, língua que ela ignora no estado normal. Fornece, a respeito de personagens históricas da Índia, indicações positivas, impossíveis de achar em obra alguma usual, e cuja confirmação, depois de muitas pesquisas, o professor descobre numa obra de Marlès, historiador pouco conhecido e inteiramente fora do alcance da sensitiva. Esta, nas fases do transe, assume atitude que enleva e impressiona. Eis o que a respeito diz o Sr. Flournoy:clxxxvi


“Há em todo o seu ser, na expressão da fisionomia, nos movimentos, no timbre da voz, quando fala ou canta em hindu, uma graça indolente, um abandono, uma doçura melancólica, alguma coisa de encantador e lânguido que corresponde maravilhosamente ao caráter do Oriente. Toda a mímica de Helena, tão diferente, e esse falar exótico têm tal cunho de originalidade, próprio, natural, que se chega a perguntar com estupefação donde vem a essa filha das ribeiras do Lemen, sem educação artística nem conhecimentos especiais do Oriente, uma perfeição de desempenho que a melhor atriz não alcançaria senão à custa de demorados estudos ou de longa permanência nas margens do Ganges.”


No que se refere à escrita e à linguagem hindus, o Sr. Flournoy acrescenta que, em suas pesquisas para as experiências, todas as pistas que pôde descobrir eram “falsas”, e pede ao leitor que “o dispense de pormenorizar seus insucessos”.


Todas essas experiências, porém – diz ele – o induziram a “divertir-se”. Depois do que, conclui rejeitando a teoria dos Espíritos, para ver nos fenômenos espíritas unicamente uma criação, um manejo da consciência “subliminal”.


Observemos que as conclusões do Sr. Flournoy clxxxvii estão em contradição com os fatos observados. No transe, a Srta. Smith vê muitas vezes seu Guia, Leopoldo, a seu lado, e ouve-lhe a voz. Ele tem vontade própria e procede como entende, muitas vezes se estabelecendo luta entre eles. A Srta. Smith discute; resiste, ao querer ele tomar posse do seu organismo. E quando, apesar de seus esforços, esta se torna completa, toda a sua pessoa se transforma; muda-se a voz; é a de um homem, lenta e grave, de pronúncia italiana; o aspecto se lhe torna majestoso. Quando Leopoldo se apodera da mão de Helena, para a fazer escrever, a escrita é inteiramente diversa, e a ortografia é a do século XVIII, época em que ele viveu na Terra. Mais ainda: ele “intervém constantemente em sua vida de modo sensível e quase físico, não deixando margem à menor dúvida”.


Querem um exemplo? Numa sessão, o Espírito Leopoldo levanta a médium com a almofada em que repousa, sem o concurso de nenhum dos assistentes. Eis aí um fenômeno de levitação perfeitamente caracterizado e que não seria lícito atribuir ao “subliminal”, pois que exige a intervenção de uma força e de agente exterior.


Certamente, nem tudo é de fácil explicação nos fenômenos de que a Srta. Smith é o foco. Em seu caso, cumpre reconhecê-lo, são abundantes as dificuldades, e fatores diversos parece intervirem. Nota-se um entrelaçamento de fatos espíritas e de fatos de animismo, de produtos da subconsciência intercalados com intervenções de Inteligências exteriores e super-humanas, que complicam singularmente o problema. Desse conjunto um tanto confuso sé destacam, todavia, provas de identidade, claras, nítidas, positivas, como, por exemplo: a manifestação de João, o cavouqueiro, cuja personalidade se revela com particularidades convincentes; a do cura Burnier e a do síndico Chaumontet, falecidos há cerca de meio século, cuja escrita e assinatura a médium reproduz automaticamente e são reconhecidas, após averiguações, exatamente iguais às que figuram em grande número de termos de nascimentos, casamentos e óbitos, que formam os arquivos da Comuna de Chessenaz, onde a Srta. Smith nunca esteve.


Somos levados a crer que nessa médium a força psíquica é muitas vezes insuficiente, as fases do transe extremamente desiguais e freqüente o despertar da própria personalidade. Daí, contudo, não se segue que os fatos observados se possam explicar, como o pretenderia o Sr. Flournoy, pelo mecanismo das faculdades da memória associadas ao poder de imaginação da subconsciência.


Além disso, o professor, em sua disposição de “divertir-se”, terá mais de uma vez atraído Espíritos galhofeiros a essas sessões, em que – diz ele – “ria-se bastante”. Os mistificadores são para recear em casos tais. E é aí que se compreende a utilidade das regras que indicamos: unidade e elevação de pensamento dos assistentes, como meio de facilitar a ação dos agentes exteriores. Rir, brincar, interromper a todo instante, interrogar fora de propósito, tudo isso constitui péssimas condições para experiências sérias.


Não é caso insulado o de Helena Smith. Um médium do nosso grupo reproduziu diversas vezes, em transe, sob a influência do Espírito-guia, cenas de sua vida anterior.


Um magnetizador, amparado pela ação oculta dos Espíritos protetores, pode também provocar esses fenômenos em certos sensitivos.


Fernandez Colavida, presidente do Grupo de Estudos Psíquicos de Barcelona, obteve resultados que acreditamos dever assinalar. Eis o que a tal respeito consta no relatório dos delegados espanhóis ao Congresso Espírita, de 1900:clxxxviii


“Magnetizado o médium no mais alto grau, F. Colavida lhe ordenou que dissesse o que havia feito na véspera, na antevéspera, uma semana, um mês, um ano antes, e o fez sucessivamente recuar até à infância, que explicou em todas as suas particularidades.


Impelido sempre pela mesma vontade, o médium referiu sua vida no Espaço, sua morte na última encarnação e, continuamente estimulado, chegou até quatro encarnações, a mais antiga das quais era uma existência inteiramente selvagem. A cada existência, as feições do médium mudavam de expressão. Para ser restituído a seu estado habitual, foi gradualmente reconduzido até sua presente encarnação e despertado em seguida.”


Num intuito de verificação, o experimentador fez magnetizar o sensitivo por uma outra pessoa e sugerir-lhe que suas anteriores narrativas eram falsas. Apesar dessa sugestão, o médium reproduziu a série de quatro existências, como antes o fizera.


Esteva Marata, presidente da União Espírita de Catalunha, declara ter obtido análogos resultados, pelos mesmos processos, em sua esposa, em estado de transe.


Essas experiências poderiam ser multiplicadas e obteríamos assim numerosos elementos de certeza sobre o fato das existências anteriores da alma; elas, todavia, exigem grande prudência. O experimentador deve escolher sensitivos que sejam dotados de muita sensibilidade e bem desenvolvidos. Deve ser assistido por um Espírito bastante poderoso para afastar todas as influências estranhas, todas as causas de perturbação, e preservar o médium de possíveis acidentes.


*


Recapitulemos. A teoria da subconsciência é verdadeira no sentido de que nossa consciência plena é mais extensa que nossa consciência normal.


Dela emerge nos estados sonambúlicos, domina-a e a ultrapassa, sem dela jamais se separar.


A teoria da subconsciência é falsa se pretender-se considerar esta como segunda consciência autônoma, como dupla personalidade. Não há em nós dois seres que coexistam, ignorando-se. A personalidade, a consciência, é una. O que simplesmente acontece é que ela se apresenta sob dois aspectos diferentes: ora, durante a vida material, nos restritos limites do corpo físico, com uma memória e faculdades circunscritas; ora, durante a vida psíquica, na plenitude de suas aquisições intelectuais e de suas recordações. Nesse caso, abrange todas as fases de seu passado e as pode fazer reviver.


Todas as teorias dos Srs. Pierre Janet, Binet, Taine, Ribot, etc., assentam sobre aparências vãs. O “eu” não se fraciona. As faculdades extraordinárias, reveladas no transe, convergem, ao contrário, no sentido de uma unidade tanto mais grandiosa quanto mais completa é a exteriorização.


Infelizmente a situação nem sempre é clara, nem o desprendimento suficiente. Às vezes se produzem umas espécies de intercalação, de fluxo e refluxo vibratório entre as causas atuantes, que tornam obscuro e confuso o fenômeno. É principalmente o caso quando se manifestam diversas personalidades invisíveis e nenhuma delas tem a força nem a vontade necessárias para afastar os motivos de erro.


As causas em ação podem confundir-se nos estados sonambúlicos parciais e incompletos. Há, porém, um estado superior, em que o Espírito se apresenta em todo o seu poder vital, em sua penetração íntima das coisas. Pode-se então assistir a fenômenos realmente grandiosos. Para os obter, contudo, é preciso proceder de modo mais sério do que o fazem os psicólogos “hílares e brincalhões”.


São dessa ordem as manifestações de George Pelham, Robert Hyslop e, principalmente, as de Imperator, de Jerônimo e do Espírito Azul. Nelas, os sinais característicos, as provas de identidade são abundantes; nenhuma dúvida poderia existir. O mesmo acontece nos casos em que numerosas personalidades, apresentando grande variedade de caracteres e opiniões, se sucedem com precisão e regularidade no corpo de um médium e fazem ouvir, pela mesma boca, ora a linguagem mais trivial, ora a linguagem seleta e elevada, exprimindo nobres e delicados sentimentos, apreciações tão profundas que extasiam todo o auditório.


As manifestações de Espíritos desventurados, que vêm, guiados por almas compassivas, referir-nos seus sofrimentos, suas dores e aflições, buscar ensinos e conforto, não são também imposturas do subliminal.


Temos a esse propósito muitas vezes observado um fato: a influência fluídica dos Espíritos inferiores incomoda os médiuns, causa-lhes indisposições durante o transe e violentas dores de cabeça ao despertar, a ponto de reclamar o desligamento imediato por meio de passes magnéticos. Nos mesmos sensitivos, ao contrário, com outras entidades elevadas, como, por exemplo, o Espírito Azul, o transe é doce, a influência benéfica, o médium desperta sob impressão de calma, como saturado de uma atmosfera de paz e de serenidade.


As teorias da subconsciência e da dupla personalidade são impotentes para explicar esses fatos. O subconsciente é simplesmente um estado da memória, cujas camadas profundas, silenciosas na vida normal, despertam e vibram durante a exteriorização. É o que demonstram os casos de reconstituição das vidas anteriores nos médiuns. Há nisso magnífico objeto de estudo, para chegar-se ao conhecimento do ser e das leis de sua evolução.


Aí encontramos a prova de que o “eu” consciente não é uma criação espontânea, mas constituiu sua individualidade mediante sucessivas aquisições, através de longa série de existências. Não tendo o organismo físico atual contribuído para algumas dessas aquisições, é evidente que não poderia o Espírito ser considerado a resultante desse organismo, pois que existiu antes deste e lhe sobreviverá.


Assim se deriva a teoria espírita, em toda a sua lógica e esplendor, de um conjunto de fatos que só ela é capaz de explicar. A alma neles se revela, independente do corpo, em sua personalidade indivisível, em seu “ego” lentamente constituído através dos tempos, com o auxílio de materiais que conserva latentes em si mesma, e cuja posse readquire no estado de desprendimento: assim no sono, como no transe, ou por ocasião da morte.


 


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