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XIII


Sonhos premonitórios -

Clarividência - Pressentimentos


Nas páginas que precedem tocamos apenas ligeiramente na questão dos sonhos. Este assunto reclama outra explicação.


Os sonhos, em suas variadas formas, têm uma causa única: a emancipação da alma. Esta se desprende do corpo carnal durante o sono e se transporta a um plano mais ou menos elevado do Universo, onde percebe, com o auxílio de seus sentidos próprios, os seres e as coisas desse plano.


Podem dividir-se os sonhos em três categorias principais:


Primeiramente, o sonho ordinário, puramente cerebral, simples repercussão de nossas disposições físicas ou de nossas preocupações morais. É também o reflexo das impressões e imagens arquivadas no cérebro durante a vigília; na ausência de qualquer direção consciente, de toda intervenção da vontade, elas se desenvolvem automaticamente ou se traduzem em cenas indecisas, destituídas de coordenação e de sentido, mas que permanecem gravadas na memória.


O sofrimento em geral e, particularmente, certas enfermidades, facilitando o desprendimento do Espírito, aumentam ainda mais a incoerência e intensidade dos sonhos. O Espírito, obstado em seu surto, empuxado a cada instante para o corpo, não se pode elevar. Daí o conflito entre a matéria e o princípio espiritual, que reciprocamente se influenciam. As impressões e imagens se chocam e confundem.


No primeiro grau de desprendimento, o Espírito flutua na atmosfera, sem se afastar muito do corpo; mergulha, por assim dizer, no oceano de pensamentos e imagens, que de todos os lados rolam pelo espaço, deles se impregna e aí colhe impressões confusas, tem estranhas visões e inexplicáveis sonhos; a isso se mesclam às vezes reminiscências de vidas anteriores, tanto mais vivazes quanto mais completo é o desprendimento, que assim permite entrarem em vibração as camadas profundas da memória. Esses sonhos, de infinita diversidade, conforme o grau de emancipação da alma, afetam sobretudo o cérebro material, e é por isso que deles conservamos a lembrança, ao despertar.


Por último vêm os sonhos profundos, ou sonhos etéreos. O Espírito se subtrai à vida física, desprende-se da matéria, percorre a superfície da Terra e a imensidade, onde procura os seres amados, seus parentes, seus amigos, seus guias espirituais. Vai, não raro, ao encontro das almas humanas, como ele desprendidas da carne durante o sono, com as quais se estabelece uma permuta de pensamentos e desígnios. Dessas práticas conserva o Espírito impressões que raramente afetam o cérebro físico, em virtude de sua impotência vibratória. Essas impressões se gravam, todavia, na consciência, que lhes guarda os vestígios, sob a forma de intuições, de pressentimentos, e influem, mais do que se poderia supor, na direção da nossa vida, inspirando >os nossos atos e resoluções. Daí o provérbio: “A noite é boa conselheira.” Na “Revue Spirite” de 1866, pág. 172, Allan Kardec fala do desprendimento do Espírito de uma jovem de Lião, durante o sono, e de sua vinda a Paris, em meio de uma reunião espírita em que se achava sua mãe:


“O médium, em estado de transe, vai a Lião, a pedido de uma senhora presente, ao aposento de sua filha, que descreve fielmente. A moça está adormecida; seu Espírito, conduzido por um guia espiritual, se aproxima de sua mãe, a quem vê e ouve, para ela um sonho, diz o guia do médium, de que, ao despertar, não guardará lembrança clara; conservará apenas o pressentimento do bem que se pode auferir de uma crença firme e pura.


Ela faz sentir a sua mãe que, se pudesse recordar-se tão bem de suas precedentes encarnações, no estado normal, como se lembra agora, não permaneceria muito tempo na situação estacionária em que se encontra. Porque vê claramente e sente-se capaz de progredir sem hesitação; ao passo que no estado de vigília nós temos uma venda sobre os olhos.


“Obrigada – diz ela aos assistentes – por vos terdes ocupado comigo.” Em seguida, abraça sua mãe. O médium acrescenta, ao terminar: “Ela sente-se feliz com esse sonho, de que se não há de lembrar, mas que nem por isso lhe deixará de produzir salutar impressão.”


Algumas vezes, quando suficientemente purificada, a alma, conduzida por Espíritos angélicos, chega em seus transportes a alcançar as esferas divinas, o mundo em que se geram as causas. Aí paira, sobranceira ao tempo, e vê desdobrarem-se o passado e o futuro. Se acaso comunica ao invólucro humano um reflexo das sensações colhidas, poderão estas constituir o que se denomina sonho profético.


Nos casos importantes, quando o cérebro vibra com demasiada lentidão para que possa registrar as impressões intensas ou sutis percebidas pelo Espírito, e este quer conservar, ao despertar, a lembrança das instruções que recebeu, cria então, pela ação da vontade, quadros, cenas figurativas das imagens fluídicas, adaptadas à capacidade vibratória do cérebro material, sobre o qual, por um efeito sugestivo, as projeta energicamente. E, conforme a necessidade, se é inábil para isso, recorrerá ao auxílio dos Espíritos mais adiantados, e assim revestirá o sonho uma forma alegórica.


Entre os deste gênero, há alguns célebres, como, por exemplo, o sonho do Faraó, interpretado por José.lxxxviii Muitas pessoas têm sonhos alegóricos, os quais nem sempre traduzem as impressões recebidas diretamente pelo Espírito do indivíduo adormecido, mas, na maior parte das vezes, revelações provenientes das almas, que todos temos, prepostas a nossa guarda.


Achando-me gravemente enfermo e quase desenganado, obtive, sob significação figurada, o aviso de minha própria cura. No sonho, eu percorria com muita dificuldade um caminho coberto de escombros; à medida que me adiantava, os obstáculos se me acumulavam sob os pés. Súbito, um riacho largo e profundo surge à minha vista, e sou obrigado a interromper a marcha. Sento-me, cheio de angústia, à beira d'água; mas da outra margem mão invisível estende-me uma prancha, cuja extremidade se inclina a meus pés. Não tenho mais que me firmar nela e, por esse meio, consigo transpor o curso da água. Do lado oposto o caminho é livre e desembaraçado, e eu sigo com o passo mais firme, em meio de aprazível planície.


Eis aqui o sentido desse sonho:


Informado, algum tempo depois, por uma mulher imersa em sono magnético, da causa de minha enfermidade, causa assaz vulgar, com que nenhum médico havia podido atinar, nem com os remédios aplicáveis, readquiri pouco a pouco a saúde e pude recomeçar os meus trabalhos.


Nos sonhos são, com freqüência, registrados fenômenos de premonição, isto é, comprova-se a faculdade que possuem certos sensitivos de perceber, durante o sono, as coisas futuras. São abundantes os exemplos históricos:


Plutarco (“Vida de Júlio César”) faz menção do sonho premonitório de Calpúrnia, mulher de César. Ela presenciou durante a noite a conjuração de Brutus e Cassius e o assassínio de César, e fez todo o possível por impedir este de ir ao Senado.


Pode-se também ver em Cícero o sonho de Simônides (“De Divinatione”, I, 27); em Valério Máximo, o sonho premonitório de Atério Rufo (VII, par. I, 8) e o do rei Creso (VII, par. I, 4), anunciando-lhe a morte de seu filho Athys.


Em seus “Comentários”, refere Montlue que assistiu, em sonho, na véspera do acontecimento, à morte do rei Henrique II, traspassado por um golpe de lança, que num torneio lhe vibrou Montgommery.


Sully, em suas “Memórias” (VII, 383), afirma que Henrique IV tinha o pressentimento de que seria assassinado em uma carruagem.


Fatos mais recentes, registrados em grande número, podem ser comprobatoriamente mencionados:


Abraão Lincoln sonhou que se achava em uma calma silenciosa, como de morte, unicamente perturbada por soluços; levantou-se, percorreu várias salas e viu, finalmente, ao centro de uma delas, um catafalco em que jazia um corpo vestido de preto, guardado por soldados e rodeado de uma multidão em pranto. “Quem morreu na Casa Branca?” – perguntou Lincoln.


“O presidente; – respondeu um soldado – foi assassinado!” Nesse momento uma prolongada aclamação do povo o despertou. Pouco tempo depois morria ele assassinado.lxxxix


Em seu livro “O Desconhecido e os Problemas Psíquicos”, C. Flammarion cita 76 sonhos premonitórios, dois dos quais por sua mãe (cap. IX). Na maior parte os revestem o caráter da mais absoluta autenticidade.


Um dos mais notáveis é o caso do Sr. Berard, antigo magistrado e deputado (cap. IX). Obrigado, pelo cansaço, durante uma viagem, a pernoitar em péssima estalagem, situada entre montanhas selváticas, ele presenciou, em sonho, todos os detalhes de um assassínio que havia de ser cometido, três anos mais tarde, no quarto que ocupava, e de que foi vítima o advogado Vitor Arnaud. Graças à lembrança desse sonho é que o Sr. Berard fez descobrir os assassinos.


Esse fato é igualmente referido pelo Sr. Goron, Chefe de Policia, em suas “Memórias” (t. II, pág. 338). Pode-se também citar:


O sonho da mulher de um mineiro, que vê cortarem a corda do cesto que servia para descerem os operários aos poços de extração. Logo no dia seguinte o fato se verificou e muitos mineiros deveram a vida a esse sonho (cap. IX).


Uma jovem irmã de caridade (Nièvre) viu em sonho o rapaz, para ela então desconhecido, com quem depois haveria de casar-se. Graças a esse sonho ela se tornou Mme. de la Bédollière (cap. IX).


Conscritos vêem em sonho os números que tiraram no dia seguinte ou dias depois (cap. IX).


Muitas pessoas vêem em sonho cidades, sítios, paisagens, que realmente visitaram mais tarde (cap. IX).


O Sr. Henri Horet, professor de Música em Estrasburgo, viu certa noite, em sonho, saírem cinco féretros de sua casa. Pouco depois se deu aí um escapamento de gás e cinco pessoas morreram asfixiadas (cap. IX).


Aos sonhos etéreos pode-se juntar o fenômeno de êxtase ou arroubo. Considerado por certos sábios, pouco competentes em matéria de Psiquismo, como estado mórbido, o êxtase é em verdade um dos mais belos apanágios da alma afetuosa e crente, que, na exaltação de sua fé, reúne todas as suas energias, se desembaraça momentaneamente dos empecilhos carnais e se transporta às regiões em que o Belo se ostenta em suas infinitas manifestações.


No êxtase o corpo se torna insensível; a alma, libertada de sua prisão, tem concentradas toda a sua energia vital e toda a sua faculdade de visão em um ponto único. Ela não é mais deste mundo, mas participa já da vida celeste.


A felicidade dos extáticos, o júbilo que experimentam, contemplando as magnificências do Além, seriam só por si suficientes para nos demonstrar a extensão dos gozos que nos reservam as esferas espirituais, se as nossas grosseiras concepções nos não impedissem muitíssimas vezes de os compreender e pressentir.


*


A clarividência ou adivinhação é essa faculdade, que possui a alma, de perceber no estado de vigília os acontecimentos passados e futuros, no mundo intelectual como no domínio físico. Esse dom se exerce através do tempo e da distância, independentemente de todas as causas humanas de informação.


A adivinhação foi praticada em todos os tempos. Seu papel na antiguidade era considerável e, qualquer que seja a parte de alucinação, de erro ou fraude que se lhe deva atribuir, já não é possível, depois das recentes comprovações da psicologia transcendental, rejeitar em massa os fatos dessa ordem atribuídos aos profetas, aos oráculos e às sibilas.


Essas estranhas manifestações reaparecem na Idade Média:


João Huss anuncia, do alto da fogueira, a vinda de Lutero.


Joana d'Arc havia predito, desde Domrémy, o livramento de Orleães e a sagração de Carlos VII. Anuncia também que será ferida defronte de Orleães. Uma carta escrita pelo encarregado de negócios de Brabant, a 22 de abril de 1429, quinze dias antes do acontecimento e conservada nos arquivos de Bruxelas, contém esta passagem: “Ela predisse que será ferida por uma seta durante o assalto, mas que não morrerá; que o rei será sagrado em Reims, no próximo verão”.xc Profetiza seu encarceramento e morte. Junto aos fossos de Melun, suas “vozes” a haviam advertido de que seria entregue aos ingleses antes do dia de São João.xci Durante o processo, anuncia a completa expulsão dos ingleses, antes de sete anos. Sucedem-se depois, em toda essa vida maravilhosa, profecias de ordem secundária: em Chinon, a morte de um soldado que a escarnecia, o qual, na mesma noite, se afogou no riacho de Vienne; em Orleães, a morte do capitão Glasdale; o livramento de Compiègne antes de Saint-Martin-d'Hiver, etc.


Os casos de clarividência são numerosos em nossa época. Citaremos alguns deles.


Os “Annales des Sciences Psychiques” (1896, página 205) refere que Lady A., tendo sido vítima de um roubo em Paris, conseguiu descobrir, por intermédio de uma vidente, o autor do delito, que ela estava longe de suspeitar, com todas as particularidades complicadíssimas do fato. O culpado não era outro senão Marchandon, um de seus criados, que, por suas boas maneiras, havia captado a inteira confiança de sua patroa e veio a ser mais tarde o assassino da Sra. Cornet.


O pressentimento é a vaga e confusa intuição do que vai acontecer.


J. de Maistre fez notar que “o homem é informado naturalmente de todas as verdades úteis”.


Soldados e oficiais têm, na manhã do dia em que se vai travar uma batalha, o nítido sentimento de sua morte próxima. Por uma averiguação procedida em tal sentido, ficou provado que uma religiosa de S. Vicente de Paulo, na véspera do incêndio do Bazar de Caridade, havia predito que aí morreria queimada.


Essa faculdade se encontra com freqüência em certos países, como, por exemplo, nas regiões altas da Escócia, na Bretanha, na Alemanha, na Itália.


Um pouco, porém, por toda a parte, em torno de nós, podemos coligir fatos de pressentimentos, baseados em testemunhos inequívocos. São tão numerosos que julgamos supérfluo insistir nisso. Citemos apenas os três seguintes casos:


“O Coronel Collet, no “Bulletin de la Société d'Etudes Psychiques de Nancy” (fevereiro de 1902, pág. 6), refere que seu sogro, o Sr. Vigneron, emérito caçador e pescador, saia quase todos os dias para se entregar a seus prazeres favoritos, sem que por esse motivo sua mulher de modo algum se inquietasse. Um dia, entretanto, ela o quis impedir de ir à pesca, tendo o pressentimento de que ele se afogaria. O marido, porém, não fez caso e, ao regressar à noite, pôs-se a gracejar da puerilidade dos seus temores.


No dia seguinte confessava em particular a seu genro que, tendo o seu barco soçobrado, ele conseguira sair da água e do lodo, em que se ia afundando, graças a um ramo de salgueiro a que se agarrara a tempo. Havia posto as roupas a secar e as limpara antes de entrar em casa.” O Dr. Max Simon, no “Monde des Rêves”, narra um fato da mesma natureza:


“Um jovem doutor alemão, voltando de uma visita a seus pais, encontrou dois oficiais e com eles combinou tomarem um carro. No momento de subir ao veiculo, sentiu-se tolhido por uma estranha influência, que o fez recusar-se terminantemente a partir, apesar das instâncias dos oficiais. Mal se haviam posto a caminho, a influência dissipou-se. O jovem doutor aproveitou então a primeira ocasião para continuar a viagem. Ao chegar às margens do Elba, notou um ajuntamento: – Os dois oficiais se haviam afogado no rio, onde tombara a carruagem.”


Pode-se, finalmente, ver nos “Annales des Sciences Psychiques”, de agosto de 1905, a narrativa de um caso descrito pelo “Messagero”, de Roma: “Um certo Marino Tonelli, de 27 anos de idade, residente em Rancidello (República de San Marino), regressava a casa, em seu cabriolé, na noite de 13 de junho. Adormecera e, ao passar por um lugar perigoso da estrada, conhecido sob a denominação de Coste di Borgo, de repente sentiu-se violentamente sacudido e despertou. Achou-se estendido num campo, ao fundo de pequena ribanceira, por onde acabava de rolar com o cavalo e o cabriolé. Felizmente não estava ferido e começara, com o auxílio de algumas pessoas que o haviam acudido, a pôr a salvo sua pequena equipagem, quando viu aparecer, com grande espanto, sua mãe. A pobre senhora, chorando de comoção, o abraçou, perguntando-lhe se não se machucara e acrescentou:


– “Eu te vi, sabes? Não conseguia dormir. Tua mulher e os teus dois pequeninos já estavam dormindo há algum tempo; mas eu sentia uma inquietação, um mal-estar extraordinário, desconhecido, que não podia explicar. De repente vi aparecer diante de mim este caminho, exatamente este lugar, com a ribanceira ao lado; vi o cabriolé virar e seres precipitado neste campo; tu me chamavas em teu socorro. Senti, por último, a necessidade irresistível de aqui vir e, sem despertar pessoa alguma, resistindo ao pavor da solidão, da obscuridade e da tempestade ameaçadora, aqui estou, depois de uma caminhada de quatro quilômetros.”


O correspondente do Messagero termina dizendo: “Aí está o fato, ai a narrativa exata que colhi dos lábios, ainda trêmulos de comoção, dessa honrada gente.”


De acordo com uma indagação a que procedeu ao Senhor Francesco, a inquietação da mãe do rapaz precedeu de algumas horas a visão do acidente, e este ocorreu três quartos de hora depois da visão, isto é; o tempo necessário para percorrer a pé a distância que separa a casa dos Tonelli do lugar do acidente.”


A premonição e os pressentimentos são difíceis de analisar-se, no ponto de vista científico. Não são explicáveis, senão em certos casos, quando o acontecimento pressentido tem precedentes, subjetivos ou objetivos. Na maioria dos casos, porém, os fatos anunciados nada oferecem que se preste à idéia de sucessão ou encadeamento.


Donde vem o poder de certas almas, de lerem no futuro? Questão profunda e obscura, que causa vertigem como o abismo, e que não propomos sem uma certa perturbação, porque a sentimos quase insolúvel para a nossa mesquinha ciência.


Do mesmo modo que, girando no espaço, cada mundo se comunica, através da noite, com a grande família dos astros pelas leis do magnetismo universal, assim também a alma humana, centelha emanada do Divino Foco, se pode comunicar com a grande Alma eterna e dela receber instruções, inspirações, lampejos instantâneos.


Desta explicação podem sorrir os cépticos. Não é, porém, de nossa elevação para Deus que derivam as forças vivas, os socorros espirituais, tudo o que nos engrandece e faz melhores? Cada um de nós possui, nas profundezas de seu ser, como que uma fresta rasgada sobre o infinito. No estado de desprendimento psíquico – sonho, êxtase, transe – o círculo de nossas percepções se pode dilatar em proporções incalculáveis; entramos em contacto com a imensa hierarquia das almas e dos poderes celestes. Gradual e sucessivamente, pode o espírito remontar até à Causa das causas, à Inteligência divina, para quem o passado, o presente e o futuro se confundem num todo único, e que do conjunto dos fatos conhecidos sabe deduzir todas as conseqüências que comportam.


XIV


Visão e audição psíquicas no estado de vigília


A visão e audição psíquicas em estado de vigília estão ligadas aos fenômenos de exteriorização, neste sentido: necessitam de um começo de desprendimento no percipiente. Não se trata mais de fatos fisiológicos ou de manifestações do ser vivo, a distância, e sim de uma das formas de mediunidade.


Na visão espírita, a alma do sensitivo já se acha parcialmente exteriorizada, isto é, fora do organismo material. Sua faculdade própria de visão se vem acrescentar ao sentido físico da vista. Às vezes a substituição deste pelo sentido psíquico é completa. Demonstra-o o fato de, em certos casos, o médium ver com os olhos fechados. Fui muitas vezes testemunha desse fenômeno.


Convém ter o cuidado de distinguir a clarividência da visão mediúnica. Acontece que sonâmbulos muito lúcidos, no que se refere aos seres e às coisas deste mundo, são inteiramente cegos a respeito de tudo o que concerne ao mundo dos Espíritos. Prende-se isso à natureza das irradiações fluídicas de seu invólucro exteriorizado e ao modo peculiar de adestramento a que os submete o magnetizador. É o que distingue o estado de simples lucidez do de mediunidade. Neste último caso, já não é o magnetismo humano que intervém. O vidente se acha sob a influência do Espírito que sobre ele opera, visando produzir determinada manifestação. Provocando o estado de semidesprendimento, faculta ao sensitivo a visão espiritual.


O sentido psíquico, como vimos, é muito mais sutil que o sentido físico; pode distinguir formas, radiações, combinações da matéria que a vista normal não seria capaz de perceber. Para tornar mais distinta sua aparição, o Espírito muitas vezes recorre a um começo de materialização. Objetiva-se mediante as forças hauridas nos assistentes. Nessas condições, sua forma fluídica penetra no campo visual do médium e pode mesmo, em certos casos, impressionar a placa fotográfica.


Os videntes descrevem os Espíritos com particularidades que são outros tantos elementos de comprovação. Depois vem a fotografia confirmar, ao mesmo tempo, a fidelidade da descrição e a identidade dos Espíritos que se manifestam. Estes são muitas vezes desconhecidos dos médiuns.


No grupo de estudos psíquicos de Tours,xcii de 1897 a 1900, possuíamos três médiuns videntes, auditivos e de incorporação. Antes de adormecerem, feita a obscuridade, eles divisavam, ao pé de cada um dos assistentes, Espíritos de parentes ou de amigos que nomeavam quando os conheciam, ou que descreviam minuciosamente quando os viam pela primeira vez. Nesse caso, a descrição era tal que, conforme a atitude ou o vestuário, os assistentes reconheciam facilmente a personalidade do manifestante. Além disso, os médiuns ouviam e transmitiam a linguagem dos Espíritos e os desejos que estes formulavam.


A impressão produzida nos videntes variava de modo muito sensível, conforme o desenvolvimento das faculdades mediúnicas ou o adiantamento dos Espíritos. Onde uns só distinguiam um ponto brilhante, uma chama, outro via uma forma radiosa. O mesmo acontecia com a audição, que variava de intensidade e precisão conforme os sensitivos. Enquanto um não percebia mais que um vago som, uma simples vibração, outro escutava uma harmonia doce e penetrante que o comovia até às lágrimas.


O estado de adiantamento do Espírito, como o sabemos, se revela, à primeira vista, no Espaço, pelo brilho ou obscuridade do seu invólucro. Em nossas experiências, já os videntes reconheciam o grau de elevação das almas pela intensidade de suas irradiações. Muitas vezes fizemos este reparo: médium acordado, com os olhos abertos, percebia um certo número de Espíritos de todas as ordens. Fechados os olhos, distinguia somente alguns deles, os mais adiantados, aqueles cujas irradiações sutis – a exemplo dos raios X em relação às placas fotográficas – podiam, através das pálpebras cerradas, influenciar o sentido visual.xciii


*


A História está cheia de fenômenos de visão e de aparição. Na Judéia, a sombra de Samuel exorta Saul. No mundo latino aparecem fantasmas a Numa, Brutus e Pompeu. Os anais do Cristianismo são ricos em fatos desse gênero.xciv


Na Idade Média os mais notáveis fenômenos de visão e audição conhecidos são os de Joana d'Arc. A essa virgem incomparável, o mais portentoso dos médiuns que já produziu o Ocidente, é que se deverá sempre recorrer, toda vez que se quiser citar brilhantes provas da intervenção do mundo invisível em nossa História.


A vida inteira da heroína está cheia de aparições e vozes, sempre idênticas, e que jamais são desmentidas. Nos vales de Domrémy, nos campos de batalha, em presença de seus argüidores de Poitiers e dos juízes de Ruão, por toda parte a assistem e inspiram os Espíritos. Suas “vozes” ressoam-lhe aos ouvidos, marcando sua tarefa cotidiana e imprimindo à sua vida uma direção precisa e um glorioso objetivo. Elas anunciam acontecimentos que, sem exceção, se realizam. Em seu doloroso encarceramento, essas vozes a encorajam e consolam: “Leva tudo com paciência; não te inquietes com o teu martírio; chegarás por fim ao reino do paraíso”.xcv E os juízes, a quem ela comunica esses colóquios, aparecem desassossegados com semelhante predição, cujo sentido compreendem.


A todas as perguntas pérfidas, insidiosas, que lhe dirigem, as vozes ditam a resposta e, se esta se fez esperar, ela o declara: “Louvar-me-ei em meu conselho.”

Quando as vozes se calam, abandonada a si mesma, ela não é mais que uma mulher; fraqueja, se retrata, se submete. Durante a noite, porém, a voz se faz novamente ouvir. E ela o repete aos seus juízes: “A voz me disse que era pecado abjurar; o que eu fiz está bem feito.”


*


Certos sensitivos só obtêm a visão por meio de objetos em que se concentra o pensamento dos Espíritos sob a forma de imagens ou quadros, como, por exemplo, um copo d'água, um espelho, um cristal. Quando o Espírito é impotente para fazer vibrar o cérebro do médium ou provocar uma exteriorização suficiente, impregna de fluidos os objetos que acabamos de indicar; faz, pela ação da vontade, aparecerem imagens, cenas muito nítidas, que o sensitivo descreverá em suas menores particularidades e que outros assistentes poderão igualmente ver.xcvi


Eis aqui um dos casos mais notáveis, assinalado pelo “Light” de 16 de fevereiro de 1901. O Espírito de um homem assassinado faz encontrarem seu corpo, a princípio por meio da visão no cristal, e depois, diretamente, pelos sentidos psíquicos do médium:


“O Sr. Perey-Foxwell, corretor de câmbio, residente em Thames Ditton, a pequena distância de Londres, saiu de casa no dia 20 de dezembro de 1900, pela manhã, e dirigiu-se para seu escritório, na cidade. Ai não apareceu ele nesse dia nem nunca mais. Verificado o seu desaparecimento, a polícia procedeu a longas e minuciosas pesquisas, mas inutilmente.


Desesperançada, a Sra. Foxwell recorreu a um médium, o Sr. Von Bourg, que obteve, em um espelho, a visão do corretor de câmbio, vivo, e depois o seu corpo debaixo d’água.


Numa outra sessão o médium vê um Espírito de pé junto à Sra. Foxwell, indicando com insistência um relógio, uma cadeia e berloques que tem na mão. Naquele se vê gravado um nome. A Sra. Foxwell, pela descrição, reconhece seu marido e o relógio, graças ao qual pôde mais tarde ser o corpo identificado. O Espírito pede que procurem seu despojo e promete conduzir o médium ao lugar em que foi lançado à água.


Faz-se uma nova reunião, e o Espírito desenha, pelo punho do Sr. Von Bourg, a planta do caminho que será preciso percorrer. Acompanhado de muitos amigos do finado, o médium toma esse caminho e segue-lhe todas as sinuosidades. Experimenta a repercussão muito viva das impressões sentidas pela vítima. No próprio local em que esta foi ferida, quase perdeu os sentidos. Tiveram que percorrer diversas veredas, contornar casas, transpor barreiras, como o haviam feito os assassinos. Toda vez que vacilavam na direção a tomar, os médiuns, Srs. Von Bourg e Knowles, “viam claramente o Espírito adiante deles indicando o caminho”. Chegaram finalmente à borda de um riacho, de águas tranqüilas e profundas. “É aqui!” declararam os médiuns. Mas havia já anoitecido, e foi preciso voltar ao ponto de partida.


No dia seguinte fizeram-se pesquisas. Indivíduos munidos de varas sondaram o fundo do riacho; e, pouco depois, abaixo do sitio em que se faziam as sondagens, mesmo no lugar em que o riacho se encontra com o Tamisa, viu-se boiar um cadáver à flor d’água. Um relógio, encontrado com o fúnebre despojo, permitiu reconhecer o corpo do Sr. Foxwell.


Uma permanência de seis semanas debaixo d’água dera lugar à decomposição das carnes. O corpo se achava revestido com os objetos descritos pelo médium. Pôde-se então reconhecer a identidade, não somente pela presença do relógio e dos berloques, como também por certas particularidades observadas nos dentes, etc.”


O professor Bessi relata na “Revue des Études Psychiques” (maio de 1901) um outro fenômeno de visão espontânea, de que foi testemunha em uma casa mal-assombrada da Úmbria. O caso é tanto mais digno de nota quanto o professor, segundo sua própria confissão, era absolutamente refratário a toda idéia espírita:


“Trabalhava ele alta noite, escrevendo as derradeiras páginas de uma brochura que ia publicar, quando de repente se apagou a lâmpada. O gabinete continuava, entretanto, iluminado por débil claridade um tanto fosca. Diante dele um espelho refletia uma luz ainda mais viva e, com ela, um quarto e móveis que lhe eram desconhecidos. Uma senhora idosa, sentada em frente a uma mesa, escrevia lentamente, em atitude muito absorta; meteu depois a folha escrita em um envelope, que guardou na gaveta. Por último encostou a cabeça no espaldar da poltrona e pareceu adormecer. A luz se extinguiu e a visão desapareceu.


Horas depois, vinha o professor a ter notícia do falecimento de uma tia de sua mulher, a qual havia sido encontrada morta, em sua poltrona, encontrando-se também na gaveta da mesa um testamento ológrafo.


“Das respostas pelo Sr. Bessi dadas às perguntas que lhe dirigi – diz o Sr. César de Vesme, diretor da Revue des Etudes Psychiques –, resulta que a visão se produziu à meia-noite, e que a senhora idosa foi encontrada morta às primeiras horas da manhã.” O agente teria sido, por conseguinte, a própria finada, amparada por alguma assistência oculta; e como só o Sr. Bessi estava acordado em casa, à hora da manifestação, foi ele o único que a apreciou.”


O órgão da audição, em condições idênticas ao fenômeno da visão, pode ser igualmente influenciado pelos Espíritos. Myers refere o seguinte fato:xcvii


“Lady Caidly, na ocasião de tomar um banho, achando-se já fechada no banheiro e despida, ouviu uma voz estranha e claramente distinta que dizia: “Puxe o ferrolho!” Ela ficou surpreendida e olhou para todos os lados, mas em vão. Quando se meteu no banho, ouviu ainda a voz repetir três vezes seguidas, com insistência crescente: “Puxe o ferrolho!” Saiu então da banheira e puxou o ferrolho. Mas ao voltar ao banho, perdeu os sentidos e caiu com a cabeça dentro d’água. Por fortuna pôde, na queda, puxar o cordão da campainha. A criada de quarto acudiu. Se a porta estivesse trancada, ela se teria infalivelmente afogado.”


O Sr. François Coppée, o poeta acadêmico, ouviu muitas vezes uma voz misteriosa. É o que nos informa o Sr. Jules Bois em sua pesquisa sobre “L'Au-de là et lês forces inconnues”, publicada pelo jornal “Le Matin” (7 de outubro de 1901) :


“É sempre quando estou deitado – escreve o poeta – e pouco depois de ter apagado a luz, que se produz o fenômeno. Ouço então distintamente uma voz que me chama por meu apelido de família: Coppée!


É absolutamente certo que eu não estou dormindo nesse momento; e a prova é que, apesar da viva emoção e do acelerado palpitar do coração que sinto, tenho sempre retorquido imediatamente: “Quem está aí? Quem me fala?” Mas nunca a voz acrescentou coisa alguma no seu simples chamado.


Essa voz me é desconhecida. Não me faz lembrar a voz de meu pai, nem a de minha mãe, nem a de qualquer outra pessoa que particularmente me estimasse, ou que eu amasse extremosamente e que já não exista. Mas, repito-o, é clara e distinta, e, o que é verdadeiramente notável, e vo-lo asseguro, espantoso, pela inflexão que dá ao meu nome, tão breve como é, parece corresponder ao sentimento que me anima.


Só muito raramente me tem acontecido ouvir essa voz, e em circunstâncias bastantes graves da minha vida moral, quando acabrunhado por um desgosto ou descontente de mim mesmo. E sempre a voz traduziu uma expressão, ou compadecida ou de reprovação, já seja condoendo-se da minha aflição, ou censurando meu sentimento mau. E nisso tenho a certeza a mais de que não é em sonho que ouço essa voz; porque nunca me falou senão quando precisamente eu me achava bem desperto por minhas preocupações.”


Em certos médiuns, o sentido psíquico pode apreender as vibrações mais sutis do pensamento dos Espíritos e mesmo perceber as penetrantes harmonias dos espaços e dos mundos, os concertos dos Espíritos celestes. A faculdade de audição se torna, às vezes, extensiva a todas as pessoas presentes.


Em sua “História do Espiritualismo na América”, a Sra. Hardinge-Britten refere que a Sra. Tamlin foi, nesse país, o primeiro médium por cuja intervenção se ouviram árias tocadas em instrumentos invisíveis com a maior perfeição. Os sons variavam, desde os mais intensos aos mais graves. Em certos momentos, dir-se-ia serem os acordes de uma harpa eólia. Parecia que os sons se iam transformar em voz humana de esquisita doçura.


Esses fatos se repetiam depois em meios muitíssimo diversos.


Durante as célebres sessões dadas por Jesse Shepard em todas as grandes capitais e em presença de vários soberanos, como nas do Dr. Sant'Angelo, em Roma, ouviram-se coros celestes e os acordes de múltiplos instrumentos invisíveis. Solos que eram entoados permitiam reconhecer as vozes de cantores ou cantoras falecidos.xcviii


Quase todos os grandes compositores são sensitivos, médiuns auditivos ou inspirados. Seus próprios testemunhos em tal sentido são dignos de fé.


Encontram-se em Goethe


(

“Cartas a um filho”) as seguintes particularidades acerca de Beethoven:


“Beethoven, referindo-se à fonte de que lhe provinha a concepção de suas obras-primas, dizia a Betina: “Sinto-me obrigado a deixar transbordar de todos os lados as ondas de harmonia provenientes do foco da inspiração. Procuro acompanhá-las e delas me apodero apaixonadamente; de novo me escapam e desaparecem entre a multidão de distrações que me cercam. Daí a pouco, torno a apreender com ardor a inspiração; arrebatado, vou multiplicando todas as modulações, e venho, por fim, a me apropriar do primeiro pensamento musical. Vede agora: é uma sinfonia...


“Tenho necessidade de viver só comigo mesmo. Sinto que Deus e os anjos estão mais próximos de mim, na minha arte, do que os outros. Entro em comunhão com eles, e sem temor. A música é o único acesso espiritual nas esferas superiores da inteligência.”


“Em seguida a haver composto suas mais suaves harmonias, exclamava ele: – “Tive um êxtase.”


Mozart, por sua vez, numa de suas cartas a um amigo íntimo, nos inicia nos mistérios da inspiração musical:xcix


“Dizes que desejarias saber qual o meu modo de compor e que método sigo. Não te posso verdadeiramente dizer a esse respeito senão o que se segue, porque eu mesmo nada sei e não mo posso explicar.


Quando estou em boas disposições e inteiramente só, durante o meu passeio, os pensamentos musicais me vêm com abundancia. Ignoro donde procedem esses pensamentos e como me chegam; nisso não tem a minha vontade a menor intervenção.”


No declínio de sua vida, quando já sobre ele se estendia a sombra da morte, em um momento de calma, de perfeita serenidade, ele chamou um de seus amigos que se achavam no quarto: “Escuta – disse ele – estou ouvindo música.” O amigo lhe respondeu: “Não ouço nada.” Mozart, porém, tomado de arroubo, continua a perceber as harmonias celestes. E seu pálido semblante se ilumina. Cita depois o testemunho de S. João: “E eu ouvi música no céu!” v

Foi então que compôs o seu “Requiem”. Logo que o concluiu, chamou sua filha Emelia e lhe disse: “Vem, minha Emelia, minha tarefa está terminada: meu “Requiem” está concluído!” Sua filha cantou algumas estrofes; depois, quando terminou, demorando-se nas notas melancólicas e profundas do trecho, voltou-se docemente a procurar o sorriso aprobativo de seu pai, mas só encontrou o sorriso calmo e repousado da morte. Mozart não era mais deste mundo.c


Massenet, a propósito de seu poema sinfônico “Visões”, interpretado em Leeds, em 1898, escrevia estas linhas reproduzidas pelo “Light”, de Londres, 1898:


“Há alguma coisa de mais ou menos experimental nesta composição, e eu desejo que os primeiros que a ouvirem não formem a seu respeito uma idéia falsa. Vou referir-vos a história da sua gênese. Há muito pouco tempo viajava eu no Simplon. Tendo chegado a um pequeno hotel, situado em meio das montanhas, tomei a resolução de aí passar alguns dias numa tranqüilidade absoluta.


Instalei-me, pois, para gozar um pouco de repouso; mas na primeira manhã, enquanto estava sentado, sozinho, em meio desse majestoso silêncio das montanhas, escutei uma voz. Que cantava ela? Não sei. Mas sempre essa voz espiritual, estranha, me ressoava aos ouvidos, e eu fiquei absorto em um sonho, nascido da voz e da solidão das montanhas.”


Massenet e Mozart recebiam, pois, as inspirações do exterior, independentemente de sua vontade.


Pode-se dizer que a intervenção do Alto, a comunhão do Céu e da Terra se afirmam de mil modos na concepção do pensamento e do gênio, para a vitória do belo e a realização do ideal divino.


É esta uma verdade de todos os tempos. Até agora foi imperfeitamente compreendida. Mas a luz se faz e, dentro em pouco, a Humanidade se adiantará, mais cheia de confiança, por essa via fecunda. A comunhão entre os mortos e os Espíritos inspiradores tornar-se-á mais efetiva, mais consciente, e com isso ganhará em vigor e amplitude a obra humana.


XV


A força psíquica - Os fluidos - O magnetismo


O estudo dos fenômenos espíritas nos fez conhecer estados de matéria e condições de vida que a Ciência havia por longo tempo ignorado. Ficamos sabendo que, além do estado gasoso e mesmo do estado radiante descoberto por W. Crookes, a matéria, tornada invisível, imponderável, se encontra sob formas cada vez mais sutis, que denominamos “fluidos”. À medida que se rarefaz, adquire novas propriedades e uma capacidade de irradiação sempre crescente; torna-se uma das formas da energia. É sob esse aspecto que se revela na maior parte das experiências de que falaremos nos capítulos seguintes.


Quando um Espírito se manifesta no meio humano, só o pode fazer com o auxílio de uma força haurida nos médiuns e nos assistentes.


Essa força é gerada pelo corpo fluídico. Tem sido alternativamente designada sob os nomes de força magnética, nêurica, etérica; chamar-lheemos, por nossa parte, força psíquica, pois que obedece à vontade, que é de fato o seu motor; os membros lhe servem de agentes condutores; ela se desprende mais particularmente dos dedos e do cérebro.


Existe em cada um de nós um foco invisível cujas radiações variam de intensidade e amplitude conforme nossas disposições mentais. A vontade lhes pode comunicar propriedades especiais; nisso reside o segredo do poder curativo dos magnetizadores.


A estes, efetivamente, é que em primeiro lugar se revelou essa força, em suas aplicações terapêuticas. Reichenbach a estudou em sua natureza e deulhe o nome de “od”. William Crookes foi o primeiro a medir-lhe a intensidade.ci


Os médiuns de efeitos físicos exteriorizam essa força em grande abundância; todos nós, porém, a possuímos em diversos graus. Mediante essa força é que se produz a suspensão de mesas ao ar, a mudança de objetos, sem contacto, de um lugar para outro, o fenômeno dos transportes, a escrita direta em ardósia, etc. É constante a sua ação em todas as manifestações espíritas.


Os eflúvios do corpo humano são luminosos, coloridos de tonalidades diferentes – dizem os sensitivos, que os distinguem na obscuridade. Certos médiuns os vêem, mesmo em plena luz, a escapar-se das mãos dos magnetizadores. Analisados ao espectroscópio, a extensão de suas ondas tem sido determinada segundo cada uma das cores.


Esses eflúvios formam em torno de nós camadas concêntricas que constituem uma espécie de atmosfera fluídica. É a “aura” dos ocultistas, ou fotosfera humana, pela qual se explica o fenômeno de exteriorização da sensibilidade, estabelecida pelas numerosas experiências do Coronel De Rochas, do Dr. Luys, do Dr. Paul Joire, etc.cii


O Dr. Baraduc fabricou um aparelho, denominado biômetro, com o qual conseguiu medir a força psíquica.


Esse aparelho compõe-se de uma agulha de cobre suspensa por um fio de seda, acima de um quadrante numerado, tudo isso disposto sob um globo de vidro, ao abrigo do ar e das influências exteriores. Nessas condições, a agulha pode ser influenciada sem contacto, através do vidro, pelas radiações que se escapam da mão do experimentador, colocado a distância. Por esse processo se obtêm desvios da agulha, que variam entre 40 e 75 graus, nos dois sexos, sendo a agulha atraída ou repelida conforme o estado de saúde ou as disposições mentais das pessoas. Em geral, a mão direita atrai e a esquerda repele.


A força invisível pode influenciar a agulha através de um pedaço de vidro de dez centímetros de espessura, através de uma lamina de mica, de alúmen, de colódio isolador, etc.


O Dr. Baraduc ciii efetuou, no espaço de dez anos, mais de duas mil experiências que lhe permitiram estabelecer, com a mais rigorosa exatidão, a existência dessa força e a intensidade de sua emissão ou o grau de atração sobre ela exercida, segundo o vigor ou a debilidade de nossa natureza.civ


As experiências de W. Crookes ainda são mais demonstrativas. Operando em seu próprio laboratório com o médium Home, serviu-se o eminente sábio de uma balança de grande precisão. A mão do médium chegou a influenciar o aparelho, sem contacto, a ponto de produzir desvios de uma das conchas e aumento de peso até oito libras. As experiências foram repetidas múltiplas vezes, sob as mais rigorosas condições de verificação, em presença de várias testemunhas, com o auxílio de aparelhos construídos com o máximo cuidado e de uma extrema sensibilidade. Todas as precauções foram tomadas para excluir a possibilidade de qualquer fraude.cv


As irradiações da força psíquica podem ser fotografadas. Se, em completa obscuridade, se coloca a mão acima de uma placa sensível imergida no banho revelador, ao fim de alguns minutos de exposição verifica-se que a placa se acha impressionada. Se a ela aderiram os dedos, da mancha que cada um deles produzir se vê, como de outros tantos focos, desprenderem-se, e irradiarem em todos os sentidos, ondulações, espirais, o que demonstra que a força psíquica, como os raios ultravioleta ou os raios Roentgen, atua sobre os sais de prata.


Esse fenômeno foi posto em evidência, pela primeira vez, em 1872, pelas experiências dos Srs. Beattie,cvi Taylor, Dr. Thompson, professor Wagner, etc. O Sr. De Rochas o obteve no curso de suas experiências com a Sra.Lux.cvii


A placa colocada a seco sobre a fronte, o coração ou a mão, lhes reproduz as irradiações conforme a intensidade dos pensamentos, dos sentimentos, das emoções. A cólera, a dor, o êxtase, a prece e o amor têm suas irradiações especiais.cviii


Assim, a placa fotográfica, esse “olhar lançado ao invisível”, vem a ser o irrecusável testemunho da irradiação da alma humana.


*

Negado muito tempo pelas corporações doutas, como negadas foram, por elas, a circulação do sangue, a vacina, o método anti-séptico e tantas outras descobertas, o magnetismo, tão antigo quanto o mundo, acabou por penetrar no domínio científico sob o nome de hipnotismo.


É verdade que os processos diferem. No hipnotismo, é pela sugestão que se atua sobre o sensitivo, a princípio para o adormecer, e em seguida para provocar fenômenos. A sugestão é a subordinação de uma vontade a outra. O sensitivo se abandona ao experimentador e executa suas ordens, expressas pela palavra e pelo gesto, ou simplesmente pelo pensamento. Pode-se obter o mesmo resultado com as práticas magnéticas. A única diferença consiste nos meios empregados. Os dos hipnotizadores são, antes de tudo, violentos. Se podem curar certas afecções – e não é possível desconhecer que sua aplicação à terapêutica tenha dado resultados apreciáveis –, na maior parte das vezes ocasionam desordens no sistema nervoso e, com a continuação, desequilibram o sensitivo, ao passo que os eflúvios magnéticos, bem dirigidos, quer em estado de vigília, quer no sono, restabelecem com freqüência a harmonia nos organismos perturbados.


Vimos que a sugestão pode ser exercida de perto ou de longe, tanto no plano visível quanto no invisível, quer por operadores humanos, quer por agentes ocultos. Permitindo ao indivíduo agir mentalmente sobre outro, sem o concurso dos sentidos, ela nos faz melhor compreender a ação do Espírito sobre o médium. O que, com efeito, pode obter o homem, cuja ação e poder são limitados, mesquinhos, restritos, uma inteligência desembaraçada dos obstáculos da matéria grosseira muito melhor o poderá: conseguirá influenciar o sensitivo, inspirá-lo, servir-se dele para realizar os fins a que se propõe.


O magnetismo, considerado em seu aspecto geral, é a utilização, sob o nome de fluido, da força psíquica por aqueles que abundantemente a possuem.


A ação do fluido magnético está demonstrada por exemplos tão numerosos e comprovativos que só a ignorância ou a má-fé poderiam hoje lhe negar a existência. Citemos um caso entre mil:cix


“O Sr. Boirac, reitor da Academia de Grenoble, foi vice-presidente da Sociedade Hipnótica de Paris e abandonou o hipnotismo pelo magnetismo depois da seguinte experiência: entrando em casa, um dia, à tarde, encontrou seu criado a dormir. O Sr. Boirac o avistou desde o patamar da escada em que se achava e teve a idéia de tentar uma experiência magnética. Do lugar onde estava estendeu a mão direita na direção e à altura dos pés do criado adormecido. Após um ou dois minutos, tendo levantado a mão, viu, com surpresa, elevarem-se os pés do criado e acompanharem o movimento ascensional da mão. Renovou diversas vezes a experiência, e de todas elas os resultados foram idênticos.”


A vontade de aliviar, de curar – dissemos – comunica ao fluido magnético propriedades curativas. O remédio para os nossos males está em nós. Um homem bom e sadio pode atuar sobre os seres débeis e enfermiços, regenerá-los por meio de sopro, pela imposição das mãos e mesmo mediante objetos impregnados da sua energia. Opera-se mais freqüentemente por meio de gestos, denominados passes, rápidos ou lentos, longitudinais ou transversais, conforme o efeito, calmante ou excitante, que se quer produzir nos doentes. Esse tratamento deve ser seguido com regularidade e as sessões renovadas todos os dias até a cura completa.


Pode assim a pessoa, pela automagnetização, tratar-se a si mesma, descarregando com o auxílio de passes ou de fricções os órgãos enfraquecidos e impregnando-os das correntes de força desprendidas das mãos.


A fé vivaz, a vontade, a prece e a evocação dos poderes superiores amparam o operador e o sensitivo. Quando ambos se acham unidos pelo pensamento e pelo coração, a ação curativa é mais intensa.


A exaltação da fé, que provoca uma espécie de dilatação do ser psíquico e o torna mais acessível aos influxos do Alto, permite admitir e explicar certas curas extraordinárias operadas nos lugares de peregrinação e nos santuários religiosos. Esses casos de curas são numerosos e baseados em testemunhos muito importantes para que se possa a todos pôr em dúvida. Não são peculiares a tal ou tal religião: encontram-se indistintamente nos mais diversos meios: católicos, gregos, muçulmanos, hindus, etc.


Livre de todo acessório teatral, de todo móvel interesseiro, praticado com o fim de caridade, o magnetismo vem a ser a medicina dos humildes e dos crentes, do pai de família, da mãe para seus filhos, de quantos sabem verdadeiramente amar. Sua aplicação está ao alcance dos mais simples. Não exige senão a confiança em si, a fé no Poder Infinito que por toda a parte faz irradiar a vida e a força. Como o Cristo e os apóstolos, como os santos, os profetas e os magos, todos nós podemos impor as mãos e curar, se temos amor aos nossos semelhantes e o desejo ardente de os aliviar.


Quando o paciente se acha adormecido sob a influência magnética e parece oferecer-se à sugestão, não a empregueis senão com palavras de doçura e de bondade. Persuadi, em lugar de intimar. Em todos os casos, recolhei-vos em silêncio, sozinho com o paciente, e apelai para os Espíritos benfazejos que pairam sobre as dores humanas. Então sentireis descer do Alto sobre vós e propagar-se ao sensitivo o poderoso influxo. Uma onda regeneradora penetrará por si mesma até à causa do mal; e demorando, renovando semelhante ação, tereis contribuído para aligeirar o fardo das misérias terrestres.


Quando se observa o grande poder do magnetismo curativo e os serviços que já tem prestado à Humanidade, sente-se que nunca seria demasiado protestar contra as tendências dos poderes públicos, em certos países, no sentido de lhe embaraçar o livre exercício. Assim procedendo, eles violam os mais respeitáveis princípios, calcam aos pés os sagrados direitos do sofrimento. O magnetismo é um dom da Natureza e de Deus. Regular-lhe o uso, coibir os abusos, é justo. Impedir, porém, a sua aplicação seria usurpar a ação divina, atentar contra a liberdade e o progresso da Ciência e fazer obra de obscurantismo.


*


O magnetismo não se limita, unicamente à ação terapêutica; tem um alcance muito maior. É um poder que desata os laços constritores da alma e descerra as portas do mundo invisível; é uma força que em nós dormita e que, utilizada, valorizada por uma preparação gradual, por uma vontade enérgica e persistente, nos desprende do pesadume carnal, nos emancipa das leis do tempo e do espaço, nos dá poder sobre a Natureza e sobre as criaturas.


O sono magnético tem diversas graduações, que se desdobram e vão do sono ligeiro até ao êxtase e ao transe. O Coronel De Rochas considera os três primeiros graus como superficiais e constitutivos da hipnose. A sugestão é aplicável a esses estados; desde que, porém, aos processos hipnóticos se acrescentam os dos magnetizadores, fenômenos superiores se apresentam: catalepsia, sonambulismo, transe. No primeiro caso, verifica-se o estado favorável às manifestações espíritas: materializações de Espíritos, aparições de clarões, mãos, fantasmas, etc.; no segundo, apresenta-se a lucidez, o estado de clarividência, que permite ao médium guiar o magnetizador em sua ação curativa, descrevendo a natureza das enfermidades, indicando remédios, etc.cx


Nos estados superiores do sonambulismo, o sensitivo escapa à ação do magnetizador e readquire sua liberdade própria, sua vida espiritual. Quanto mais se acentua o desprendimento do corpo fluídico, mais inerte se torna o corpo físico, em um estado semelhante à morte. Ao mesmo tempo, os pensamentos, as sensações se apuram, a repulsa à vida terrestre se manifesta. A volta ao organismo provoca cenas pungitivas, acessos de lágrimas, amargos queixumes.


O mundo dos fluidos, mais que qualquer outro, está submetido às leis da atração. Pela vontade, atraímos forças boas ou más, em harmonia com os nossos pensamentos e sentimentos. Delas se pode fazer uso formidável; mas aquele que se serve do poder magnético para o mal, cedo ou tarde o vê contra si próprio voltar-se. A influência perniciosa exercida sobre os outros, em forma de sortilégios, de feitiçaria, de enguiço, recai fatalmente sobre aquele que a engendrou.


Em hipnotismo, como em magnetismo, se o operador não tem intenções puras, caráter reto, a experimentação será arriscada tanto para ele quanto para o sensitivo.


Não penetreis, pois, nesse domínio sem a pureza de coração e a caridade. Nunca ponhais em ação as forças magnéticas, sem lhes acrescentar o impulso da prece e um pensamento de amor sincero por vossos semelhantes. Assim procedendo, estabelecereis a harmonia de vossos fluidos com o dinamismo divino e tornareis sua ação mais profunda e eficaz.


Pelo magnetismo transcendente – o dos grandes terapeutas e dos iniciados – o pensamento se ilumina; sob o influxo do Alto os nossos sentimentos se exaltam; uma sensação de calma, de vigor, de serenidade nos penetra; a alma sente, pouco a pouco, dissiparem-se todas as mesquinhas subalternidades do “eu” humano e surgirem os aspectos superiores de sua natureza. Ao mesmo tempo em que aprende a esquecer-se de si, em benefício e para salvação dos outros, sente despertarem-se-lhe novas e desconhecidas energias.


Possa o magnetismo benfazejo desenvolver-se na Terra, pelas aspirações generosas e pela elevação das almas! Tenhamos bem presente que toda idéia contém no estado potencial sua realização, e saibamos comunicar a nossas vibrações fluídicas a irradiação de nobres e elevados pensamentos. Que uma vigorosa corrente ligue entre si as almas terrestres e as vincule a suas irmãs mais velhas do Espaço! Então as maléficas influências, que retardam a marcha e o progresso da Humanidade, se dispersarão sob os influxos do espírito de amor e sacrifício.


 


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