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IV


A mediunidade


Todas as manifestações da Natureza e da vida se resumem em vibrações, mais ou menos rápidas e extensas, conforme as causas que as produzem. Tudo vibra no Universo: a luz, o som, o calor, a eletricidade, os raios químicos, os raios catódicos, as ondas hertzianas, etc., não são mais que diferentes modalidades de ondulação, graus sucessivos, que em seu conjunto constituem a escala ascensional das manifestações da energia.


Esses graus são muito afastados entre si. O som percorre 340 metros por segundo; a luz, no mesmo tempo, faz o percurso de 300.000 quilômetros; a eletricidade se propaga com uma rapidez que se nos afigura incalculável. Os nossos sentidos físicos, porém, não nos permitem perceber todos os modos de vibração. Sua impotência para dar uma impressão completa das forças da Natureza é um fato suficientemente conhecido para que tenhamos necessidade de insistir sobre esse ponto.


Só no domínio da óptica, sabemos que as ondas luminosas não nos impressionam a retina senão nos limites das sete cores. Certas radiações solares escapam à nossa vista; chamam-se, por isso, raios obscuros.


Entre o limite dos sons, cujas vibrações alcançam de 20 a 20.000 por segundo, e a sensação de calor, que se mede por trilhões de vibrações, nada percebemos. O mesmo acontece entre a sensação de calor e de luz, que corresponde, na média, a 500 trilhões de vibrações por segundo.xxxiv


Nessa prodigiosa ascensão, os nossos sentidos representam paradas muitíssimo espaçadas, estações dispostas a consideráveis distâncias uma das outras, uma rota sem-fim. Entre essas diversas paradas, por exemplo, entre os sons agudos e os fenômenos de calor e de luz, destes, em seguida, até às zonas vibratórias afetadas pelos raios catódicos, há para nós como que abismos. Para seres, porém, dotados de sentidos mais sutis ou mais numerosos que os nossos, esses abismos, desertos e obscuros na aparência, não estariam preenchidos? Entre as vibrações percebidas pelo ouvido e as que nos impressionam a vista não há mais que o nada no domínio das forças e da vida universal?


Seria bem pouco sensato acreditá-lo, porque tudo em a Natureza se sucede, se encadeia e se desdobra, de elo em elo, por gradativas transições. Em parte alguma há salto brusco, hiato, vácuo. O que resulta destas considerações é simplesmente a insuficiência do nosso organismo, demasiado pobre para perceber todas as modalidades de energia.


O que dizemos das forças em ação no Universo aplica-se igualmente ao conjunto dos seres e das coisas em suas diversas formas, em seus diferentes graus de condensação ou de rarefação.


O nosso conhecimento do Universo se restringe ou amplia conforme o número e a delicadeza de nossos sentidos. O nosso organismo atual não nos permite abranger mais que limitadíssimo círculo do império das coisas. A maior parte das formas da vida nos escapa. Venha, porém, um novo sentido se nos acrescentar aos atuais, e imediatamente se há de o invisível revelar, será preenchido o vácuo, animado o que era soturna insensibilidade.


Poderíamos mesmo possuir sentidos diferentes que, por sua estrutura anatômica, modificariam totalmente a natureza de nossas sensações atuais, de modo a nos fazer ouvir as cores e saborear os sons. Bastaria para isso que no lugar e posição da retina um feixe de nervos pudesse ligar o fundo do olho ao ouvido.


Nesse caso ouviríamos o que vemos. Em lugar de contemplar o céu estrelado, perceberíamos a harmonia das esferas e não seriam por isso menos exatos os nossos conhecimentos astronômicos. Se os nossos sentidos, em lugar de separados, estivessem reunidos, não possuiríamos mais que um único sentido generalizado, que perceberia ao mesmo tempo os diversos gêneros de fenômenos.


Estas considerações, deduzidas das mais rigorosas observações científicas, nos demonstram a insuficiência das teorias materialistas. Pretendem estas fundar o edifício das leis naturais sobre a experiência adquirida mediante o nosso atual organismo, ao passo que, com uma organização mais perfeita, esta experiência seria bem diversa.


Pela simples modificação dos nossos órgãos, com efeito, o mundo, tal como o conhecemos, se poderia transformar e mudar de aspecto, sem que de leve a realidade total das coisas se alterasse. Seres constituídos de modo diferente poderiam viver no mesmo meio sem se verem, sem se conhecerem.


E se, em conseqüência do desenvolvimento orgânico de alguns desses seres, em seus diversos apropriados habitats, seus meios de percepção lhes permitissem entrar em relações com aqueles cuja organização é diferente, nada haveria nisso de sobrenatural nem de miraculoso, mas simplesmente um conjunto de fenômenos naturais, regidos por leis ainda ignoradas desses seres, entre os outros, menos favorecidos no que se refere ao conhecimento.


Ora, é o que precisamente se produz em nossas relações, com os Espíritos dos homens falecidos, em todos os casos em que é possível a um médium servir de intermediário entre as duas humanidades, visível e invisível. Nos fenômenos espíritas, dois mundos, cujas organizações e leis conhecidas são diferentes, entram em contacto, e assomando a essa linha divisória, a essa fronteira que os separava, mas que desaparece, o pensador ansioso vê desdobrarem-se perspectivas infinitas. Vê bosquejarem-se os elementos de uma ciência do Universo muito vasta e mais completa que a do passado, conquanto seja o seu prolongamento lógico; e essa ciência não vem destruir a noção das leis atualmente conhecidas, mas ampliá-la em vastas proporções, pois que traça ao espírito humano a rota segura que o conduzirá à aquisição dos conhecimentos e dos poderes necessários a firmar em sólidas bases sua tarefa presente e seu destino futuro.


*


Acabamos de aludir ao papel dos médiuns. O médium é o agente indispensável, com cujo auxílio se produzem as manifestações do mundo invisível.


Assinalamos a impotência dos nossos sentidos, desde que são aplicados aos estudos dos fenômenos da vida. Nas ciências experimentais, não tardou a ser preciso recorrer a instrumentos para suprir essa deficiência do organismo humano e ampliar o nosso campo de observação. Vieram assim o telescópio e o microscópio revelar-nos a existência do infinitamente grande e do infinitamente pequeno.


A partir do estado gasoso, a matéria escapava aos nossos sentidos. Os tubos de Crookes, as placas sensíveis nos permitem prosseguir os estudos no domínio, por muito tempo inexplorado, da matéria radiante.


Aí, por enquanto, se detêm os meios de investigação da ciência. Mais além, todavia, se entrevêem estados da matéria e da força que um instrumento aperfeiçoado, mais dia menos dia, nos tornará familiares.


Onde faltam ainda os meios artificiais, vêm certos indivíduos trazer ao estudo dos fenômenos vitais o concurso de preciosas faculdades. É assim que o sensitivo hipnótico representa o instrumento que tem permitido sondar as profundezas ainda misteriosas do eu humano, o proceder a uma análise minuciosa de todos os modos de sensibilidade, de todos os aspectos da memória e da vontade.


O médium vem, por sua vez, desempenhar um papel essencial no estudo dos fenômenos espíritas. Participando, simultaneamente, por seu invólucro fluídico, da vida do Espaço e, pelo corpo físico, da vida terrestre, é ele o intermediário obrigatório entre dois mundos.


O estudo, pois, da mediunidade prende-se intimamente a todos os problemas do Espiritismo; é mesmo a sua chave. O mais importante, no exame dos fenômenos, é distinguir a parte que é preciso atribuir ao organismo e à personalidade do médium e a que provém de uma intervenção estranha, e determinar em seguida a natureza dessa intervenção.


O Espírito, separado da matéria grosseira pela morte, não pode mais sobre ela agir; nem se manifestar na esfera humana sem o auxilio de uma força, de uma energia, que ele haure no organismo de um ser vivo. Toda pessoa suscetível de fornecer, de exteriorizar essa força, é apta para desempenhar um papel nas manifestações físicas – deslocamento de objetos sem contacto, transportes, sons de pancadas, mesas giratórias, levitações, materializações. É essa a mais comum, a mais generalizada forma da mediunidade; não requer nenhum desenvolvimento intelectual, nem adiantamento moral. É uma simples propriedade fisiológica, observada em pessoas de todas as condições. Em todas as formas inferiores da mediunidade o indivíduo é comparável, quer a um acumulador de força, quer a um aparelho telegráfico ou telefônico, transmissor do pensamento do operador.


A comparação é tanto mais exata quanto a força psíquica se esgota, como todas as forças não renovadas; a intensidade das manifestações está na razão direta do estado físico e mental do médium. Seria um erro considerar este como um histérico ou um doente; é simplesmente um indivíduo dotado de capacidades mais extensas ou de mais sutis percepções que outro qualquer.


A saúde do médium parece-nos ser uma das condições de sua faculdade. Conhecemos um grande número de médiuns que gozam perfeita saúde; temos notado mesmo um fato significativo, e é que, quando a saúde se lhes altera, os fenômenos se enfraquecem e cessam até de se produzir.


A mediunidade apresenta variedades quase infinitas, desde as mais vulgares formas até as mais sublimes manifestações. Nunca é idêntica em dois indivíduos e se diversifica segundo os caracteres e os temperamentos. Em um grau superior, é como uma centelha do céu a dissipar as humanas tristezas e esclarecer as obscuridades que nos envolvem.


A mediunidade de efeitos físicos é geralmente utilizada por Espíritos de ordem vulgar. Requer contínuo e atento exame. É pela mediunidade de efeitos intelectuais – inspiração escrita – que habitualmente nos são transmitidos os ensinos dos Espíritos elevados. Para produzir bons resultados, exige conhecimentos muito extensos. Quanto mais instruído e dotado de qualidades morais é o médium, maiores recursos facilita aos Espíritos. Em todos os casos, contudo, o indivíduo não é mais do que um instrumento; este, porém, deve ser apropriado à função de que é encarregado. Um artista, por mais hábil que seja, nunca poderá tirar de um instrumento incompleto mais que medíocre partido. O mesmo se dá com o Espírito em relação ao médium intuitivo, no qual um claro discernimento, uma lúcida inteligência, o saber mesmo, são condições essenciais.


Verdade é que se têm visto sensitivos escreverem em línguas desconhecidas ou tratar de questões cientificas e abstratas, muito acima de sua capacidade. São raros, porém, esses casos, que exigem grandes esforços da parte dos Espíritos. Estes preferem recorrer a intermediários maleáveis, aperfeiçoados pelo estudo, suscetíveis de os compreender e lhes interpretar fielmente os pensamentos.


Nessa ordem de manifestações, os invisíveis atuam sobre o intelecto do sensitivo e lhes projetam na esfera mental suas idéias. Às vezes os pensamentos se confundem; os dois Espíritos revestem uma forma, uma expressão, em que se acham reproduzidos o estilo e a linguagem habitual do médium. Ainda aí se requer escrupuloso exame. Será, todavia, fácil ao observador destacar, da insignificância de inúmeros ditados e do contingente pessoal dos sensitivos, o que pertence aos Espíritos adiantados, cujas comunicações revestem um caráter grandioso, um cunho de verdade muito acima das possibilidades do médium.


Nos fenômenos de transe ou do sonambulismo em seus diversos graus, os sentidos materiais vêm a ser pouco a pouco substituídos pelos sentidos psíquicos, os meios de percepção e de atividade aumentam em proporções tanto mais consideráveis quanto mais profundo é o sono e mais completo o desprendimento perispirituais.


Nesse estado, nada percebe o corpo físico; serve simplesmente de transmissor, quando o médium ainda pode exprimir suas sensações. Já na exteriorização parcial se produz esse fenômeno. No estado de vigília, sob a influência oculta, a tal ponto o invólucro fluídico do sensitivo se desprende e irradia que, permanecendo embora intimamente ligado ao corpo, começa a perceber as coisas ocultas aos nossos sentidos exteriores; é o estado de clarividência, ou dupla vista, de visão à distância através dos corpos opacos, audição, psicometria, etc.


Em mais elevadas graduações, no estado de hipnose, a exteriorização se acentua até ao desprendimento completo. A alma, liberta de sua prisão carnal, paira nas alturas; seus modos de percepção, subitamente recobrados, lhe permitem abranger um vasto círculo e se transporta com a rapidez do pensamento. A essa ordem de fenômenos pertence o estado de transe, que torna possível a incorporação de Espíritos desencarnados ao envoltório do médium, deixado livre, semelhante a um viajante que penetra em casa devoluta.


Os sentidos psíquicos, inativos no estado de vigília na maior parte dos homens, podem, entretanto, ser utilizados. Basta, para isso, abstrair-se das coisas materiais, cerrar os sentidos físicos a todo ruído e toda visão exterior e, por um esforço de vontade, interrogar esse sentido profundo em que se resumem todas as nossas faculdades superiores e que denominamos o sexto sentido, a intuição, a percepção espiritual. É por ele que entramos em contacto direto com o mundo dos Espíritos, mais facilmente que por qualquer outro meio; porque esse sentido constitui atributo da alma, o próprio fundo de sua natureza, e acha-se fora do alcance dos sentidos materiais, de que difere inteiramente.


A ciência menosprezou até hoje esse sentido – o mais belo de todos; e é por isso que se tem conservado ignorante de tudo o que se refere ao mundo do invisível. As regras que ela aplica ao plano físico serão insuficientes, sempre que as quiserem aplicar ao mundo dos Espíritos. Para penetrar neste, é preciso antes de tudo compreender que nós mesmos somos Espíritos e que não podemos entrar em relação com o universo espiritual senão pelos sentidos do espírito.


 


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