II
A marcha ascensional: os métodos de estudo
A reunião do Congresso Espírita e Espiritualista Internacional de Paris, em 1900,xxiv permitiu comprovar-se a vitalidade sempre crescente do Espiritismo. Delegados vindos de todos os pontos do mundo, representantes dos mais diversos povos nele expuseram os progressos das idéias em seus respectivos países, sua marcha ascensional mau grado aos obstáculos, às ruidosas conversões que opera, tanto entre os membros da Igreja como entre os sábios materialistas. Identicamente sucedeu no Congresso de Bruxelas, em 1910. Foi instituída uma Agência (Burcau) Internacional, com o fim de estabelecer permanentes relações entre as agremiações dos diferentes países e colher informações acerca do movimento espírita no mundo inteiro.
Apesar das negações e zombarias, a crença espírita se fortifica e engrandece. À medida, porém, que se propaga, torna-se mais acesa a luta entre negadores e convencidos. O mundo velho se sobressalta; sente-se ameaçado. A luta pela vida não é mais violenta que o conflito das idéias. A idéia antiquada, incompleta, agarra-se desesperadamente às posições adquiridas e resiste aos esforços da idéia nova, que quer ocupar o seu lugar ao Sol. As resistências se explicam pelos interesses de toda uma ordem de coisas que se sente combatida. Têm sua utilidade, porque tornam mais atilados os inovadores, mais ponderados os progressos do espírito humano.
Ora, o espírito humano tem como parte integrante do seu destino destruir e reconstruir sempre. Trabalha incessantemente na edificação de esplêndidos monumentos, que lhe servirão de abrigo, mas que, tornados insuficientes dentro em pouco, deverão ser substituídos por obras, concepções mais vastas, apropriadas ao seu constante desenvolvimento.
Todos os dias desaparecem individualidades, sistemas submergem na luta. Mas em meio das flutuações terrestres o roteiro da verdade se desdobra, traçado pela mão de Deus, e a Humanidade segue o rumo de seus inelutáveis destinos.
O Espiritismo, utopia de ontem, será a verdade de amanhã. Com ela familiarizados, os nossos pósteros esquecerão as lutas, os sofrimentos dos que lhe terão assegurado a posição ao mundo; a seu turno, porém, terão que sofrer e combater pela vitória de um ideal mais elevado. É a lei eterna do progresso, a lei da ascensão que conduz a alma humana, de estância em estância, de conquista em conquista, a uma soma sempre maior de luz, de experiência e de ciência. É a razão mesma da vida, a idéia máter que dirige a evolução das almas e dos mundos.
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À proporção que o Espiritismo se divulga, mais imperiosa se faz sentir a necessidade de estabelecer regras positivas, condições sérias de estudo e experimentação. É preciso evitar aos adeptos amargas decepções e a todos tornar acessíveis os meios práticos de entrar em relação com o mundo invisível.
Há dois meios para se adquirir a ciência de além-túmulo: de um lado o estudo experimental, de outro a intuição e o raciocínio, de que só as inteligências exercitadas sabem e podem utilizar-se. A experimentação é preferida pela grande maioria dos nossos contemporâneos. Está mais de acordo com os hábitos do mundo ocidental, bem pouco iniciado ainda no conhecimento das secretas e profundas capacidades da alma.
Os fenômenos físicos bem comprovados têm, para os nossos sábios, uma importância inigualável. Em muitos homens não pode a dúvida cessar nem o pensamento libertar-se do estado de entorpecimento, senão a poder do fato. O fato brutal, o fato autêntico vem subverter as idéias preconcebidas; obriga os mais indiferentes a investigar o problema de além-túmulo.
É necessário facilitar as pesquisas experimentais e o estudo dos fenômenos físicos, considerando-se, porém, como transição para manifestações menos terra-a-terra. Essas manifestações, ao mesmo tempo intelectuais e espirituais, constituem o lado mais importante do Espiritismo. Em suas variadas formas representam outros tantos meios de ensino, outros tantos elementos de uma revelação, sobre a qual se edifica uma noção da vida futura mais ampla e elevada que todas as concepções do passado.
O homem que chora a perda de seres caros, de que a morte o separou, procura antes de tudo uma prova da sobrevivência na manifestação dessas almas diletas ao seu coração e que para ele também se sentem atraídas pelo amor. Uma palavra afetuosa, uma prova moral, delas provenientes, farão muito mais para convencer que todos os fenômenos materiais.
Até agora, para a maioria dos homens, a crença na vida futura não havia sido mais que vaga hipótese, fé oscilante a todos os embates da crítica. As almas, depois de separadas dos corpos, eram apenas a seus olhos entidades mal definidas, enclausuradas em lugares circunscritos, inativas, sem objetivo, sem relações possíveis com a Humanidade.
Hoje sabemos, de ciência certa, que os Espíritos dos mortos nos rodeiam e se imiscuem em nossa vida. Aparecem-nos como verdadeiros seres humanos, providos de corpos sutis, tendo conservado todos os sentimentos da Terra, suscetíveis, porém, de elevação, tomando parte, de forma crescente, na obra e no progresso universais e possuindo energias consideravelmente superiores às de que dispunham em sua condição antiga de existência.
Sabemos que a morte não ocasiona mudança alguma essencial à natureza íntima do ser, que permanece, em todos os meios, o que a si mesmo se fez, levando para além do túmulo suas tendências, seus ódios e afetos, suas virtudes ou fraquezas, conservando-se ligado pelo coração aos que na Terra amou, sempre ansioso por aproximar-se deles.
A intuição profunda nos revela a presença dos amigos invisíveis e, num certo limite, nos permitia em nosso foro interno corresponder-nos com eles. A experimentação vai mais longe: proporciona meios de comunicação positivos e evidentes; estabelece entre os dois mundos, o visível e o oculto, uma comunhão que se vai ampliando à proporção que as faculdades mediúnicas se multiplicam e aperfeiçoam. Fortalece os laços de solidariedade que vinculam as duas Humanidades e lhes permite, por meio de constantes relações, por contínua permuta de idéias, combinar suas forças, suas aspirações comuns, orientá-las no sentido de um mesmo grandioso objetivo e trabalhar conjuntamente por adquirir mais luz, mais elevação moral e, conseguintemente, mais felicidade para a grande família das almas, de que homens e Espíritos são membros.
Força é, todavia, reconhecer que a prática experimental do Espiritismo é inçada de dificuldades. Exige qualidades de que não são dotados muitos homens: espírito de método, perseverança, perspicácia, elevação de pensamentos e de sentimentos. Alguns só chegam a adquirir a cobiçada certeza, depois de repetidos insucessos; outros a alcançam de um jato, pelo coração, pelo amor. Estes apreendem a verdade sem esforço, e dela nada mais os consegue desviar.
Sim, a Ciência é magnífica; nela encontram infinitas satisfações os investigadores perseverantes, a quem cedo ou tarde fornecerá ela a base em que as convicções sólidas se fundam. Entretanto, a essa ciência puramente intelectual, que estuda unicamente os corpos, é necessário, para assegurar-lhe o equilíbrio, acrescentar uma outra que se ocupa da alma e de suas faculdades afetivas. É o que fez o Espiritismo, que não é somente uma ciência de observação, mas também de sentimento e de amor, pois que se dirige ao mesmo tempo à inteligência e ao coração.
É por isso que os sábios oficiais, habituados às experiências positivas, operando com instrumentos de precisão e baseando-se em cálculos matemáticos, obtêm resultados menos facilmente e fatigam-se depressa em presença do caráter fugidio dos fenômenos. As causas múltiplas em ação nesse domínio, a impossibilidade de reproduzir os fatos à vontade, as incertezas, as decepções os desconcertam e fazem esmorecer.
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Raros foram, na França, durante muito tempo, nos círculos oficiais, os experimentadores emancipados das clássicas rotinas e dotados das qualidades necessárias para empreenderem com êxito essas delicadas observações. Todos os que procederam com perseverança e imparcialidade puderam verificar a realidade das manifestações dos denominados mortos. Ao publicar, porém, os resultados de suas investigações, só defrontaram na maioria das vezes com a incredulidade, a indiferença ou a zombaria.
Os homens de ciência, para explicar os fatos espíritas, têm amontoado sistemas sobre sistemas e recorrido às mais inverossímeis hipóteses, torturando os fenômenos para os acomodar no leito de Procusto de suas concepções.
Daí a criação de tantas singulares teorias, desde o músculo rangedor de Jobert de Lamballe, as articulações estalantes, o automatismo psicológico, as alucinações coletivas, até a do subliminal. Essas teorias, mil vezes refutadas, renascem incessantemente. Dir-se-ia que os representantes da ciência oficial nada receiam tanto como ser obrigados a reconhecer a sobrevivência e intervenção dos Espíritos.
Sem dúvida, é prudente e de bom aviso examinar todas as explicações contrárias, esgotar todas as hipóteses, todas as outras possibilidades, antes de recorrer à teoria espírita. Ao começo, os experimentadores, em sua maior parte, entenderam poder dispensá-la; à medida, porém, que de mais perto examinavam o fenômeno, compreendiam que eram insuficientes as outras teorias e forçoso se tornava recorrer à explicação tão desdenhada.xxv Os outros sistemas se esboroavam um a um sob a pressão dos fatos.
Apesar de todas as dificuldades, pouco a pouco foi avultando o número dos investigadores conscienciosos, dos que tinham o espírito bastante livre e a alma suficientemente elevada para colocar a verdade acima de todas as considerações de escola ou de interesse pessoal. Dia a dia se têm visto sábios intrépidos romperem com o método tradicional e abordarem resolutamente o estudo dos fenômenos, tendo já conseguido incorporar a telepatia, a clarividência, a premonição e a exteriorização das forças ao domínio da ciência de observação.
Com o Coronel De Rochas, a França ocupa o primeiro plano no estudo da exteriorização da sensibilidade. Fundam-se, por toda parte, sociedades de estudos psíquicos. O cepticismo de antanho se atenua. Em certos momentos, um sopro de renovação parece animar o velho organismo científico.
Não nos fiemos nisso, todavia. Os sábios oficiais ainda não abordaram sem restrições esse domínio. O Sr. Duclaux, notável discípulo de Pasteur, o declarava em sua conferência de inauguração do Instituto Psíquico Internacional, a 30 de janeiro de 1901:
“Este Instituto será uma obra de crítica mútua, tendo por base a experiência. Não admitirá como descoberta científica senão a que puder ser, à vontade, repetida.”
Que significam essas palavras? Podem reproduzir-se à vontade os fenômenos astronômicos e meteorológicos? Aí estão, entretanto, fatos científicos. Por que essas reservas e empecilhos?
Em muitos casos o fenômeno espírita se produz com uma espontaneidade que frustra todas as previsões. Não é possível mais que registrá-lo; ele se impõe e escapa ao nosso domínio. Provocai-o, e ele se retrairá; mas, se não pensardes mais em tal, ei-lo que reaparece. Tais são quase todos os casos de aparições à distância e os fenômenos das casas mal-assombradas. Os fantasmas surgem e somem-se, indiferentes às nossas pretensões e exigências. Espera-se durante horas e nada se produz; feitos os preparativos de retirada, começam as manifestações.
A propósito do imprevisto dos fenômenos, recordemos o que dizia o Sr. Varley, engenheiro-chefe das linhas telegráficas da Grã-Bretanha.xxvi
“A Sra. Varley vê e reconhece os Espíritos, particularmente quando está em transe (estado de sonambulismo lúcido); é também muito boa médium de incorporação, mas sobre ela eu não exerço quase nenhuma influência para provocar esse estado, de sorte que me é impossível servirme de sua mediunidade para fazer experiências.”
É, pois, um modo errôneo de entender, fértil em desagradáveis conseqüências, considerar o Espiritismo um domínio em que os fatos se apresentem sempre idênticos, em que possam os elementos de experimentação ser dispostos à vontade. Fica-se, desse modo, exposto ao inconveniente de malogradas pesquisas, ou a colher incoerentes resultados.
Aplaudindo sinceramente o móvel que impele os homens instruídos a estudar os fenômenos psíquicos, não podemos contudo subtrair-nos a um certo receio: o de ver tornarem-se estéreis os seus esforços, se eles se não decidem a renunciar às suas preocupações habituais. Aqui está um exemplo.
O Sr. Charles Richet, que é um espírito resoluto e sagaz, depois de ter observado repetidas vezes os fatos produzidos com Eusápia Paladino e assinado as resenhas que autenticavam a sua realidade, não acaba por confessar que sua convicção, ao começo profunda, se enfraquece e torna-se vacilante algum tempo depois, sob o império dos hábitos de espírito contraídos no meio que lhe é familiar?
O público muito espera do novel instituto e dos sábios que o compõem. Trata-se não já de Psicologia elementar, mas da mais alta questão que jamais terá preocupado o pensamento humano: o problema do destino. A Humanidade, cansada do dogmatismo religioso, atormentada pela necessidade de saber, volve suas vistas para a Ciência; aguarda o seu veredicto definitivo, que lhe permitirá orientar seus atos, fixar suas opiniões e crenças.
Graves são as responsabilidades dos sábios. Os homens que ocupam as cátedras do ensino superior sentem bem todo o seu peso e medem acaso toda a sua extensão? Saberão eles fazer o sacrifício do seu mesquinho amorpróprio e recuar das afirmações prematuramente formuladas? Ou se reservarão, no declínio de sua carreira, o pesar de reconhecer que erraram o alvo, desdenharam as coisas mais essencialmente dignas de se conhecer e ensinar?
O movimento psíquico vem principalmente do exterior, como indicávamos há pouco; dia a dia se acentua. Se a ciência francesa se esquivasse a nele tomar parte, seria sobrepujada, suplantada, e o seu belo renome no mundo ficaria deprimido. Saiba ela, renunciando aos seus preconceitos e conservando os seus cautelosos métodos, elevar-se com os sábios estrangeiros, a regiões mais vastas e sutis, fecundas em descobertas, e que está no seu próprio interesse explorar, antes que negar.
Faça ela do Espiritismo uma ciência nova que complete as outras ciências, constituindo-lhes o pináculo. Aplicam-se estas a domínios particulares da Natureza; conduzem por vezes a sistemas falsos, e quem neles se enclausura perde de vista os grandes horizontes, as verdades de ordem geral. A ciência psíquica deve ser a ciência suprema que nos ensinará a conhecer-nos, a ponderar, a aumentar as potências da alma, a exercitá-las, a elevar-nos, pelos meios que nos oferece, até à Alma divina e eterna!