Capítulo VII - Apêndice


Considerando a Prece

(DIALOGO)





P. - Que é prece?


R. - Um ato de fé e humildade, da criatura para com o Criador.


P. - Haverá fórmulas determinadas para esse ato?


R. - Não. Todas as fórmulas são plausíveis, pois o que vale é a intenção.


P. - E se a intenção não aparente, ou convencional?


R. - Deixa de haver prece.


P. - Não basta, então, querer e pedir?


R.- E' preciso antes compreender e sentir o que se pede.


P. - Mas, como explicar o efeito positivo de certas preces, nalguns casos?


R. - Pela fé, como pelo merecimento dos postulantes, de vez que nada ocorre por acaso, à revelia da Lei.


P. - Que lei?


R. - A lei divina, que está inscrita na consciência de toda criatura na pensante, e que definimos por Amor e Justiça.


P. - Mas, se nem todos podem amar nem saber para bem julgar?


R. - O amor, que é a virtude das virtudes, por excelência, foi dado em germe a todas as criaturas, a fim de se integrarem nos desígnios de Deus. O que chamamos - o mal - não informa, antes confirma a existência do amor, que é o bem.


P. - Que dizer então?


R. - Que, quem ama o mal, ama alguma coisa e apenas não sabe, ou não pode, de outra forma, utilizar a faculdade latente e incoercível.


P. - E como explicar essa disparidade de aptidões nas criaturas de Deus?


R. - Pela diversidade de graus na escala da evolução dos Espíritos.


P. - Mas, sendo eles, os Espíritos, criados em pé de igualdade absoluta, como admitir a diversidade de graus?


R. - Primeiro, porque Deus não cessa jamais de criar, e segundo porque, no exercício do seu livre arbítrio, pode a criatura, em gamas infinitas, não evoluir, finas alterar e retardar o ritmo de sua própria evolução.


P. - E poderíamos conceber que Deus não pudesse melhor obrar, criando-nos perfeitos, antes que perfectíveis?


R. - A razão humana é limitada. Querer penetrar os desígnios de Deus, fora loucura.


Não sabemos o essencial de coisa alguma, não nos conhecemos a nós mesmos. Entretanto, vivemos, e os postulados da consciência nos advertem de que não há efeito sem causa.


P. - E daí?


R. - Razão maior para aceitarmos a vida como se nos ela apresenta. Para efeitos inteligentes, causa inteligente.


P. - Mas os cépticos, os negadores de todos os tempos, criaturas inteligentes, sábias, racionalistas, também...


R. - Em substância, nada de positivo e concreto demonstraram, a não ser que o negativismo é ainda uma prova da realidade de Deus, visto que ninguém concebe a negação do inexistente. De nada, nada.


P. - E a Revelação Espírita nos dará da Entidade Divina uma prova positiva, integral, absoluta?


R. - Indiretamente, sim


P. - Por quê?


R. - Porque demonstra sobrevivência integral do ser eternidade.


P. - Mas ... Deus?


R. - Em imanência de causa, é claro que melhor se entremostra na dilatação dos efeitos. E' pela maior compreensão do Universo que melhor sentimos a existência de Deus e a necessidade da prece.


P. - Mas dir-se-á que Deus tenha necessidade das nossas preces?


R. - Absolutamente. Nós é que temos necessidade de orar a Deus, e por isso dissemos que a prece antes deve ser sentida que articulada.


P. - Então, as crianças? Como podem elas orar?


R. - As crianças devemos ensinar a oração compatível com o desenvolvimento do seu raciocínio, tendo em vista, sempre, as fórmulas simplificadas e capazes de lhes suscitar confiança, antes que temor de castigos, ou esperanças vãs de prêmios fantasistas e ilusórios.


P. - Serviria, então, o "Pai Nosso"?


R. - A oração dita dominical, a única que Jesus autorizou formalmente, é, na sua consubstancial singeleza, a mais profunda das orações. Podendo ser aproveitada em função exemplificadora, ela, como quaisquer outras orações, formuladas ou improvisadas, precisa ser compreendida e sentida. Repita-se: a prece não é um ato formal, nem verbal, mas essencialmente emocional. Um pensamento, um olhar, uma lágrima e até um sorriso, podem melhor traduzi-Ia que um milhão de palavras.


P. - Então, as missas litúrgicas?


R. - Eu disse que tudo vale pela intenção. Toda prece sincera, todo pensamento de amor, aproveita a quem dá e a quem recebe.


Por isso, os Espíritos elevados nos disseram que a prece emocional aproveita sempre.


P. - Mas, se Jesus disse que o Pai sabe o de que necessitamos, não se justificaria deixássemos correr nosso destino à mercê da Lei inelutável?


R. - O homem é orgulhoso e mal conhece a Lei. Ignorante do passado, ignorante do futuro, uma vez na Terra, sobrecarregado de faltas, esquecido de sua origem, tudo pede ao mundo e no mundo, para concluir estouvadamente que só não cabe pedir ao Senhor do mundo! Entretanto, por justificar a hipótese, necessário lhe fora reconsiderar o mundo das causas, onde engendrou a necessidade de recorrer às fontes da divina misericórdia.


P. - E como conciliar a misericórdia com a justiça de Deus, se a Lei é absolutamente íntegra?


R. - A misericórdia não é fragmentação, diminuição, nem alteração de Lei; é antes um elemento de exação, no sentido de revigoramento das energias morais ou físicas do recorrente, por bem cumprir a sentença que se impôs na carne e pela carne.


P. - E com relação aos desencarnados?


R. - É a mesma coisa, porque no plano astral se refletem os atos do encarnado, que pode sofrer tanto ou mais do que na Terra.


P. - Mais do que na Terra?


R. - Sem dúvida, visto que, mais tênue e delicado o seu invólucro, mais vivas se lhe tornam as idéias e as sensações.


P. - Mas, os Espíritos superiores também terão necessidade de orar?


R. - Todos o fazem, ainda os da mais alta hierarquia, como Jesus.


P. - Que necessidade podem impelir à prece um Espírito como Jesus?


R. - O conhecimento da obra de Deus, atento a que a Ciência Universal é indefinida e imanente qual o próprio Deus...


P. - Acredita que mal posso compreendê-lo?


R. - Sim. Concordo em que não é fácil ultrapassar a barreira das nossas concepções limitadas. O conhecimento do inefável é antes fruto de intuição que de observação, e toda intuição é uma iluminação.


P. - A ciência da Terra nada produz então?


R. - Não há, propriamente, uma ciência da Terra, porque tudo é de Deus e vem de Deus. A ciência humana aproveita ao homem e desenvolve o Espírito para atividades mais amplas no plano espiritual.


A ciência da Terra é também modalidade integrante do plano divino, facultando ao encarnado cooperar direta e ativamente na evolução cósmica do planeta.


P. - Neste caso, e o materialismo científico?


R. - E' uma expressão balda de sentido na acepção espiritista.


P. - Por quê?


R. - Porque o crente espiritista sabe que atrás de todo fenômeno aparente está a realidade de um fator inteligente. E' o Espírito que vivifica a matéria.


P. - Voltando à prece: acha-a, então, indispensável?


R. - Tanto como o ar atmosférico à vida orgânica, porque ela é bem o alimento da alma.


P. - Mas há criaturas que não oram, que nunca balbuciaram uma prece...


R. - E' um engano. Esses fazem-na para dentro de si, consigo mesmos, no anseio de suas almas, na tortura dos seus remorsos. São caldeiras abafadas pelas escórias do orgulho, cuja explosão cedo ou tarde se dará.


P. - E que dizer das preces coletivas, das que aí se fazem, por exemplo, nos centros espíritas?


R. - Diremos que não podem aberrar da regra geral, isto é, que precisam ser antes sentidas que faladas, natural e simplesmente, sem outra preocupação que traduzir o fim colimado.


P. - Mas, admitido que Deus e os Espíritos superiores lêem os nossos pensamentos, sendo o pensamento, mesmo, a sua linguagem, não se poderia justificar a prece muda, ou mental?


R. - Conforme...


P. - Conforme?


R. - A linguagem articulada, como veículo de pensamentos e traduzindo emoções, pode conceituar-se, no caso em apreço, como a batuta do regente de orquestra, focalizando e estimulando a harmonia do conjunto. Torna-se, assim, um elemento sintônico de grande alcance, senão indispensável, ao menos de efeitos práticos.


P. - Práticos, diz?


R. - Sim, porque não há desconhecer a acalma dos ambientes, a pacificação interior que as preces acarretam; e sim porque podemos, ainda, conjeturar a existência de seres desencarnados e assaz materializados para não poderem utilizar-se e beneficiar-se de um intercâmbio exclusivamente mental.


P. - Deveremos, então, condenar as rezas, responsórios, ladainhas e o mais que por aí se pratica com foros de boa religiosidade?


R. - Condenar não é o termo. O espírita cristão nada e a ninguém condena. Ele sabe que o ignorante de hoje será o sábio de amanhã. O seu Cristo não é já o que permanece morto na cruz, há 20 séculos, mas o que ressuscitou no seu coração e aí vive em abundância de graças eternas. Esse Cristo disse - não julgueis para não serdes julgados (1) e o que importa ao cristão em Cristo é justificar pelo exemplo, e não malsinar nem condenar. Ninguém responde senão por faltas em consciência cometidas. Onde começa a ignorância, aí termina a responsabilidade. Ensinar o ignorante é obra de misericórdia, mas não vamos, com e no afã de praticar a obra, desconhecer aquele relativismo que nos coloca distante do Mestre quanto de nós possamos imaginar distantes os seres ínfimos da Criação. Saibamos, enfim, por nossos atos, fazer de Jesus o árbitro de nossas preces.


(1) Sempre consideramos o julgamento uma função indeclinável do Espírito. A vida é um julgamento constante. Julgar é comparar, é discernir, é optar, é aprender, é progredir. Julgar para condenar é o que nos parece encrespar o preceito evangélico.


FIM